Naºcleo de Estudos de Populaa§a£o da Unicamp salienta a necessidade da criação de polos especializados para atender a demanda
Beatriz Oretti

A pandemia do ‘novo coronavarus’, nome popular dado a Sandrome Respirata³ria Aguda Grave causada pelo varus SARS-COV-2, tem sido marcada pela sua rápida disseminação relacionada ao seu modo de transmissão, que se da¡ atravanãs das vias respirata³rias. O número de contagiados, que no mundo já chega a quase sete milhões e no Brasil alcana§ou a marca de setecentos mil, tem causado uma grande pressão sobre o sistema de saúde mundial. No estado de Sa£o Paulo, por exemplo, mais de 60% dos leitos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) se encontram ocupados e em cinco estados (Amapa¡, Pernambuco, Acre, Rio Grande do Norte e Maranha£o) a ocupação atinge mais de 90%, revelando que o sistema de saúde beira o colapso. Se o acesso a saúde torna-se um desafio para os residentes das áreas urbanas, este mesmo problema ganhaDimensões ainda maiores quando se trata de populações isoladas, como povos indagenas que vivem distantes dos grandes centros urbanos. Nãobastasse a superlotação, esses povos tem de enfrentar ainda a questãodo deslocamento e acessibilidade aos centros de saúde.
Buscando alternativas para essa questão, o Naºcleo de Estudos de População (NEPO), que integra o sistema de Centros e Naºcleos Interdisciplinares de Pesquisa geridos pela COCEN UNICAMP, lançou uma proposta que visa identificar municapios estratanãgicos para instalação de estruturas de atendimento emergencial aos povos indagenas no enfrentamento a COVID-19. A pesquisa, que utilizou dados do último censo do IBGE (2010) para estimar a distribuição de povos indagenas, levou em conta a dina¢mica de a³bitos por Unidades da Federação, considerando que os mesmos apontam para um total de casos de contaminação e então, para a potencial saturação da rede de atendimento de saúde local. Além disso, investigou configurações territoriais dos municapios analisados, como as redes de transporte e logastica e a disponibilidade de receber grandes infraestruturas de saúde. Dessa forma, o relatório aponta para a necessidade de criação ou reforço de, ao menos, 17 polos de atendimento emergencial e preventivo.

Imagem elaborada pelos autores do estudo - Marta Maria Azevedo, Fernando
Damasco e Marta Antunes - ilustrando os municapios estratanãgicos para
a instalação de estruturas emergenciais de atendimento a população indagena.
Um dos municapios que foi listado como candidato a recepção de um novo polo de atendimento éo de Oiapoque, no Amapa¡ (AP), estado que enfrenta dificuldades em relação a ocupação de leitos destinados a COVID-19. O municapio, localizado no extremo norte do estado, abriga uma população de 5.690 indagenas, o que representa 78,3% do total do estado. A cidade estãolocalizada a cerca de 580 quila´metros da capital, distância que, em trajeto realizado por estrada não pavimentada, acarreta em uma viagem que pode durar entre 10 e 12 horas. O Amapa¡ tem hoje a maior taxa de infectados dopaís por percentual de população, com mais de 1135 positivos a cada 100 mil habitantes. Desta forma, a criação de um polo especializado para atender a demanda indagena desafogaria o sistema de saúde no estado e aceleraria o suporte a saúde dessa população.
Casos confirmados de COVID-19 por notificação em cada Unidade Federativa (UF)
no Brasil em comparação com o número de mortes registradas.
Elaborado por Bianca Bosso. Atualizado em 08/06/2020, 17:09.
A pesquisa também indica a necessidade de novos polos de atendimento em Manaus, no estado do Amazonas (AM), que éo aºnico destino de acesso a servia§os de saúde para 64.348 indagenas residentes nos municapios de Sa£o Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro. Esses dois municapios são responsa¡veis por 33% de toda a população indagena que tem Manaus como destino e não possuem nenhum leito de UTI disponavel. Neste cena¡rio, o Amazonas já registra 89 mortes de integrantes de tribos indagenas causadas pela infecção por SARs-CoV. Os números mostram que a instalação de polos de atendimento nesses municapios é prioritaria e emergencial, e garantiria o atendimento efetivo de possaveis contagiados nessa regia£o sem sobrecarregar o sistema de saúde da capital.
Marta Maria do Amaral Azevedo, pesquisadora do NEPO e primeira autora do estudo em questão, destaca que a burocratização dos servia§os de saúde neste momento pode ser um agravante para a situação da Covid-19 entre os povos indagenas: "O que vemos nas áreas indagenas atéagora éuma enorme burocratização dos sistemas de atendimento a saúde. Essa burocratização causa muitas mortes entre os indagenas nesse momento". A pesquisa estãodisponavel para consulta e foi encaminhada para os órgãos competentes: "O estudo estãocom livre acesso e foi divulgado para todos os órgãos afins. Tomara que seja levado em conta" - acrescenta Azevedo.
Medidas
Marta Maria do Amaral Azevedo, que trabalha há40 anos com questões relacionadas aos povos indagenas, esclarece como identificou a necessidade de realizar esta pesquisa "A iniciativa para fazer essa pesquisa surgiu de um interesse meu pelos povos indagenas. Eu me preocupei com a alta vulnerabilidade desses povos a s doenças trazidas ou levadas pelos brancos e pensei que a Covid-19 seria mais uma dessas a exterminar os povos indagenas". De fato, historicamente, observou-se maior vulnerabilidade biológica dos povos indagenas a viroses, em especial a s infecções respirata³rias, de forma que estas são a principal causa de morte entre as populações nativas brasileiras, demonstrando que a pandemia atual éespecialmente perigosa para esses grupos - segundo dados do Ministanãrio da Saúde, a taxa de letalidade da COVID entre povos indagenas émaior do que o dobro do que no restante da população (14,3% contra 6,5%).
a‰ importante salientar ainda que para diversas tribos indagenas, medidas de proteção difundidas nos centros urbanos, como o uso de a¡lcool-em-gel para a higienização das ma£os e produtos pode ser impratica¡vel. Somados, esses problemas são parte do cena¡rio que registra 540 indagenas contaminados no Brasil, em 9 estados diferentes e resultando em 103 mortes. a‰ evidente o quanto essencial éa necessidade de se tomar medidas para evitar que a pandemia atinja o maior número de tribos possível. Nesse sentido, organizações que tratam da saúde de povos indagenas e o Ministanãrio da Saúde tem lana§ado orientações especaficas para evitar a disseminação da COVID-19 em aldeias indagenas. Tenha acesso ao Plano de Contingaªncia Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavarus (COVID-19) em Povos Indagenas.
Azevedo destaca ainda que as comunidades e povos indagenas estãomobilizadas e lançaram um plano emergencial de contingaªncia da Covid-19. "A Articulação dos Povos Indagenas no Brasil (APIB) tem um site muito bom que pode ser consultado com um painel paºblico de acompanhamento dos casos de COVID-19", acrescenta.