Humanidades

Beatles e feminismo
Os Beatles podem ser idiotas pessoalmente, mas um estudioso diz que a banda surpreendentemente explorou temas 'protofeministas' em algumas músicas
Por Christina Pazzanese - 12/12/2019

Foto de arquivo Dan Gross / AP
Os Beatles estavam a  frente de seu tempo, abraçando o feminismo já em 1965, afirma Kenneth Womack, estudioso dos Beatles.

Olhando para trás, para suas músicas de rock cla¡ssicas favoritas, atravanãs das lentes das atitudes de hoje sobre o empoderamento das mulheres, os privilanãgios masculinos e atéa violência sexual, pode ser digno de admiração. Mas, assim como eles foram pioneiros na música, no cinema, na moda e na cultura popular, os Beatles estavam a  frente de seu tempo em abraçar o feminismo, argumenta Kenneth Womack, uma autoridade bem conhecida da banda e reitora da Universidade de Monmouth, evoluindo desde cedo. “Ei, garota” pede músicas cheias de mulheres independentes que não precisam de um homem, nem mesmo de um Beatle. A Ideological Diversity, uma organização estudantil da Harvard Kennedy School, promove uma conversa gratuita com Womack na quinta-feira sobre como o grupo explorou questões de feminismo, gaªnero e inclusão de uma maneira que poucas bandas de rock ousaram nos anos 1960. O evento comea§a a s 19h no Starr Auditorium e éaberto ao paºblico.

Perguntas e Respostas
Kenneth Womack


GAZETTE: Os Beatles não são conhecidos por seus maus-tratos a mulheres e certamente não tem a reputação que os Rolling Stones tinham, que eram notoriamente sexistas mesmo pelos baixos padraµes da anãpoca. Mas não sei se as pessoas pensam nelas como “protofeministas”, como vocêse referiu a elas. O que vocêquer dizer com "protofeminista" e de que maneira?

WOMACK: O rock 'n' roll, ou mesmo a música popular, costumava ser altamente de gaªnero e sexista. Certamente era paternalista nos anos 60 e antes, em termos de canções dirigidas a mulheres como objetos, mulheres que precisavam ser "aconselhadas" sobre o amor, [ou] tratava-se de aborda¡-las, mesmo que fosse apenas algo inocente e roma¢ntico, "Quero segurar sua ma£o". E os Beatles, conscientemente, em 1965, começam a mudar de tom. Eles criaram um tipo muito especa­fico de personagem feminina que pensaria por si mesma e não precisava de um homem. E isso érevelador, realmente. Temos muitas músicas que comea§am a aparecer nesse ponto que são altamente progressivas sobre as mulheres que vivem seus pra³prios interesses, objetivos e prazer, em vez de servir a outras indefinidas. a‰ uma coisa muito emocionante.

GAZETTE: Mulheres retratadas como algo além de objetos de desejo ou figuras santas como "Lady Madonna" - em outras palavras, como atores independentes com agaªncia?

WOMACK: Claro. "Ticket to Ride", esse éum a³timo exemplo. Lady Madonna não éuma santa; Lady Madonna éprovavelmente uma prostituta. Ela tem filhos e eles estãoolhando para Lady Madonna porque a sociedade não da¡ a ma­nima para ela. A melhor coisa que ela tem é"ouvir a música tocando em sua cabea§a". O resto anã: ela tem esses filhos, o que a sociedade quer que ela faz, mas, por causa de quem ela ée qual seja sua posição, ela éuma não-pessoa, uma não-entidade. E a santidade, éum comenta¡rio ira´nico sobre sua posição na vida. Ela estãolonge disso. Quero dizer, se éque alguma coisa, sua prima mais próxima da história dos Beatles éEleanor Rigby, que éboa para pegar o arroz na igreja onde o casamento foi.

GAZETTE: Ela éum objeto de piedade.

WOMACK: Ah, sim. Se vocêpensa sobre ela, o que provavelmente não pensa.

GAZETTE: Em qual Álbum essa personagem feminina surge pela primeira vez? "Alma de borracha" de mil novecentos e sessenta e cinco?

WOMACK: Na³s realmente comea§amos a vaª-la aparecer em "Help!". Embora vocêpossa dizer que ela estãoaparecendo ainda mais cedo em "Beatles for Sale", onde háuma música chamada "No Reply", que éfascinante porque se trata de um perseguidor. quem estãoassistindo do outro lado da rua, sentado em alguma a¡rvore. Ele estãoassistindo essa mulher, que tentou tomar a decisão de abandona¡-lo de sua vida. Eles estãorealmente trazendo questões interessantes sobre o lugar das mulheres nessas pequenas histórias roma¢nticas. Vocaª sabe, háum lado sombrio em "Quero segurar sua ma£o". [Risos.] Portanto, hámuitas músicas, mesmo as primeiras, que estãofazendo algumas perguntas bastante difa­ceis sobre o orador. a€s vezes eles estãofalando ironicamente. Tome “Vou seguir o sol”, que Paulo escreveu quando tinha 15 anos ou algo assim. a‰ sobre um idiota que serátão imaturo emocionalmente que vocênem vai saber por que ele foi embora ou o que aconteceu com ele. Ele vai sair na calada da noite; um dia vocêvai acordar e ele se foi. Existem várias músicas em que eles criam essas poses para esses personagens que são realmente terra­veis, atéameaa§adores.

GAZETTE: Realmente. "Norwegian Wood" éuma música adora¡vel, mas éhorra­vel no final. Ele estãobasicamente zangado que depois de um encontro com essa mulher independente, a noite terminou sem sexo, então ele queimou a casa dela na manha£ seguinte enquanto ela estava no trabalho.

