Campus

Luiz Eugaªnio Mello: a‰ possí­vel melhorar o que já ébom
O novo diretor cienta­fico da Fapesp fala de seus planos e estratanãgias e dos desafios que a pandemia impaµe a  atividade de pesquisa
Por Alexandra Ozorio de Almeida, Fabrício Marques e Neldson Marcolin / Pesquisa Fapesp - 28/04/2020


Luiz Eugaªnio Mello, novo diretor cienta­fico da Fapesp osFoto: Lanão Ramos Chaves / Pesquisa
Fapesp - Idade 62 anos; especialidades: Biologia molecular, neurociaªncia, gestãode ciaªncia
e tecnologia; Instituição Universidade Federal de Sa£o Paulo (Unifesp); Formação
Graduação em medicina, mestrado e doutorado em biologia molecular pela
Unifesp; Produção: 155 artigos

Sem alarde, em meio a  pandemia da covid-19, o neurocientista Luiz Eugaªnio Mello assume o cargo de diretor cienta­fico da Fapesp a partir desta segunda-feira, 27 de abril. Ele substitui o fa­sico e engenheiro Carlos Henrique de Brito Cruz, no cargo desde 2005. A trajeta³ria de Mello une atividades de pesquisa e gestãona universidade e atuação em empresas privadas. Professor titular de Fisiologia da Universidade Federal de Sa£o Paulo (Unifesp), foi pra³-reitor de Graduação (2005-2008), tendo participado da expansão da instituição. Em 2009, assumiu na mineradora Vale a área de inovação e implantou o Instituto Tecnola³gico Vale (ITV), composto por duas unidades de pesquisa localizadas em Minas Gerais e no Para¡. Recentemente, ocupou o cargo de diretor de Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. Membro da Academia Brasileira de Ciências,  foi ainda vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei).

Mello avalia que, embora a pandemia entre na categoria “urgente”, afetando o curto prazo, a crise do novo coronava­rus valoriza a ciência perante a sociedade, pois édela que estãovindo as respostas. “Nãodevemos criar falsas esperanças e a expectativa de balas ma¡gicas. Temos uma oportunidade única de fazer as pessoas entenderem alguns conceitos fundamentais de ciência e recuperar um pouco do seu presta­gio. Quanto mais os dados, a evidência cienta­fica e o manãtodo cienta­fico forem pilares, tanto mais bem-sucedidos seremos nessa estratanãgia de retomada da ciência” No que classifica na categoria “importante”, de longo prazo, ele não prevaªmudanças e define seu objetivo  de tornar a fundação uma agaªncia ainda melhor.

Acompanha com preocupação a crise de financiamento da atividade de pesquisa enfrentada por órgãos do governo federal, que na sua avaliação faz com que o sistema esteja desaparecendo progressivamente. Para Mello, a atividade colaborativa desenvolvida com outras unidades da federação émuito relevante para o sucesso da pesquisa em Sa£o Paulo. Ele defende que a Fapesp amplie suas colaborações nacionais e internacionais, e com um amplo leque de parceiros. “Quando falamos da Europa, por exemplo, lembramos dospaíses de sempre, Inglaterra, Alemanha, Frana§a… Quantas vezes pensamos na Bulga¡ria ou na Romaªnia? Com certeza hámuito trabalho de qualidade acontecendo la¡.” Na mesma linha, questiona: “Sera¡ que eu não posso fazer colaborações relevantes com Para¡, Acre, Rio Grande do Norte?”. Em sua análise, quanto mais amplo o conjunto de regiaµes oupaíses, maior o potencial de atuação e a atração de talentos, beneficiando a ciência e a tecnologia paulistas.

a€s vanãsperas de assumir o cargo, Mello concedeu a seguinte entrevista, por videoconferaªncia, de sua casa em Sa£o Paulo, em que falou sobre inovação, planos para a Fapesp, pandemia e sua visão sobre ciência e tecnologia.
.
Qual a sua visão do papel da Fapesp hoje e como ele pode vir a ser aperfeia§oado na sua gestão?

A Fapesp éuma das melhores, senão a melhor, agaªncia de fomento a  pesquisa atuando no Estado de Sa£o Paulo. Esse argumento não ébaseado em uma opinia£o, mas na regularidade de aporte de recursos, na estabilidade de processos e normas, no volume significativo de dinheiro, nos prazos de tramitação de processos e em uma sanãrie de outros aspectos que permitem fazer essa qualificação. Ha¡ manãrito e evidaªncias concretas. Independentemente dessas qualidades inega¡veis, sempre existem aspectos que podem ser melhorados. Por mais que os prazos da Fapesp sejam já muito bons hoje, comparativamente a diferentes instituições no Paa­s e no exterior, eles ainda poderiam ser melhorados. Eu, de fora, sem estar na direção, tenho a impressão de que da¡ para fazermudanças importantes em simplificação de processos, redução de alguns graus de controle, ou do que podera­amos chamar de burocracia, que talvez contribuam para uma maior eficiência. Na iniciativa privada existe um ditado muito interessante. Iniciativa privada evidentemente se baseia em lucratividade e maior eficiência, no sentido econa´mico. O provanãrbio diz: “Custo écomo unha e cabelo, cresce o tempo inteiro e, se não cortar, são aumenta, aumenta, aumenta”. Eu diria que a analogia no meio paºblico poderia ser que burocracia cresce o tempo inteiro e, se não cortar, são aumenta. Existem razões para tudo, para o custo ou para a burocracia aumentarem. Evidentemente, as coisas não são feitas desprovidas de uma lógica, mas temos de nos contrapor a essa lógica e gerar mais eficiência. Ganhar eficiência éum item importante. O que pode resumir tudo éque a Fapesp já émuito boa e poderia melhorar ainda mais. Para simplificar o argumento. A Fapesp poderia ser a maior agaªncia de fomento a  pesquisa? Isso ela não vai ser, nem no Brasil. A Fapesp poderia ser a melhor agaªncia? Esse pode ser um objetivo estratanãgico: ter a Fapesp como uma das melhores agaªncias de fomento a  pesquisa do mundo. O que fazer para chegar la¡? Teremos que estudar e conhecer mais a fundação por dentro para planejar em maiores detalhes, agir, verificar e ajustar.

