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Povos inda­genas e COVID-19
Naºcleo de Estudos de Populaa§a£o da Unicamp salienta a necessidade da criação de polos especializados para atender a  demanda
Por Bianca Bosso - 13/06/2020

Beatriz Oretti

A pandemia do ‘novo coronava­rus’, nome popular dado a  Sa­ndrome Respirata³ria Aguda Grave causada pelo va­rus SARS-COV-2, tem sido marcada pela sua rápida disseminação relacionada ao seu modo de transmissão, que se da¡ atravanãs das vias respirata³rias. O número de contagiados, que no mundo já chega a quase sete milhões e no Brasil alcana§ou a marca de setecentos mil, tem causado uma grande pressão sobre o sistema de saúde mundial. No estado de Sa£o Paulo, por exemplo, mais de 60% dos leitos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) se encontram ocupados e em cinco estados (Amapa¡, Pernambuco, Acre, Rio Grande do Norte e Maranha£o) a ocupação atinge mais de 90%, revelando que o sistema de saúde beira o colapso. Se o acesso a  saúde torna-se um desafio para os residentes das áreas urbanas, este mesmo problema ganhaDimensões ainda maiores quando se trata de populações isoladas, como povos inda­genas que vivem distantes dos grandes centros urbanos. Nãobastasse a superlotação, esses povos tem de enfrentar ainda a questãodo deslocamento e acessibilidade aos centros de saúde.

Buscando alternativas para essa questão, o Naºcleo de Estudos de População (NEPO), que integra o sistema de Centros e Naºcleos Interdisciplinares de Pesquisa geridos pela COCEN UNICAMP, lançou uma proposta que visa identificar munica­pios estratanãgicos para instalação de estruturas de atendimento emergencial aos povos inda­genas no enfrentamento a  COVID-19. A pesquisa, que utilizou dados do último censo do IBGE (2010) para estimar a distribuição de povos inda­genas, levou em conta a dina¢mica de a³bitos por Unidades da Federação, considerando que os mesmos apontam para um total de casos de contaminação e então, para a potencial saturação da rede de atendimento de saúde local. Além disso, investigou configurações territoriais dos munica­pios analisados, como as redes de transporte e loga­stica e a disponibilidade de receber grandes infraestruturas de saúde. Dessa forma, o relatório aponta para a necessidade de criação ou reforço de, ao menos, 17 polos de atendimento emergencial e preventivo.


Imagem elaborada pelos autores do estudo - Marta Maria Azevedo, Fernando
Damasco e Marta Antunes - ilustrando os munica­pios estratanãgicos para
a instalação de estruturas emergenciais de atendimento a  população inda­gena.

Um dos munica­pios que foi listado como candidato a  recepção de um novo polo de atendimento éo de Oiapoque, no Amapa¡ (AP), estado que enfrenta dificuldades em relação a  ocupação de leitos destinados a  COVID-19. O munica­pio, localizado no extremo norte do estado, abriga uma população de 5.690 inda­genas, o que representa 78,3% do total do estado. A cidade estãolocalizada a cerca de 580 quila´metros da capital, distância que, em trajeto realizado por estrada não pavimentada, acarreta em uma viagem que pode durar entre 10 e 12 horas. O Amapa¡ tem hoje a maior taxa de infectados dopaís por percentual de população, com mais de 1135 positivos a cada 100 mil habitantes. Desta forma, a criação de um polo especializado para atender a  demanda inda­gena desafogaria o sistema de saúde no estado e aceleraria o suporte a  saúde dessa população.


Casos confirmados de COVID-19 por notificação em cada Unidade Federativa (UF)
no Brasil em comparação com o número de mortes registradas.
Elaborado por Bianca Bosso. Atualizado em 08/06/2020, 17:09.

A pesquisa também indica a necessidade de novos polos de atendimento em Manaus, no estado do Amazonas (AM), que éo aºnico destino de acesso a servia§os de saúde para 64.348 inda­genas residentes nos munica­pios de Sa£o Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro. Esses dois munica­pios são responsa¡veis por 33% de toda a população inda­gena que tem Manaus como destino e não possuem nenhum leito de UTI dispona­vel. Neste cena¡rio, o Amazonas já registra 89 mortes de integrantes de tribos inda­genas causadas pela infecção por SARs-CoV. Os números mostram que a instalação de polos de atendimento nesses munica­pios é prioritaria e emergencial, e garantiria o atendimento efetivo de possa­veis contagiados nessa regia£o sem sobrecarregar o sistema de saúde da capital.

Marta Maria do Amaral Azevedo, pesquisadora do NEPO e primeira autora do estudo em questão, destaca que a burocratização dos servia§os de saúde neste momento pode ser um agravante para a situação da Covid-19 entre os povos inda­genas: "O que vemos nas áreas inda­genas atéagora éuma enorme burocratização dos sistemas de atendimento a  saúde. Essa burocratização causa muitas mortes entre os inda­genas nesse momento". A pesquisa estãodispona­vel para consulta e foi encaminhada para os órgãos competentes: "O estudo estãocom livre acesso e foi divulgado para todos os órgãos afins. Tomara que seja levado em conta" - acrescenta Azevedo.

Medidas

Marta Maria do Amaral Azevedo, que trabalha há40 anos com questões relacionadas aos povos inda­genas, esclarece como identificou a necessidade de realizar esta pesquisa "A iniciativa para fazer essa pesquisa surgiu de um interesse meu pelos povos inda­genas. Eu me preocupei com a alta vulnerabilidade desses povos a s doenças trazidas ou levadas pelos brancos e pensei que a Covid-19 seria mais uma dessas a exterminar os povos inda­genas". De fato, historicamente, observou-se maior vulnerabilidade biológica dos povos inda­genas a viroses, em especial a s infecções respirata³rias, de forma que estas são a principal causa de morte entre as populações nativas brasileiras, demonstrando que a pandemia atual éespecialmente perigosa para esses grupos - segundo dados do Ministanãrio da Saúde, a taxa de letalidade da COVID entre povos inda­genas émaior do que o dobro do que no restante da população (14,3% contra 6,5%).

a‰ importante salientar ainda que para diversas tribos inda­genas, medidas de proteção difundidas nos centros urbanos, como o uso de a¡lcool-em-gel para a higienização das ma£os e produtos pode ser impratica¡vel. Somados, esses problemas são parte do cena¡rio que registra 540 inda­genas contaminados no Brasil, em 9 estados diferentes e resultando em 103 mortes. a‰ evidente o quanto essencial éa necessidade de se tomar medidas para evitar que a pandemia atinja o maior número de tribos possí­vel. Nesse sentido, organizações que tratam da saúde de povos inda­genas e o Ministanãrio da Saúde tem lana§ado orientações especa­ficas para evitar a disseminação da COVID-19 em aldeias inda­genas. Tenha acesso ao Plano de Contingaªncia Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronava­rus (COVID-19) em Povos Inda­genas.

Azevedo destaca ainda que as comunidades e povos inda­genas estãomobilizadas e lançaram um plano emergencial de contingaªncia da Covid-19. "A Articulação dos Povos Inda­genas no Brasil (APIB) tem um site muito bom que pode ser consultado com um painel paºblico de acompanhamento dos casos de COVID-19", acrescenta.

 

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