WOMACK: Isso mesmo, mas ela ainda éa vencedora. O que ele odiava era o desempoderamento.

“[Os Beatles] foram tão influentes ... que não precisavam se preocupar com esse tipo de coisa. Eles fizeram de qualquer maneira porque sentiram que eram importantes. ”


GAZETTE: O que motivou essa mudança no retrato de mulheres? Claramente, alguns deles deviam ser os ca­rculos sociais em que eles viajavam, asmudanças de atitudes culturais ao seu redor, talvez seu pra³prio amadurecimento, mas nem todas as suas músicas eram autobiogra¡ficas.

WOMACK: Muitos não estavam. Eles se sentavam e John e Paul diziam: “Vamos trazaª-la de volta para essa música.” Eles não a chamavam de personagem protofeminista, obviamente, mas diziam: “Vamos trazaª-la de volta. Estamos fazendo 'Drive My Car'. Vamos fazer de um personagem aqui quem - ela vai deixar vocêdirigir o carro, mas e daa­? Vocaª sabe, 'Talvez eu vou te amar'. ”Ha¡â€œ Day Tripper ”, tão maravilhoso também da mesma maneira. Tambanãm ganhou um “bilhete para andar”: ela sai com vocaª, mas deixa de tentar lhe dizer que vocêprecisa se casar. Atéa mulher de "Ela estãosaindo de casa", embora eu não goste do fato de que para escapar dos pais e da construção de seu estilo de vida, ela precisa se encontrar com "um homem do comanãrcio de automa³veis". Mas veja, John e Paul em 1967. Essa éprovavelmente a melhor coisa que eles poderiam imaginar 53 anos atrás! (Risos)

GAZETTE: Qual Beatle liderou o caminho? John não era um cad nota³rio e admitiu muitos anos depois que havia sido abusivo com mulheres nos anos 60?

WOMACK:"Eles" neste momento são principalmente McCartney. John Lennon cai rapidamente em um casamento ruim. Na verdade, estãosendo liderado por McCartney, que de repente estãolendo e adotando cultura de maneiras que ele nunca teve antes, e assim ele traria muitos desses tipos de idanãias de volta. Tambanãm ajudou, dolorosamente para ele, na anãpoca, mas, vivendo com os Ashers e a [então namorada] Jane [Asher] dizendo a ele que não, ela não quer se casar e colocar um anel no dedo. Ela éuma atriz agora. Ela não vai parar de fazer turnaª ... E ele pode encher isso. Paulo reage muito mal a isso. Existem várias músicas autobiogra¡ficas em que ele sai como um idiota da classe A. Em "We Can Work It Out", ele não estãooferecendo nada para dar certo! Ele estãodizendo: “Tente ver do meu jeito ou continuaremos lutando.” “Coisas que dissemos hoje”: Meu Deus, éuma música feia e ameaa§adora. "Estou te olhando". Essas eram as músicas de Jane. Mesmo “For No One”: ele não vaª mais amor nos olhos dela. Ela ainda o ama; não éapenas o amor que ele pensa que merece e deve receber. Ele pode estar migrando intelectualmente para um espaço melhor, mas em sua vida pessoal, ele não estava necessariamente vivendo isso. Ou John Lennon, a terra­vel linha sobre manter as mulheres em baixa e "melhorar" com a qual Lennon contribui [para "Getting Better", escrito por McCartney].

GAZETTE: Nenhum dos dois parece especialmente feminista em suas vidas reais. Por que eles perseguiram esse protofeminismo em suas músicas? Nãohouve intensa demanda pública; Quero dizer, não ajudaria a vender mais discos.

WOMACK: Eu acho que eles estavam muito conscientes de que eram esse tipo de contradição, que estavam falando pelos dois lados da boca. Suas próprias ações não alcana§aram suas habilidades intelectuais. Mas isso éverdade agora com a maneira como as pessoas se comportam. Mas acho que eles estavam conscientes do fato de serem hipa³critas. Eu acho que realmente os torna mais interessantes que ambos sejam vitimadores, atécerto ponto, e que desejam ser melhores. Sa£o vasos muito fraturados, mas sabiam o suficiente para acreditar que era importante e usar seu enorme paºlpito ou megafone, que ainda éo maior da história, para falar sobre essas coisas.

O que eles tinham étão importante que eles tinham a capacidade de não precisar se importar. Eles eram tão influentes e tinham uma posição e privilanãgio tão enormes, obviamente, que não precisavam se preocupar com esse tipo de coisa. Eles fizeram de qualquer maneira porque sentiram que eram importantes. E eles provavelmente tinham confianção suficiente para perceber que podiam correr riscos. Eles fizeram algo que ainda poucos artistas fazem, pelo menos na música popular, ou seja, toda vez que faziam um novo disco, sentavam-se com o [produtor] George Martin e diziam: “Nãovamos fazer esse registro soa como o último. Vamos soar diferentes. ”Então vocêpassa de“ Help! ”Para“ Rubber Soul ”, para“ Revolver ”e“ Sgt. Pepper ”para o“ White Album ”, para“ Let It Be ”e“ Abbey Road ”. Cada um tem um som de base diferente no qual estãotrabalhando. Isso por si são ébastante arriscado. Então eles assumiram riscos porque eram muito parecidos com os modernistas. a‰ isso que vocêfaz: vocêcontinua avaçando.

Esta entrevista foi editada para maior clareza e resumida.

 

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