Quanto de seu planejamento foi afetado pela atual conjuntura?

Ha¡ duas questões aa­. Uma delas costuma ser separada nas duas palavras: urgente e importante. Com frequência, o urgente toma o lugar do importante. Em geral, importantes são ideias de longo prazo, estruturantes. Sa³ que essas são atropeladas no dia a dia pelo urgente. Isso vale para qualquer organização e a Fapesp não éexceção. Evidentemente, se não tomarmos cuidado com o incaªndio, não teremos mais uma casa, nem adianta ficar planejando uma bela arquitetura de longo prazo. Eu diria que a atual conjuntura não afeta em nada os princa­pios estruturantes. O impacto ocorrera¡ no aspecto prático do dia a dia. Qualquer ação que se tome vai contentar e agradar a algumas pessoas e descontentar e desagradar a outras. O ser humano tem uma necessidade enorme de encontrar culpados. No momento em que eu passar a ser diretor cienta­fico, terei de assumir a responsabilidade pelos meus atos. Por outro lado, esse aspecto da culpa seráum pouco dividido com a crise da covid-19, que serásempre lembrada. Essa crise vai aumentar, manter esta¡vel ou diminuir as receitas da Fapesp? No melhor cena¡rio, ficaria esta¡vel, porque, quem sabe, hipoteticamente podera­amos ganhar fundos extraordina¡rios. O cena¡rio “vai aumentar” parece altamente improva¡vel. O cena¡rio “vai diminuir” éo mais prova¡vel porque a arrecadação dos impostos estaduais caira¡. Quase certamente serápreciso tomar decisaµes que va£o doer. No entanto, háuma disponibilidade mental da comunidade para aceitar ajustes no momento de crise. Li recentemente uma reportagem sobre a Nova Zela¢ndia, onde a primeira-ministra, Jacinta Ardern, e todos os demais ministros fizeram um corte de 20% em seus vencimentos. Acho que a sociedade olha positivamente essas atitudes. Ainda teremos de verificar quais os ajustes a serem feitos na Fapesp. Eles se tornaram urgentes, não poderemos deixar de fazer. Mas esses ajustes não deveriam impactar na estratanãgia de longo prazo, que éimportante para o objetivo maior de tornar a fundação uma agaªncia ainda melhor.

Tentando abstrair a crise, o que seriam concretamente estratanãgias previstas para seu período na Diretoria Cienta­fica?

Vou citar exemplos, alguns deles o Brito [Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor cienta­fico atéo dia 26/4/2020] já começou a colocar em curso. Em geral, o processo de escolha de assessores émanual. A Coordenação de area sugere nomes para a Coordenação Adjunta, que valida esses nomes, e o processo éenviado para um assessor externo dar um parecer. Toda essa tramitação tem um tempo para acontecer, ela “come” tempo. Sera¡ que não podera­amos fazer isso eletronicamente? Certamente da¡ osna verdade, o sistema já estãopronto. O Brito começou a testar em algumas coordenações de área e, aparentemente, funciona bem. Talvez possa ser aperfeia§oado, melhorado, talvez ainda exista a interveniaªncia humana em alguma etapa que não seja necessa¡ria. Quem sabe não possamos ter um computador que já resolva se háou não conflito de interesse, quem éo melhor assessor para determinado tema, levando em conta os prazos e a expertise na área, e faz o envio automa¡tico do projeto para ser analisado? Poderemos ganhar eficiência, tempo e, possivelmente, qualidade em todo o processo. Temos que testar, avaliar, ajustar e, se for o caso, implementar. a‰ possí­vel fazermudanças muito mais radicais osverificar quais são as melhores prática s no mundo e avaliar, em estudos-piloto, o que funciona e como evoluir. Existe um volume de trabalho muito grande na Fapesp decorrente de relatórios que precisam ser avaliados. Relata³rios, por exemplo, de iniciação cienta­fica. Eu, como um grande usua¡rio que fui da Fapesp, como orientador de bolsistas de iniciação cienta­fica, vejo um manãrito enorme na exigaªncia de relatórios semestrais. O aluno vaª com muito mais peso uma cobrana§a externa da agaªncia financiadora daquela pesquisa, comparativamente a  cobrana§a de alguém pra³ximo, que éo orientador. Isso tem um grande valor para o sistema porque gera alunos e relatórios melhores e, consequentemente, pessoas bem formadas. Esse sistema de avaliação, no entanto, tem um impacto porque, para cada relatório semestral de iniciação cienta­fica, épreciso ter um assessor que avalia. Ele passa pela Coordenação de área e pela Coordenação Adjunta da Diretoria Cienta­fica. Talvez não precise passar pela Coordenação Adjunta. Depois que forem concedidos, os relatórios de acompanhamento poderiam ficar exclusivamente a cargo da Coordenação de area. A verificar se isso cabe ou não, mas são exemplos pequenos de como hávárias etapas do processo interno que podem ser melhoradas e podem contribuir para reduzir o volume de trabalho. Os pesquisadores que estãona Coordenação Adjunta da Diretoria Cienta­fica estãono a¡pice da sua produção, do seu potencial, da sua capacidade. Afogar essas pessoas em um trabalho que tem muito de burocra¡tico não éfazer o melhor uso dessa inteligaªncia dispona­vel. Temos um sistema muito capaz que utilizamos em tarefas simples. Talvez elas pudessem ser feitas em outras insta¢ncias. Sem desmerecer as outras insta¢ncias, ébom que fique claro. a‰ como o sistema nervoso: algum de nospensa para respirar? Fazemos isso automaticamente. Algumas tarefas podem ir para o automa¡tico.

