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Projeto de lei prevaª recolhimento das reservas financeiras das universidades; Cruesp analisa impactos
a‰ a primeira vez que o Estado propaµe algo dessa natureza desde a promulgaa§a£o da autonomia universita¡ria, e medida pode comprometer pesquisas e projetos de longo prazo
Por Herton Escobar - 18/08/2020


Arte: Jornal da USP

O governo do Estado de Sa£o Paulo enviou a  Assembleia Legislativa do Estado (Alesp) na última quinta-feira, 13 de agosto, um projeto de lei (PL 529/2020) para lidar com o danãficit ora§amenta¡rio gerado pela pandemia do novo coronava­rus. O texto prevaª uma sanãrie de “medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equila­brio das contas públicas”; entre elas, algumas que afetam diretamente as universidades públicas paulistas (USP, Unicamp e Unesp) e a Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp).

O Artigo 14 do PL diz que “o supera¡vit financeiro apurado, em balana§o patrimonial das autarquias, inclusive as de regime especial, e das fundações, serátransferido ao final de cada exerca­cio a  Conta ašnica do Tesouro Estadual (…), para o pagamento de aposentadoria e pensaµes”. A determinação, se aprovada dessa forma, implicara¡ no recolhimento de todas as reservas financeiras das três universidades e da Fapesp, já a partir deste ano.

a‰ a primeira vez que o Estado propaµe algo dessa natureza desde a promulgação da autonomia universita¡ria, em fevereiro de 1989. O projeto de lei tramita em regime de urgência na Alesp, o que significa que podera¡ ser levado a  votação já nas próximas sessaµes. Parlamentares ainda podem apresentar emendas para alterar o texto.

O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) divulgou um comunicado no domingo, 16 de agosto, informando que “iniciou discussaµes e ações junto aos poderes Executivo e Legislativo no sentido de avaliar as suas implicações e os seus impactos na autonomia universita¡ria”.

O termo “supera¡vit financeiro”, mencionado no Artigo 14, refere-se a recursos repassados pelo Estado, mas não gastos pelas instituições. As universidades recebem uma parcela fixa mensal da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Servia§os (ICMS) — 5,0295% para a USP, 2,1958% para Unicamp e 2,3447% para a Unesp — para custear suas atividades, e tem autonomia legal (estabelecida pelo Decreto 29.598, de 1989) para administrar esse dinheiro. Além disso, possuem algumas receitas próprias, geradas por investimentos e prestação de servia§os.

A maior parte desses recursos éusada para o pagamento de funciona¡rios e outras despesas correntes obrigata³rias; o restante éreservado para investimentos em infraestrutura, projetos de pesquisa, bolsas e outras atividades essenciais a  missão das universidades, que exigem planejamento financeiro de manãdio e longo prazo.

Pelo projeto de lei, todos os recursos não gastos pelas universidades devera£o ser transferidos para o Estado ao final de cada ano, num prazo de “até10 dias após a publicação do Balana§o Geral do Estado”, sem a necessidade de aprovação pelos órgãos colegiados dessas instituições. Uma cla¡usula diz que os recursos remanescentes do exerca­cio financeiro de 2019 também devera£o ser repassados ao Tesouro num prazo de dez dias após a publicação da lei.

O mesmo se aplica a  Fapesp, que recebe 1% da receita tributa¡ria do Estado e fechou 2019 com um supera¡vit de R$ 570 milhões. O Conselho Superior da fundação deve discutir o projeto de lei na sua próxima reunia£o, marcada para quarta-feira, 19 de agosto.

A Academia de Ciências do Estado de Sa£o Paulo (Aciesp) afirmou em nota que a aprovação do PL “ira¡ causar prejua­zos irrepara¡veis a todas as atividades cienta­ficas do Estado de Sa£o Paulo”.

“Os fundos da Fapesp não constituem supera¡vit, mas sim reservas financeiras para projetos de pesquisa cienta­fica em andamento que, pela sua natureza, são de longa duração, ultrapassando o ano de exerca­cio”, diz o texto da Aciesp, que ressalta, ainda, as importantes contribuições que a ciência paulista tem dado para o enfrentamento da pandemia do novo coronava­rus. “Cientistas das universidades públicas e com apoio da Fapesp tem atuado de maneira permanente e contundente para lidar com os desafios dos tempos atuais, incluindo a primeira identificação e sequenciamento do novo coronava­rus no Paa­s, desenvolvimento e produção de respiradores de baixo custo, pesquisas de testes de diagnósticos e de novas alternativas terapaªuticas, entre muitos outros progressos significativos.”

Outras entidades acadaªmicas e cienta­ficas também se manifestaram de forma cra­tica ao projeto.

“A aprovação do PL 529 em seu formato atual ira¡ paralisar todas as atividades cienta­ficas do Estado de Sa£o Paulo e promover um retardo inanãdito nas atividades educacionais das universidades paulistas”, afirma a Academia Brasileira de Ciências (ABC). “Além disso, fere diretamente a autonomia da Fapesp e das universidades na gestãode seus recursos.”

Na avaliação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a aprovação do PL, da forma como estãoproposto, tera¡ “consequaªncias catastra³ficas” não são para o Estado de Sa£o Paulo, mas para todo o Paa­s — já que o Estado éresponsável por cerca de um tera§o de toda a ciência produzida no Brasil. “Os fundos das universidades, de seus institutos de pesquisa e da Fapesp não constituem supera¡vit, mas sim reservas financeiras para manutenção e para financiamento de projetos”, diz a nota da entidade. “Entende-se a necessidade de austeridade fiscal no momento, mas a ciência éatividade absolutamente essencial, tanto para enfrentamento de desafios atuais como para futuro desenvolvimento econa´mico e social. De fato, Sa£o Paulo deve seu destaque econa´mico atual no Paa­s ao seu sistema de universidades públicas em conjunto com a Fapesp.”

O governo do Estado diz que o projeto énecessa¡rio para o “enfrentamento da grave situação fiscal que ora vivenciamos devido aos efeitos negativos da pandemia da covid-19 sobre as receitas públicas”. O danãficit ora§amenta¡rio previsto para o pra³ximo ano éda ordem de R$ 10,4 bilhaµes, segundo a equipe econa´mica do governo.

O projeto também prevaª a extinção ou fusão de diversas autarquias, fundações e institutos, como a Fundação Remanãdio Popular, a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de Sa£o Paulo S.A. (EMTU), a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de Sa£o Paulo (CDHU), a Superintendaªncia de Controle de Endemias (Sucen), o Instituto Florestal e a Fundação Parque Zoola³gico, entre outras, além das concessaµes de parques, como o Villa Lobos, aumento de impostos e outras medidas.

 

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