A dissertação “A par dum trabalhador, devemos fazer um pensadorâ€: a cultura anarquista paulistana nas prática s artasticas e pedaga³gicas das Escolas Modernas n. 1 e 2, apresentada por Levi Fernando Lopes Vieira Pinto ao Programa de Pa³s-Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Unesp, Ca¢mpus de Sa£o Paulo, expaµe a história das Escolas Modernas de Sa£o Paulo, que funcionaram na década de 1910 nos bairros opera¡rios do Bra¡s e Belenzinho.
Segundo o pesquisador, o trabalho busca contribuir para o enriquecimento da história do anarquismo, da educação e da arte/educação no Brasil. “Ha¡ pouca bibliografia sobre essas escolas, talvez pela omissão nas narrativas oficiais,†destaca. Ele afirma que a dissertação ganhou mais consistaªncia graças ao acesso a documentos preservados em alguns acervos, como o do Centro de Documentação e Mema³ria (CEDEM), da Unesp, um centro de memória que custodia, entre outros, o Fundo Astrojildo Pereira, com material sobre o movimento opera¡rio do inicio do século XX. Outra questãoda pesquisa foi tentar compreender de que maneira a cultura liberta¡ria, formada no interior da classe trabalhadora, conciliava com o programa curricular das escolas oficiais. A pesquisa foi orientada pela docente Rita Luciana Berti Bredariolli, do Instituto de Artes.
Contexto osNo final do século XIX, a imigração em massa, sobretudo de italianos, espanha³is e portugueses, contribuiu para a industrialização dopaís. No caso de Sa£o Paulo, os bairros Bra¡s, Belenzinho e Mooca abrigaram grande quantidade de opera¡rios. Nas indaºstrias, as condições de trabalhado desagradavam os trabalhadores. O pesquisador esclarece: “A carga hora¡ria invariavelmente ultrapassava 13 horas. Havia Espaços muito pequenos para o almoa§o e para o caféda tarde, com duração máxima de 15 minutos. As idas ao banheiro eram reguladas, os funciona¡rios eram vigiados para que não conversassem entre si; podiam sofrer agressões físicas caso descumprissem as regras da empresa. O ambiente ao qual os trabalhadores eram expostos era insalubre, sem nenhuma proteção; os sala¡rios eram baixos; criana§as ingressavam no trabalho para ajudar na renda familiar e sofriam as mesmas agressões, assim como as mulheres osatémesmo gra¡vidas. Os sala¡rios desses grupos eram ainda mais baixos que o ordenado dos homensâ€.
Nesse cena¡rio, o anarquismo enquanto ideologia dissidente do sistema vigente osum estado social onde as relações e suas organizações não orbitam entorno de um governo ou de representatividade polatica ostrazido da Europa por esses trabalhadores –, começou a ganhar força entre os paulistanos, assim como entre opera¡rios de todo opaís. Em seu trabalho, o autor enfatiza que o anarquismo brasileiro ganha caracteristicas próprias, em especial na cidade de Sa£o Paulo. “Mas não representou uma ruptura ou uma contrariedade com o pensamento liberta¡rio europeu. Ao contra¡rio, preceitos que constituem a base da ideologia foram preservados e se atualizaram diante do nosso contextoâ€.
Amoda espanhola osO pesquisador relata que, a partir dos anos 1900, o governo republicano começou a investir em escolas na periferia de Sa£o Paulo. “Somente em 2 de fevereiro de 1909 foi criado o Grupo Escolar do Belenzinho,†diz. De acordo com a dissertação, 1909 foi um ano emblema¡tico para o movimento anarquista e para a educação liberta¡ria. Foi o ano em que os grupos liberta¡rios de Sa£o Paulo criaram a Comissão Pra³ Escola Moderna com o objetivo de fundar duas unidades de mesmo nome e em referaªncia a experiência espanhola.
“No dia 13 de outubro de 1909, em Barcelona, aos gritos de ‘Viva la Escuela Moderna’, Francisco Ferrer, um educador liberta¡rio catala£o, era fuzilado. Foi preso no dia 1 de setembro do mesmo ano sob a acusação de ter sido um dos principais autores da sanãrie de greves ocorridas em Barcelona, que ficou conhecida como Semana Tra¡gica. Preso, condenado e fuzilado sem encontrarem nenhuma prova do seu envolvimento com o episãodio, Ferrer acabou se tornando um ma¡rtir para o movimento anarquista,†escreveu Pinto.Â
A finalidade do Comitaª Pra³ Escola Moderna foi congregar pessoas interessadas nas propostas da educação racionalista e também arrecadar fundos para a fundação de escolas similares a Escuela Moderna de Barcelona, ou seja, onde as concepções da educação racional pudessem ser colocadas em prática , além simpatizantes do movimento anarquista e também das ideias de Ferrer sobre educação.