Seu trabalho cienta­fico sempre teve uma parte de pesquisa ba¡sica forte ao lado da pesquisa aplicada, incluindo o registro de patentes. Como vaª a cobrana§a da sociedade, de alguns anos ca¡, para que os investimentos em ciência tenham mais impacto econa´mico e social?

A dissociação entre a academia e a sociedade égrande no mundo inteiro. O termo “torre de marfim” não foi cunhado para explicitar qualquer instituição de excelaªncia no Brasil, mas para falar de instituições no exterior. A separação entre a academia e a sociedade tem razões de ser no pra³prio modelo de produção da universidade. Esse modelo muitas vezes implica uma atividade mais reflexiva, de longo prazo, e no dia a dia a sociedade se preocupa mais com o que estãoocorrendo no momento. Ha¡ uma diferença na visão de curto e de longo prazo. A atividade de reflexa£o da universidade teve um impacto agora, em abril, com o pedido de demissão do diretor-geral do Conselho Europeu de Pesquisa, o italiano Mauro Ferrari. O que Ferrari queria fazer era uma pesquisa mais aplicada, sobre como enfrentar a covid-19, por exemplo, enquanto a visão da comunidade europeia de pesquisa éde que aquela agaªncia não épara enfrentar o curto prazo, mas para trabalhar o longo prazo. Se comea§ar a se dedicar a apagar cada incaªndio que surge, ninguanãm vai fazer a função para a qual ela foi criada. Lembrei desse evento recente são para falar da Europa, que, em geral, étida como referaªncia. Voltando para a nossa situação, entendo que a sociedade no Brasil e no mundo, com toda a raza£o, olha para um investimento que épaºblico, feito nas atividades da universidade, e quer retorno. O que se pensa anã: “Como isso impactou no meu dia a dia?”. Eu acho que isso desemboca em vários aspectos que va£o para um lado de dar mais visibilidade ao que se faz na universidade. Essa preocupação tem mobilizado cada vez mais pesquisadores com blogs e sites.

O bia³logo atila Iamarino, ex-bolsista Fapesp, tem 2,5 milhões de seguidores em seu canal no YouTube, falando apenas sobre ciência

Ha¡ 10 ou 20 anos não sei se existia um ana¡logo dele com capacidade de dar essa visibilidade toda a  ciência Acho que em resposta a  demanda da sociedade de um impacto maior, temos vários desdobramentos, incluindo divulgadores ativos da ciência como ele. De outro lado, ninguanãm deveria ter interesse em matar a ciência mais fundamental. A questãoéque, em pesquisa ba¡sica, bem mais difa­cil definir manãrito e aspectos para longo prazo. Vi recentemente uma charge muito boa que mostra duas ou três pessoas na Idade da Pedra fazendo uma força brutal para arrastar um mamute que tinham caçado. Eles estavam incomodados com um fulano afastado, fazendo uma coisa inútil. Aa­ o quadrinho muda, e o que estava fazendo algo inútil tinha acabado de inventar a roda, embora ele não soubesse muito bem para que aquilo servia. a‰ difa­cil definir o que faz sentido na pesquisa ba¡sica osémuito mais fa¡cil fazer isso com os trabalhos acadaªmicos que resultam em aplicação imediata. Se agaªncias como a Fapesp não financiarem a pesquisa fundamental, ninguanãm vai fazer.

Falando agora sobre empresas: de que forma o trabalho da criação do Instituto Tecnola³gico Vale, que vocêliderou, influenciou a sua visão e a capacidade de interação entre a iniciativa privada e as universidades no Brasil?

