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Os 70 anos do Grupo Teatral Politanãcnico: uma história de resistência arta­stica e pola­tica
O GTP, como éconhecido, foi homenageado em reportagem publicada pelos alunos de Jornalismo da ECA-USP na revista eletra´nica “Babel”
Por Maria Laura López - 18/07/2020


Espeta¡culo Sonho de uma noite de vera£o, de William Shakespeare, que lotou a sala do GTP osFoto: Acervo Allan Almeida

Por surpreendente que possa parecer, o Grupo Teatral Politanãcnico oso GTP osformado por alunos da Escola Politécnica da USP completa 70 anos neste 2020. Aprimeira vista, em um ambiente acadêmico onde predominam disciplinas e pesquisas de base matemática, técnica e cienta­fica não haveria espaço para o culto de uma arte milenar de natureza arta­stica. Ledo engano. Ao longo de suas sete décadas de existaªncia, o GTP sempre foi e éum espaço de formação cultural, arta­stica e, atémesmo, pola­tica para alunos da escola. Para uns, tem sido fonte de aprimoramento intelectual; para outros, atéde redefinição profissional.

Tudo começou por volta de 1950, como relata artigo publicado na revista Babel, editada por alunos do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA). A criação do teatro foi uma ação para angariar fundos para a “Cadopa´â€, Casa do Politanãcnico, residaªncia estudantil que o Graªmio Politanãcnico planejava construir, e construiu, ao lado da antiga sede da escola na Praça Coronel Fernando Prestes, no velho centro de Sa£o Paulo. “Quem teve a ideia foi Coelho Neto, engenheiro que tinha acabado de se formar e era apaixonado por teatro”, relata Pedro Vittorio, estudante de Jornalismo na ECA, integrante do GTP.

Coelho Neto liderou o grupo nos primeiros anos, até1954. Ele dirigia pea§as, atuava e ajudava na organização de basicamente tudo. Nessa fase, o GTP ganhou prêmios em alguns festivais. Ao sair, Coelho Neto tentou criar outro grupo de teatro, mas não teve aªxito. Por uma dessas ironias da história, ele acabou se tornando censor durante a ditadura militar. “Dizem que nunca censurou nada. As pessoas do meio artistico o procuravam para ter certeza de que suas obras seriam aprovadas tranquilamente”, conta Vittorio.

Apa³s a saa­da de seu fundador, a atuação do grupo teve a primeira descontinuidade na sanãrie de idas e vindas que marcam sua trajeta³ria. “O grupo reaparece no 2º Festival Nacional de Teatro de Estudantes, de 1959”, conta Vittorio. No ini­cio dos anos 1960, o GTP conta com a presença do atual senador JoséSerra, que também viria a ser presidente da Unia£o Nacional dos Estudantes e se exilaria depois do golpe militar. “Em 1962 ele não são foi diretor do grupo como também fez o papel principal na pea§a Vento forte para um papagaio subir, que eles apresentaram na quarta edição daquele mesmo festival.” O conhecido ator Carlos Zara também foi do GTP, tendo se formado em Engenharia Civil.

Nessa anãpoca o GTP era bastante ativo e reconhecido no meio universita¡rio, mas com o golpe civil-militar de 1964 os horizontes se estreitaram. O Graªmio Politanãcnico oscilava entre gestaµes mais conservadoras e gestaµes que apoiavam o teatro e outras atividades dos alunos. “Em 1967, pela primeira vez o grupo recebe ajuda financeira do graªmio, o que renova o fa´lego que perderam depois do golpe”, diz Vittorio. O grupo volta aos palcos com a pea§a autoral Joa£o a três por quatro.

Luiz Roberto Serrano, atual superintendente de Comunicação Social da USP, participou do GTP entre 1968 e 1970, chegando a diretor do grupo em 1969. Uma atividade costumeira era o bishow, parte da recepção aos calouros todos os anos. Em 1968, depois da invasão e quebra-quebra da pea§a Roda viva pelo Comando de Caa§a aos Comunistas, no Teatro Ruth Escobar, os integrantes do GTP foram ajudar na segurança do espeta¡culo. Ainda em 1968, foi escrita coletivamente a pea§a A caça, apresentada uma única vez no teatro Joa£o Caetano e censurada em seguida.

