Após pandemia, mulheres enfrentam ainda mais dificuldade para retornar ao mercado de trabalho
A responsabilidade da mulher pelo cuidado da casa e dos filhos e o impacto maior em setores que empregam majoritariamente mão de obra feminina podem explicar o maior número de mulheres desempregadas
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Milhares de pessoas sofrem para retornar ao mercado de trabalho, no entanto, essa dificuldade não é a mesma para homens e mulheres. Segundo dados do Estudo Econômico da América Latina e do Caribe 2022, publicado pela Comissão Econômica das Nações Unidas da região (Cepal), as mulheres sofrem um atraso maior na reincorporação no mercado de trabalho, quando comparadas aos homens, situação que se agravou com a pandemia da covid 19. Além disso, a taxa de desemprego é maior entre elas do que entre eles.
O resultado da pesquisa mostrou que enquanto a taxa de desemprego masculina caiu de 10,4% no final do segundo trimestre de 2020 para 6,9% no primeiro trimestre deste ano, uma variação de 3,5 pontos porcentuais, entre as mulheres essa queda foi menor, de apenas 2,1 pontos, passando de 12,1% para 10%. Ainda no primeiro trimestre deste ano, a taxa de participação feminina também se mostrou em desvantagem: 51,4% contra 74,2% de participação masculina no mercado de trabalho.
A especialista, pós-graduanda em Administração de Empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, Denise Bonifácio, comenta que, historicamente, as crises pelas quais os países passaram sempre afetaram mais as mulheres do que os homens, quando o tema é emprego. A responsabilidade da mulher pelo cuidado da casa e dos filhos e o impacto maior em setores que empregam majoritariamente mão de obra feminina podem explicar o maior número de mulheres desempregadas.
A economia do cuidado
Denise comenta que a mulher exerce, ainda, na sociedade, o papel de cuidar. “A famosa economia do cuidado, que é cuidar de crianças, adolescentes, idosos e ainda em segundo plano cuidar da casa e da alimentação”, esclarece a especialista. Com a pandemia, as creches e escolas foram as primeiras a fecharem e as mulheres foram acionadas a assumir, ainda mais, o papel de responsáveis em cuidar dessas crianças e adolescentes.
Assim, a jornada, que já era dupla para aquelas mulheres que trabalhavam fora de casa, ficou ainda mais pesada quando todos tiveram que permanecer dentro de suas residências, na tentativa de conter o avanço da covid-19. “Então, por opção ou falta de opção, as mulheres tiveram que sair dos seus empregos formais”, complementa Denise.
Setores que empregam mais mulheres
A maior taxa de desemprego entre mulheres também está fundada no fato de que a pandemia afetou, de forma mais grave, alguns setores da economia como lazer, turismo e educação, e que, segundo a especialista, são setores que empregam majoritariamente mulheres, seja em bares, hotéis, restaurantes e escolas.
Além disso, são setores que apresentam uma demora maior para se recuperar após uma crise. “São serviços, principalmente de lazer e turismo, que dependem diretamente da recuperação da economia para voltar a gerar emprego, impactando na criação de vagas para as mulheres.”
Menor participação feminina
A desvantagem das mulheres em relação aos homens, no mercado de trabalho, é histórica. “Se a gente pensar o trabalho, da maneira que ele está desenhado hoje, é um modelo que foi criado na época industrial para o homem”, comenta a especialista.
A figura masculina saía de casa para trabalhar logo pela manhã e voltava no final da tarde, enquanto a mulher ficava responsável por cuidar da casa e de todas as ocupações domésticas, além dos filhos e de tarefas ligadas à educação. Esse modelo, ainda que com avanços, se perpetua até os dias atuais.
“Dessa forma, esse não é um modelo neutro de trabalho, dando ao homem uma forma de trabalhar, enquanto a mulher fica na retaguarda, responsável por todas as demais tarefas do cotidiano. Isso impacta diretamente na hora de a mulher procurar por um emprego, já que precisa pensar com quem vai deixar os filhos, como ela vai buscá-los na escola, quem vai cuidar da alimentação, limpeza da casa, etc.”
Inclusão da participação feminina
A perpetuação desse modelo de trabalho, que privilegia os homens, impacta não só as mulheres, de maneira direta, dando a elas um menor poder econômico, mas também as empresas, que perdem em inovação, criatividade e competitividade quando não empregam mulheres ou empregam em proporção menor, comparadas àquelas que apresentam uma mão de obra mais diversa.
A especialista acredita que a palavra “inclusão” é chave para que essa defasagem entre homens e mulheres se torne menor. “Se a gente quer que as mulheres voltem a tomar seus lugares no mercado de trabalho, a gente tem que pensar sobre o que elas precisam para estar lá”, diz Denise.
Do setor público ao privado, medidas devem ser tomadas para dar à mulher condições de entrar e permanecer no mercado de trabalho, como a criação de mais creches e escolas públicas, jornadas flexíveis de trabalho, licença paternidade que realmente ajude a mulher, etc.
“Medidas podem ser tomadas para minimizar toda uma carga e estrutura que está única e exclusivamente nas costas da mulher e que hoje dificulta ainda mais a volta dela para o mercado de trabalho formal”, complementa Denise.