Esse processo foi uma experiência única. Eu já tinha participado dos processos de criação de novos campi da Unifesp. Os campi de Santos, Guarulhos, Sa£o Josédos Campos e Diadema tiveram seu primeiro vestibular quando eu estava a  frente da Pra³-reitoria de Graduação. O processo de criação, tanto na ciência quanto em corporações, éapaixonante. Faa§o com muito prazer. O processo de criar o ITV e o de desenvolvimento do Idor, que éo Instituto de Pesquisa e Ensino da rede D’Or Sa£o Luiz, da£o essa dimensão da interação com o privado. a‰ incra­vel buscar compatibilizar, considerar o que são as diferentes visaµes. Tem a ver, de novo, com as questões de curto e longo prazo. Evidentemente, em uma empresa como a Vale, a questãodo prazo ésempre um incaªndio: não pode deixar de resolver e de modo urgente. Mas a Vale tem também questões de longo prazo, que são sera£o enderea§adas com geração de conhecimento. Acho que a experiência na empresa me deu um sentido mais prático do mundo. Fiquei nove anos na Vale. Quando entrei, era visto como um professor de uma universidade, um acadaªmico, e isso me incomodava porque na prática eu queria ser visto como mais um dos diretores da empresa. Progressivamente, comecei a ser visto como um dos diretores. a‰ quase como uma função de embaixador. Vocaª sabe falar a la­ngua dopaís estrangeiro onde esta¡, mas representa opaís original onde nasceu. Quanto mais embaixadores conseguirmos ter, melhor seria, porque diminuira­amos resistências de parte a parte. O que agregou para mim foi entender um sentido mais prático do mundo, mais imediatista por um lado. Mesmo pensando no imediato, a empresa se deu ao luxo de ter uma iniciativa de longo prazo. Gosto muito de citar o trabalho de um gea³logo que se tornou um grande amigo, o Roberto Dall’Agnol, membro da Academia Brasileira de Ciências [ABC]. Imagine uma empresa privada que tem no seu instituto de pesquisas um membro da ABC. a‰ nota¡vel. Ele tinha um trabalho cujo tí­tulo era mais ou menos assim “Avaliação palinola³gica do holoceno na Amaza´nia ocidental”. Quem laª um tí­tulo desses pensa: “a‰ pesquisa ba¡sica”. Afinal de contas, era algo sobre a avaliação de pa³len em uma anãpoca geola³gica antiga num pedaço da Amaza´nia. Sa³ que o projeto, além de ter gerado conhecimento fundamental que não existia, contribuiu para acelerar um processo de licenciamento ambiental do maior empreendimento de mineração do mundo inteiro, não são da Vale, na anãpoca pelo menos, em 2014. O impacto para a empresa foi de centenas de milhões de da³lares ao antecipar em seis meses um licenciamento. Isso são foi feito porque a empresa tinha dados cienta­ficos, dois anos de avaliação do lago da regia£o na seca, no período das a¡guas, depois na outra seca e informações físicas, químicas e biológicas de hoje e do passado. Informação éfundamental e, sem ciaªncia, não se tem nada. O instituto fez esse trabalho e éum sucesso, com a participação de vários cientistas. a‰ muito legal conseguir contribuir, participar, ajudar na construção de modelos de integração em que o Brasil ainda émuito carente. Podera­amos fazer muito mais.

Isso éalgo que vocêconsegue ver de mais interessante na relação empresa-universidade?

Sem daºvida. Na prática , o número de empresas com potencial de colaboração com a academia égrande. Se somarmos a gestãodo Perez [JoséFernando Perez, diretor cienta­fico entre 1993-2005] e a do Brito [2005-2019] da¡ 27 anos. Nesse período, a Fapesp vem em uma toada de crescente ampliação da colaboração com o setor privado ou com o setor empresarial. Essa interação pode ser otimizada e trabalhada de outras formas. Um item crítico édiminuir preconceitos e gerar entendimento: o que cada um quer do outro para que a relação tenha transparaªncia e as entregas sejam feitas? Quanto mais clara for essa relação, melhor vai ser para todas as partes.

Pela experiência que vocênarra na Vale, as instituições privadas também estariam comea§ando a olhar mais para o longo prazo? Ha¡ uma mudança em curso?

Nãotenho uma visão clara sobre o que já mudou. Mas tenho clareza que algumas caracteri­sticas tem de existir nas empresas para que elas queiram ou possam olhar para o longo prazo. E uma delas éque as empresas tenham tamanho suficiente. Existe uma questãode massa cra­tica a partir da qual elas conseguem se dedicar ao longo prazo. Olhando para o mundo la¡ fora, várias empresas já tinham o longo prazo em vista faz tempo. E háexemplos, inclusive, que envolvem frustração. Um deles éo da Xerox, que tinha um núcleo muito famoso chamado Parc, Palo Alto Research Center, em que foram descritos a tela digital e o mouse e em que houve discussaµes sobre vários outros novos dispositivos. A empresa olhava para longo prazo? Olhava, mas aparentemente havia uma desconexão entre o nega³cio do dia a dia com essas oportunidades que surgiram. Algo do tipo: “Isso não vai me ajudar a fazer mais fotoca³pia ou fazer uma fotoca³pia melhor”. A Xerox não soube capitalizar e aproveitar as possibilidades de novos nega³cios e inovações. Olhar para o longo prazo e conseguir transformar isso em uma oportunidade de nega³cio requer, igualmente, um trabalho interno intenso da empresa. Precisamos ter um número suficientemente grande de empresas que sejam também suficientemente grandes para que esse modelo comece a ser via¡vel. Além disso, épreciso um modelo de organização que nos habilite a obter os benefa­cios que essa atividade de longo prazo vai trazer. Por fim, existe outra questãopresente em vários trabalhos sobre inovação. A Xerox não percebeu a vantagem de desenvolver o mouse ou a tela interativa, mas isso não chegou a matar o nega³cio da empresa, que continua sãolida. No caso da Kodak foi diferente. Foram os engenheiros da Kodak que desenvolveram o sistema digital de fotografia. O problema éque essa inovação canibalizaria os demais nega³cios que a companhia tinha, como venda e revelação de filmes. A Kodak não soube trabalhar adequadamente essa oportunidade que teve nas ma£os. Isso éum desafio. Do lado das empresas também se requer um entendimento. a‰ fa¡cil ser profeta do passado, engenheiro de obra pronta. O difa­cil édesenvolver e lana§ar o produto inovador, fruto da pesquisa, que vai trazer ganhos para o nega³cio.

Como ficam as pequenas empresas na sua análise?