A Escola Moderna n. 1 foi inaugurada em 13 de maio de 1912, sob a direção do professor Joa£o Penteado, na rua Saldanha Marinho n. 66, no bairro do Belenzinho. Posteriormente, a Escola seria transferida para a avenida Celso Garcia n. 262. Bem próxima a ela, na rua Miller n. 74, provavelmente em 1913, foi criada a Escola Moderna n. 2, sob a organização da Comissão Pra³ Escola Moderna. As Escolas passaram a funcionar após a obtenção de um alvara¡ da Secretaria de Instrução Paºblica do Estado.
Segundo consta na dissertação, a ideia da Escola Moderna era promover a emancipação moral e intelectual com base no ensino racionalista. “O ensino racionalista buscava promover uma metodologia de aprendizado em que o sujeito em formação fosse trilhado por processos de experimentação e observação do mundo. Buscava conferir a s mulheres e aos homens uma autoridade sobre si mesmos, sobre suas relações, sobre o meio que os cerca e sobre o mundoâ€.
Além de disciplinas como portuguaªs, aritmanãtica, geografia, história e princapios de ciências naturais, os curraculos das Escolas Modernas também se apoiavam no ensino de música e artes em geral. O ensino de religia£o não fazia parte do curraculo. Ferrer, o idealizador das escolas liberta¡rias, dizia que elas deveriam ultrapassar os interesses de instituições como igreja e Estado que, segundo ele, atrasam o progresso. “O ensino racionalista de Ferrer éuma ação direta contra essa lógica que procurava desenvolver sujeitos da³ceis, obedientes,†destaca o educador em seu estudo.
As escolas utilizaram fartamente os jornais como instrumentos de apoio curricular. Nascidos em 1914, esses peria³dicos eram considerados atividades escolares. O Inicio foi o primeiro jornal lana§ado pela a Escola Moderna n. 1, segundo Pinto. “O Inicio era produzido pelos pra³prios alunos e boa parte dos conteaºdos eram de autoria deles,†diz. Os textos reportavam as atividades extraclasse, os passeios, as festas para arrecadar fundos para as escolas, os horrores da Guerra que se desenrolava na Europa, as ações administrativas, entre outros fatos. Em 1918 começou a circular o jornal chamado “Boletim da Escola Moderna.†A finalidade do novo jornal era divulgar o ensino racionalista. Além da produção de jornais, a Escola Moderna fazia propaganda em peria³dicos de circulação comercial, como em A Plebe (1917 os1951).
Os anos em que a Escola Moderna manteve suas atividades foram também de conflitos na Europa osPrimeira Guerra Mundial, Revolução Sovianãtica. Aqui no Brasil, em 1917, ocorreu a grande graves opera¡ria, nascida espontaneamente entre os trabalhadores anarquistas. Como consequaªncia, em novembro de 1919, a Secretaria de Instrução Paºblica entrou com um pedido na Secretaria de Justia§a Paºblica de fechamento da Escola Moderna n. 1 e n. 2 de Sa£o Paulo, sob um conjunto de acusações. A principal seria a de que a Escola promovia a doutrinação de ideias anarquistas, ou seja, ideias, segundo eles, que perturbavam a ordem pública.
Segundo análise do pesquisador, na cidade de Sa£o Paulo, a experiência educacional liberta¡ria que mais deixou rastros e que teve relativo impacto nos bairros opera¡rios foram as Escolas Modernas n. 1 e n. 2, dirigidas respectivamente por Joa£o Penteado e Adelino de Pinho. “A par dum trabalhador, devemos fazer um pensadorâ€, escreveu Pinho, de maneira a sintetizar a força e a importa¢ncia do pensamento pedaga³gico liberta¡rio e suas prática s no interior da classe opera¡ria: "pela educação, formar sujeitos livres, capazes de agir e transformar a sociedade e o mundo que vivemâ€.