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Liberdade de ca¡tedra em xeque
Docentes da UFPel são alvo de apuraça£o federal após cra­ticas ao Presidente da República
Por Fabio Mazzitelli - 04/03/2021


A abertura dessa apuração preliminar contra os docentes da UFPel pela Corregedoria-Geral da Unia£o éclassificada como um precedente “perigoso” - Imagem: iStock

Cra­ticas feitas no ambiente universita¡rio ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, durante uma solenidade realizada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em janeiro último, tornaram-se alvo de questionamentos da Corregedoria-Geral da Unia£o a dois professores da UFPel, com base em um dispositivo da lei que dispaµe sobre o regime jura­dico dos servidores paºblicos federais e proa­be manifestações de “aprea§o ou desaprea§o no recinto da repartição”.

A abertura dessa apuração preliminar, que resultou em dois Termos de Ajustamento de Conduta firmados pelos docentes Pedro Hallal, ex-reitor da UFPel, e Eraldo dos Santos Pinheiro, atual pra³-reitor de extensão e cultura da universidade, éclassificada como um precedente “perigoso” e “intimidata³rio” por especialistas ouvidos pelo Portal da Unesp, pois ocorre em meio a s reações cra­ticas ao governo federal decorrentes das freqa¼entes escolhas de reitores de universidades federais que não venceram as eleições em suas comunidades acadaªmicas. Essa prática de Bolsonaro, que tem a prerrogativa presidencial da nomeação, não possui paralelo na história recente do Brasil democra¡tico e guarda semelhanças com casos de interferaªncias externas que ameaa§am a autonomia universita¡ria.

“a‰ uma mostra do momento de exceção que estamos vivendo no Brasil. Em uma situação normal, o presidente e seus apoiadores deveriam entender que podem ser criticados enquanto figuras públicas”, afirmou o professor Pedro Hallal ao Portal da Unesp.

Na UFPel, Bolsonaro nomeou a professora Isabela Fernandes Andrade, segunda da lista tra­plice, e preteriu o docente Paulo Roberto Ferreira Jaºnior, eleito na consulta pública feita pela universidade. Isabela compa´s a chapa vencedora –nesse caso, a universidade optou por formar a lista tra­plice apenas com nomes da chapa vencedora para ter a garantia de nomeação de um representante do projeto escolhido pela comunidade acadaªmica.

Em 7 de janeiro, em razãoda tensão gerada pela escolha do presidente, Hallal, que éepidemiologista, criticou Bolsonaro, chamou-o em uma live de “defensor de torturador” (Bolsonaro já elogiou publicamente o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justia§a como torturador pelos atos praticados na ditadura) e lembrou que o presidente éo “aºnico chefe de Estado do mundo que defende a não vacinação da população”.

Segundo o portal G1, o relato dessas cra­ticas feitas no a¢mbito acadêmico da UFPel foi levado a  Corregedoria-Geral da Unia£o pelo deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), integrante do partido pelo qual Bolsonaro foi eleito.

“a‰ um precedente muito perigoso, que evidentemente fere a liberdade de expressão e afeta a liberdade de ca¡tedra. No ambiente universita¡rio, qualquer que seja o governo, como vocêvai lecionar sem uma visão cra­tica ou, por exemplo, sem discutir a pandemia? A universidade pública anã, por natureza, um espaço aberto para o debate. Esse dispositivo legal (artigo 117, V, da Lei nº 8.112/1990, utilizado para questionar os professores da UFPel) deve ser compreendido a  luz dos preceitos constitucionais, da liberdade de expressão e da liberdade de ca¡tedra, que devem prevalecer”, afirma o professor Daniel Dama¡sio, coordenador do curso de Direito da Unesp, no ca¢mpus de Franca. 

“O aspecto mais grave parece-me ser o uso dos órgãos do Estado para intimidar os cra­ticos do governo atual. Por certo, as opiniaµes dos professores podem ser contestadas, especialmente pelo Presidente ou por seus apoiadores mais fana¡ticos. Sucede, poranãm, que o Presidente e seus partida¡rios não aceitam as regras do debate democra¡tico. Em vez de se fazer o contraponto a essas opiniaµes dos professores por meio de mensagens e discursos, utilizou-se, de modo truculento, do poder do Estado para silenciar os cra­ticos, constrangendo-os com um processo absolutamente arbitra¡rio. a‰ preciso lembrar que, nos governos anteriores, sempre houve fortes cra­ticas ao Poder Paºblico no meio universita¡rio, sem que houvesse qualquer intimidação desse tipo”, complementa Daniel Dama¡sio.

Diretor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS), que abriga o curso de Direito do ca¢mpus de Franca, o professor Murilo Gaspardo enfatiza que o Inciso V do Artigo 117 da Lei nº 8.112/1990, usado nesse caso ocorrido na UFPel, não se aplica a s condutas dos referidos docentes. “Essa ação da Corregedoria-Geral da Unia£o viola os mais elementares princa­pios do Estado de Direito, notadamente a liberdade de expressão e, em se tratando de professores universita¡rios, a liberdade de ca¡tedra”, afirma Murilo Gaspardo. “A vedação de 'manifestação de aprea§o ou desaprea§o no recinto' (que consta no texto da lei) refere-se ao tratamento de colegas e cidada£os, não a opiniaµes políticas. Nãose pode interpretar dispositivo legal em sentido contra¡rio a direito fundamental constitucionalmente garantido”, diz o docente, que éprofessor do Departamento de Direito Paºblico da FCHS. 

Os extratos do Termo de Ajustamento de Conduta dos docentes da UFPel foram publicados na última tera§a-feira, dia 2, no Dia¡rio Oficial da Unia£o pela Diretoria de Responsabilização de Agentes Paºblicos da Corregedoria-Geral da Unia£o (professor Pedro e professor Eraldo). No texto publicado, o fato foi descrito como “proferir manifestação desrespeitosa e de desaprea§o direcionada ao Presidente da República, quando se pronunciava como professor da UFPel (...) nos canais oficiais (...) da instituição”. A Corregedoria-Geral da Unia£o (CRG) éuma unidade da Controladoria-Geral da Unia£o (CGU), que faz parte da estrutura administrativa da Presidaªncia da República.

“A Universidade Estadual Paulista (Unesp) repudia atitudes como essa que tentam cercear o direito a  liberdade de expressão e a  livre manifestação no ambiente universita¡rio”, afirma o professor Pasqual Barretti, reitor da Unesp.

 

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