As pequenas empresas são o nascedouro dessas soluções inovadoras, dessas novas oportunidades. Nem o Facebook nem o Google nasceram grandes. a‰ verdade que nasceram pequenos e se tornam gigantes rapidamente. A imensa maioria das empresas não tem um processo de crescimento como esse e, com muita frequência, quando tem são compradas pelas grandes empresas. Conceitualmente, as evidaªncias mostram que a inovação tende a nascer nas pequenas empresas e épreciso ter uma nuvem de pequenas empresas que possa fazer isso. O problema éque nem toda inovação decorre de pesquisas ou de avanços tecnola³gicos. No caso da Fapesp, o objetivo central deve sempre ter a ver com pesquisa e com tecnologia. Na prática , esse desenvolvimento tecnola³gico éum componente fundamental para a nossa atividade. O modelo ba¡sico de tudo isso surgiu no Vale do Sila­cio, na Califa³rnia, e no caso original da Hewlett Packard tudo começou em uma garagem. Isto anã, muitos empresa¡rios começam o seu nega³cio na garagem da casa dos pais ou ava³s, em um espaço ocioso. Em função disso, as empresas desenvolveram o que se chama de garagem corporativa, querendo dizer que são iniciativas de inovação que comea§am dentro da própria corporação, meio que protegidas, meio que amparadas, mas com enorme liberdade, e podem ter um desenvolvimento subsequente. A proposta que buscamos estruturar no a¢mbito do ITV e da Vale inclua­a também esse braa§o, que acabou ficando subdimensionado, mas que agora avançou bastante.

Vocaª já disse que alguns segmentos das empresas brasileiras fazem pesquisa e desenvolvimento [P&D], mas em outros a atividade épraticamente inexistente. Como enfrentar esse problema?

Eu acho que “a necessidade éa ma£e da invenção” éuma frase lapidar e tem muita verdade. Se uma empresa estãoprotegida, com um mercado cativo, ela não tem necessidade de inovar e fazer pesquisa. Por que fazer um investimento que custa caro, com risco de não dar certo? Na prática , o famoso mercado e a famosa competição são muito salutares por gerar uma busca incessante por melhoria de processo, por inovações, por atividades de pesquisa e pesquisa tecnologiica que possam contribuir para a sustentabilidade do nega³cio. Quando olhamos o que éforte no Brasil, temos segmentos significativos. Ninguanãm nega que o setor agropecua¡rio seja forte. Tem muita tecnologia envolvida. E cada vez mais se faz agricultura de precisão, o que significa que háuso de coordenadas geoespaciais, medições de águano solo, de fotossa­ntese da planta etc. O canãu éo limite para estabelecer novas tecnologias no setor. O Brasil tem um potencial grande não são de melhorar sua indústria como de gerar tecnologia que se desdobre e va¡ para outros lugares do mundo. Ha¡ outros segmentos em que o Brasil se tornou grande, como o de cuidados pessoais, em que hágrandes empresas como Natura e Botica¡rio, por exemplo. Nesses casos, também pode ter muita pesquisa. Qualquer uma dessas organizações obrigatoriamente tera¡ de fazer pesquisa porque sem isso elas não mantera£o a posição de liderana§a a que chegaram e colocara£o em risco a sobrevivaªncia. O item central éa competição. Desde Charles Darwin [1809-1882], a competição passou a ser entendida como elemento crítico para organismos se tornarem mais adaptados.

Por nove anos, vocêfez o percurso Sudeste-Norte percorrendo os diversos centros de pesquisa do ITV. Nessa sua trajeta³ria, o que notou de mais interessante no modo de fazer ciência entre as regiaµes brasileiras?

Surpreendentemente, hápouca diferença. Tivemos gente de Sa£o Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro indo trabalhar em Belanãm, onde fica uma das filiais do ITV, além de paraenses e pessoas de várias outras localidades. Tambanãm tivemos pessoas de todo o Paa­s trabalhando em Ouro Preto, Minas Gerais. Havia uma base de operação em Sa£o Lua­s, no Maranha£o, atividades em Moa§ambique, na áfrica, e no Canada¡ osum dos centros da Vale fica la¡. As diferenças são importantes quando olhamos pela perspectiva da vida, do dia a dia e sob o ponto de vista de alguns esterea³tipos. Sobre os esterea³tipos, acho que conseguimos supera¡-los rapidamente. Basta existir vontade. De forma geral, o paulista évisto como arrogante e a visão do bandeirante paulista épanãssima, porque ele équase como um lider religioso que estãoindo levar a palavra para os povos que ainda estãodestitua­dos desse benefa­cio, no caso, de Deus. Na prática , a vontade de trabalhar, a disponibilidade de fazer as coisas éuniversal e a capacidade de executar em conjunto émuito grande. As diferenças são muito mais do sotaque que cada um carrega do que qualquer outra coisa. No modelo mental para o trabalho, de fato, vi pouca diferença. As diferenças maiores talvez fossem, por exemplo, em pequenas coisas, como o turno de trabalho. Para pegar o exemplo atual: todos nosestamos nesse momento da pandemia de coronava­rus sob uma condição de trabalho absolutamente diferente, em casa. Va¡rios de nostem filhos convivendo conosco no ambiente de trabalho. a‰ outra dina¢mica. Imagine umpaís onde não existem empregadas domésticas porque a estrutura social édiferente. Muitos trabalham das 9h a s 17h porque precisam pegar o filho na escola, que não tem com quem ficar. Nãoéum descompromisso com o trabalho, éum compromisso com outro conjunto de valores. Nem por isso o trabalho deixa de ser feito. Acho que todos se beneficiam ao ganhar mais universalização. Essa universalização significa o seguinte, voltando para a questãodo bandeirante e da vida inteligente: seráque são tem vida inteligente no Brasil? Quando falamos da Europa, por exemplo, lembramos dospaíses de sempre, Inglaterra, Alemanha, Frana§a… Quantas vezes pensamos na Bulga¡ria ou na Romaªnia? Sa³ pensamos menos porque temos menos contato com eles, mas com certeza hámuito trabalho de qualidade acontecendo la¡. A mesma lógica se aplica então a  meta¡fora que eu busquei construir. Sera¡ que eu não posso fazer colaborações relevantes com Para¡, Acre, Rio Grande do Norte? Sera¡ que as colaborações relevantes estãosão no eixo Sul-Sudeste? Quando háuma empresa com potencial de atuação e de atração de talentos em um conjunto mais amplo de regiaµes oupaíses, háum potencial muito maior de essa organização crescer. O benefa­cio éenorme. Transportando essa questãopara a Fapesp, acredito que quanto mais colaborações conseguirmos fazer, não são com as grandes organizações, melhor. Quanto mais colaborarmos com a instituição um, dois e três do mundo, mas também com várias outras em na­veis diferentes, mais benanãfico isso serápara a ciência e a tecnologia do nosso estado.