Os membros do grupo nessa anãpoca participaram ativamente da chapa GAL 70 que ganhou a eleição do Graªmio Politanãcnico em 1969. “Era uma chapa de renovação, de esquerda, com discurso de dinamização das atividades do graªmio”, lembra Serrano, que trocou a Poli pela ECA, onde se formou em Jornalismo. O grupo ganhou as sete eleições seguintes no graªmio.

Em 1974, na encenação de Galileu Galilei, a criatividade do GTP foi bastante aplaudida no meio do teatro universita¡rio. Assim o grupo seguiu até1975, anãpoca de muita tensão pola­tica no Paa­s, e houve divergaªncias internas. “Tinha uma galera que queria fazer teatro do absurdo, que não étão politizado, e outro grupo que queria fazer um teatro mais engajado mesmo”, conta Caio Mattos, outro autor do artigo.

De acordo com ele, depois dessa cisão, e em um período confuso, um momento importante foi a chegada do dramaturgo peruano Lino Rojas. “Ele se torna diretor remunerado do GTP. A remuneração ajuda a entender as fases do grupo, pois quando háum diretor pago eles acabam sendo mais ativos”, diz Mattos. O GTP volta a se apresentar em 1977, com O rei da vela, numa temporada que durou até1978. “Depois disso, muitos integrantes se formaram e o grupo deu uma sumida de novo.”

Os anos 1980 foram de pausa no GTP osmas isso muda em 1989 com a primeira Semana de Arte da Poli, criada por JoséAlberto Orsi. Nesse evento o grupo encena a pea§a Eclipse, mas o retorno também émuito breve. Outras tentativas de reavivar o teatro acontecem em 1993, 1996 e 1997, mas não da£o certo. A primeira pea§a a ser apresentada com um GTP já mais consolidado éO fiscal, em 1999. “E o grupo entra nos anos 2000 sendo bem produtivo, mas cai de novo em 2002”, conta Mattos.

Bia Szvat pintando a sala do GTP em 2005 osFoto: Acervo Rodrigo Braga

“Depois de outro recesso, há volta em 2003, tendo como diretora Bia Szvat, que exerce a função nos oito anos seguintes”, relata Vittorio. Foi um longo período em que o GTP se manteve esta¡vel, produzindo bastante. “A Bia criou diferentes núcleos no teatro, que organizavam os atores mais novos e os mais antigos. a‰ também nessa anãpoca que o grupo ganha sua própria sala no prédio do Biaªnio da Poli, onde ensaiam e se apresentam.

Um dos marcos da passagem de Bia foi a viagem de alguns integrantes para a República Tcheca. Foram selecionados para o Festival Apostrof de 2009, realizado em Praga, que reuniu grupos de teatro do mundo inteiro. “Foi algo que marcou muito o pessoal que fez essa viagem. Sa³ que la¡ eles brigaram feio com a diretora e isso desestruturou todo o grupo”, conta Vittorio. A relação de Bia com os integrantes do GTP foi ficando cada vez mais tensa atéque ela saiu no ini­cio de 2011.

“Em seguida vem a fase da Neia, que comanda o GTP atéhoje”, diz o estudante. Neia Barbosa já havia sido convidada a ajudar em algumas pea§as, e como diretora oficial levou o teatro para um de seus melhores momentos nesses 70 anos. Alguns espeta¡culos importantes feitos sob sua direção foram Pode ser que seja são o leiteiro la¡ fora, em que os estudantes viajaram para se apresentar na Paraa­ba, e Sonho de uma noite de vera£o, em que a sala de apresentações ficou tão cheia que o espaço do palco também diminuiu. “Eles tiveram que adaptar a pea§a para se apresentar no pequeno quadrado que sobrou.”

O relato completo de Pedro Vittorio, Caio Mattos e Bruno Menezes pode ser acessado aqui. Os três autores já prometem uma segunda edição do texto, com novas entrevistas e informações osfato que alegra quem participou de parte dessa história. “Afinal, um grupo de teatro atuar por 70 anos, com uma interrupção ou outra, dentro de uma escola rigorosa e exigente como a Politécnica da USP éum feito e tanto, que merece ser muito bem contado”, celebra Luiz Roberto Serrano.

 

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