Usando um termo do mundo empresarial, podera­amos falar de uma responsabilidade social da Fapesp em procurar não são parceiros que sejam melhores, mas também iguais e a s vezes em esta¡gios mais iniciais de desenvolvimento, de forma que a fundação possa contribuir para seu avanço?

Nãotenho daºvida. Contribua­mos para a construção de um sistema que seja mais resiliente, por ser baseado em um conjunto maior de pilares. Por exemplo, eu já fui membro do comitaª de assessoramento no CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienta­fico e Tecnola³gico], na área da ciência em que trabalho. Mesmo naquela anãpoca, 2003, não era incomum ter em uma chamada um pesquisador de Sa£o Paulo e pesquisadores de outros Estados e, em condições de igualdade, o argumento a s vezes era: não vamos conceder para o pesquisador de Sa£o Paulo, porque afinal Sa£o Paulo já tem a Fapesp. a‰ um argumento muito perverso, porque investir aqui não desobriga o ente federal. Ao contra¡rio, a Fapesp não pode abrir ma£o do investimento federal, pois ele éfundamental para o desenvolvimento do estado como um todo. Agora, foi ou não benanãfico todas as unidades da federação terem se inspirado e criado organizações semelhantes a  Fapesp? Pernambuco tem a Facepe, a Bahia a Fapesb, o Rio a Faperj, todas as unidades da federação tem uma FAP. Contribuir para o desenvolvimento dessas unidades érelevante para o pra³prio desenvolvimento do Estado de Sa£o Paulo. a‰ um investimento de longo prazo. Tem que ser trabalhado de maneira muito cuidadosa para não acontecer de o investimento do contribuinte paulista ser inadequada e inadvertidamente transferido para outros Estados. Com os cuidados devidos, épara benefa­cio de todos.

Ainda sobre a covid-19, essa crise sanita¡ria ésem precedentes nas últimas décadas. A Fapesp lançou dois editais, um para pequena empresa e outro para grupos de pesquisas de universidades. Ha¡ algo a mais que possa ser feito? A Fapesp pode contribuir mais em uma crise desse porte?

Pode. Em meados de abril participei como convidado da minha primeira reunia£o do Conselho Superior da Fapesp. A preocupação de alguns conselheiros com o day after, muito pertinente, já apareceu em outras insta¢ncias. O que vai acontecer quando um número suficiente de pessoas tiver sido contaminado e houver uma possibilidade de retorno? Tem várias questões, que são para daqui um, dois ou três meses. A de longo prazo tem a ver com a saúde psa­quica e mental das pessoas depois dessa crise. Primeiro épreciso simular e escalonar esse retorno. Devemos fazer bairro a bairro? Por cadeias de nega³cio? Com base em um selo via aplicativo? Qual empresa vai vender esse aplicativo ou qual éa criptografia que seráusada? Esse dia seguinte depende menos de uma atividade de pesquisa de longo prazo e mais de uma pesquisa de aplicação imediata, talvez mais para empresas do que para o setor acadaªmico, mas tem um espaço importante de necessidade da sociedade. Ha¡ outras frentes de pesquisa: como evoluiu essa epidemia? Tempaíses com experiências diferentes. Qual éo sistema que eles usaram e como estãoaprendendo com isso? Ha¡ um espaço grande para a fundação atuar.

Os especialistas dizem que desenvolver medicamentos e vacinas contra a covid-19 éalgo para longo prazo. Por outro lado, cientistas de todas as áreas, em todo o mundo, se mobilizaram para resolver esse problema. Esse tipo de mobilização ajudara¡ a chegar mais rápido a alguma solução?

Essa mobilização vai gerar um número maior de soluções. a‰ um processo cla¡ssico de inovação, em que se tem um funil. Um conjunto grande de soluções entra na boca do funil e progressivamente algumas soluções va£o sendo descartadas. A mobilização maior aumenta a oferta de soluções, mas algumas delas demoram ou requerem uma organização diferente. Digamos que vamos produzir uma vacina. Para fazer isso mais rápido temos de abrir ma£o de alguns testes e, portanto, a vacina serámenos segura. Então estamos fechando os olhos para alguns aspectos. Podemos atéganhar tempo, mas isso seráfeito a  custa de perder algo, que em geral tera¡ a ver com qualidade, efica¡cia, segurança. Considere o volume de recursos que o mundo inteiro estãocolocando nisso. No entanto, muitos desses recursos va£o dar com os burros n’a¡gua, o que énatural. Nãohácomo testar muitas soluções e esperar que todas magicamente deem certo. As empresas que estãoinvestindo, digamos, em vacina, olham para o retorno financeiro que podera£o ter. Quando eu era criana§a havia duas vacinas para a poliomielite e hoje são tem praticamente uma. Existia uma disputa entre as duas para ver qual era a melhor. a‰ possí­vel que se alcance ao longo do tempo um conjunto de quatro, cinco vacinas correndo em paralelo e comea§ando a ser aplicadas. Algumas podera£o se mostrar mais efetivas, outras tera£o mais efeitos colaterais e assim vai. No fim, daqui a algum tempo, talvez seja possí­vel convergir para poucas opções e essas sera£o as mais seguras, de menor custo e mais efetivas. Ha¡ muitas organizações e atémesmopaíses fazendo um marketing intenso das suas capacidades e competaªncias para fazer nascer uma solução. Tora§o para ser verdade, para que as empresas encontrem soluções. Mas isso não se faz com pensamento ma¡gico.

Na atual crise nota-se uma recuperação do respeito pelo trabalho e pela opinia£o de quem faz pesquisa. A ciência vai sair dessa crise mais fortalecida e próxima da sociedade? As expectativas que estãosendo colocadas nela sera£o cumpridas?

Uma amiga me disse certa vez que sou patologicamente otimista. Acho que a gente tem de aproveitar com unhas e dentes essa janela de oportunidade que nos foi dada. O coronava­rus éuma desgraça sem precedentes, mas a ciência certamente subiu na consideração da sociedade e éda ciência que estãovindo as respostas. Se a droga A ou B funciona em um dado momento, não éporque o governante X ou Y favorece uma opção. a‰ porque háevidência do quanto ela ésegura e para quais pacientes éinsegura. De um lado, não devemos criar falsas esperanças e a expectativa de balas ma¡gicas. De outro, temos de aproveitar para construir, por exemplo, a compreensão da matemática. O que émesmo achatamento da curva? O que éa área sob a curva? Tem tantos conceitos fundamentais que podemos passar para a sociedade, aproveitar e fazer com que as pessoas vejam valor. Conhea§o um bom número de pessoas que, quando aprendiam uma equação de segundo grau, se queixavam de que nunca usariam isso na vida. Parece que a pessoa ia resolver a vida inteira com uma conta de mais, menos, dividir e multiplicar. Logaritmo, então, podia jogar fora. Hoje, a atribuição de valor a tudo isso pode se materializar. A tal da curva exponencial da pandemia envolve potaªncia, logaritmos. Temos uma oportunidade única de fazer as pessoas entenderem alguns conceitos fundamentais de ciência e recuperar um pouco do seu presta­gio. Isso tudo éimportante naquilo que o cientista tem para comunicar para a sociedade. Quanto mais o cientista se distanciar da mera autopromoção, inclusive da aliana§a com estratanãgias políticas A, B ou C, e quanto mais os dados, a evidência cienta­fica, o manãtodo cienta­fico forem pilares, tanto mais bem-sucedidos seremos nessa estratanãgia de retomada da ciência

Como vaª a crise do financiamento federal para a ciaªncia? Como as dificuldades enfrentadas tanto pelo CNPq quanto pela Finep, BNDES e outros impactam a Fapesp?

O impacto éenorme, porque afeta a atividade colaborativa. Se vou fazer um projeto de pesquisa e posso colaborar com um colega de qualquer outra unidade da federação, mesmo que seja são pela questãogeogra¡fica e de deslocamento espacial de amostras, tudo fica muito mais fa¡cil. A atividade colaborativa era e émuito relevante para o sucesso da nossa atividade de pesquisa. Para noséuma perda muito grande e, para as pessoas que estãonessas outras unidades da federação, éuma questãode morte: o sistema estãodesaparecendo progressivamente. A reversão desse panorama éuma resposta que depende da economia do Paa­s e de como se estrutura o investimento em ciência e tecnologia, e nesse caso também educação. O investimento nessas três áreas éde longo prazo e deveria estar separado do teto de gastos.

Vocaª éo primeiro diretor cienta­fico que não vem das universidades estaduais paulistas, mas de uma instituição federal.

Ser da Unifesp éum motivo de muito orgulho. Nãoésão uma questãopessoal. Na universidade, todos se sentem vencedores junto comigo.

O que isso traz para sua visão do sistema paulista de ciência e tecnologia?

Acho que a questãoremete a 1932. A Revolução de 32 teve um impacto profundo no Estado de Sa£o Paulo, com a criação da USP, com a criação da instituição que éminha alma mater, a Escola Paulista de Medicina, em 1933. Tem uma sanãrie de desdobramentos em maior ou menor grau associados com aquele momento e a própria criação da Fapesp possivelmente também éfruto. Se por um lado o Estado de Sa£o Paulo se integrou de uma maneira a poder funcionar quase  autonomamente, de outro lado os investimentos federais feitos aqui acabaram ficando em um segundo plano. A Universidade Federal de Sa£o Carlos [UFSCar], o ITA [Instituto Tecnola³gico de Aerona¡utica], a Escola Paulista de Medicina, transformada em Universidade Federal de Sa£o Paulo, e depois mais tarde a Federal do ABC são todas contribuições relevantes querendo olhar para o mesmo objetivo maior. Temos outras instituições, saindo desse lado são paºblico, como Mackenzie, PUC, Fundação Getulio Vargas. O potencial de integração entre esses diferentes atores émaior do que éhoje explorado. A Fapesp tem uma posição privilegiada para catalisar a integração entre as instituições baseadas no Estado de Sa£o Paulo. Por mais eficientes e competentes que sejam as universidades estaduais paulistas, a agregação mais ativa dessas outras instituições tem um grande potencial.

Uma das preocupações que manifestou em entrevista a  Folha de S. Paulo foi tornar a Fapesp mais conhecida. Como isso pode ser feito?

Eu optei por me tornar cientista porque tive uma ma£e que me deu livros específicos e de alguma forma orientou a minha visão de mundo. Esses livros me habilitaram ou me deram um conjunto de opções. Mas quantas pessoas podem ou poderiam optar por uma carreira em ciaªncia? A carreira em ciência éalgo que devera­amos tornar aspiracional, as pessoas deveriam olhar e falar: “Quero ser um cientista”. Quando eu era adolescente, as pessoas falavam: “Quero ser publicita¡rio”. Na prática éuma atividade como outra qualquer, mas o que ela gerava era a possibilidade de fortuna financeira. As pessoas tem que querer olhar para a ciaªncia, olhar como uma carreira possí­vel. Entender o que éa ciência e o que éa evidência cienta­fica écada vez mais relevante em um mundo em que fake news se tornaram tão perturbadoras. Quanto mais pessoas forem educadas no sentido de terem acesso ao pensamento cienta­fico e a  capacidade de olhar para o mundo e entendaª-lo mais pra³ximo da sua realidade, melhor vai ser. Para mim, isso éum pilar da Fapesp. Os alunos que entram na melhor universidade saem melhores alunos porque já o eram quando entraram ou eles saem melhores porque a universidade contribuiu para torna¡-los melhores? Isso édifa­cil de responder. O ponto éque a ciência do Estado de Sa£o Paulo vai ser tanto melhor quanto melhor for o conjunto de cientistas executando essa ciência Esse conjunto de cientistas tera¡ antecedentes diversos, tanto de origem social quanto da perspectiva cultural. Quanto mais diversa for a nossa ciaªncia, melhor ela sera¡, quase por definição.

Como vaª o lugar das ciências sociais e das humanidades no sistema de pesquisa?

A contribuição dessas áreas écentral em qualquer sociedade e um pilar indissocia¡vel e indispensa¡vel de uma agaªncia como a Fapesp. O que nos torna humanos passa pelas artes e por como interagimos em sociedade. Entender como isso se da¡, as questões anãticas, morais, filosãoficas do que representa sermos o que somos, écrucial. A arte étranscendental, assim como vários dos campos associados classicamente a s humanidades. Evidentemente, a pesquisa nesse campo bem mais difa­cil de ser qualificada. Mas ha¡, certamente, modelos e padraµes que possivelmente já balizam a ação da Fapesp nessa área. Por mais que os dias de hoje estabelea§am uma agenda cada vez mais utilitarista, a pesquisa no campo das humanidades e das ciências sociais étalvez o melhor exemplo de algo que éimportante osem contraposição a s urgências do dia a dia.

Vocaª manteve um ritmo regular de publicação de artigos mesmo como executivo da Vale. Como conseguiu conciliar essas atividades de pesquisador e gestor? E como pretende fazer ao assumir como diretor cienta­fico?

No sentido estrito do conceito do tempo, ele éfinito, mas, no sentido de otimizar, épossí­vel multiplicar o tempo. Depende de trabalhar em equipe, de descentralizar. Sou um cientista e morrerei um cientista, gosto disso. Nãoescolhi esse trabalho por falta de opção e tenho interesses cienta­ficos que pretendo de alguma forma manter pra³ximos. No período em que estive na Vale, fazia isso nos finais de semana e no ini­cio dos dias osacordo muito cedo. Hoje moro perto da Fapesp. Com minha equipe já conseguimos fazer de forma remota um monte de coisas e estamos prevendo fazer ainda mais. Otimizar o uso do tempo éum item importante, ter a capacidade de focar. Na hora que nos envolvemos com alguma tarefa, o melhor énão se distrair em maºltiplas outras funções. Evidentemente, um trabalho como o da Fapesp demanda uma atenção plena e certamente a minha atividade de pesquisa vai sofrer, assim como sofreu no período que estive na Vale. O sofrimento não foi tão evidente, sobretudo nos primeiros anos, porque ainda tinha um estoque de atividades que continuavam a fluir, porque a caixa-d’ águaestava bastante cheia. Em minha banca de livre-docaªncia um dos arguidores falou que era difa­cil ser um homem da Renascena§a, no sentido de que, quanto mais vocêse concentrasse e tivesse um foco em uma coisa são, mais efetivo seria. O professor Ivan Izquierdo, um cientista brilhante e que fez a colocação acima, de fato tem muitos artigos, muito relevantes e todos em uma área bem especa­fica. Ele me perguntou se eu ia continuar trabalhando com células-tronco, com estudos sobre o sono, epilepsia e atividades muito diversas. Dei uma resposta pola­tica ali na hora do concurso, mas eu me vejo como um ser humano da Renascena§a nesse sentido de maºltiplos envolvimentos e maºltiplas atitudes. Ao invanãs de achar que eles roubam meu tempo, acho que  acrescentam. Nesse momento da covid-19, estou aprendendo baixo acaºstico. Sei tocar flauta, saxofone, um pouco de piano e estou aprendendo para me ilustrar em algo diferente do que eu jamais fiz. a‰ um instrumento atrapalhado, grande. Na prática , quando faa§o qualquer outra dessas coisas, esvazio minha cabea§a. a‰ quase como se eu estivesse meditando, estou em outro modelo mental. Ao invanãs de roubar tempo, me da¡ tempo, me da¡ paz de espa­rito, outrasDimensões de ação e de alguma forma permite que minhas energias psa­quicas fluam de uma outra maneira. Tenho um gosto especial por fazer maºltiplas coisas e busco que umas não atrapalhem as outras. Eu lembro de colegas de faculdade que pegavam aqueles compaªndios de medicina interna. Eles já tinham lido uns dois ou três dos principais autores, mas se recusavam a ler um romance, um conto. A lógica deles era: “a‰ que isso vai roubar espaço na minha cabea§a”. Por tudo o que eu sei, isso abre espaço na cabea§a, não rouba Espaço.

 

.
.

Leia mais a seguir