Humanidades

Um Brasil de 154 la­nguas
Livro “La­nguas inda­genas: tradia§a£o, universais e diversidade” apresenta as quase duas centenas de idiomas falados no Brasil por tribos inda­genas
Por Caio Santana - 10/01/2020


andios da etnia Waiapi osFoto: Heitor Reali/IPHAN/iphan.gov.br

Apesar de ser praticamente homogaªneo em todo o territa³rio nacional, apenas com distinções de sotaques e regionalismos dependendo do local onde éfalado, o portuguaªs praticado no Brasil não éa única la­ngua dopaís. Além do portuguaªs oficial, hámais de uma centena de la­nguas faladas em nosso territa³rio. Sa£o as la­nguas inda­genas, que correm sanãrios riscos de desaparecer nos pra³ximos 100 anos, caso siga-se uma tendaªncia: diminuição do número de falantes e com as criana§as já abandonando o aprendizado nas comunidades.

Esses riscos não se restringem apenas ao seu desaparecimento. Por serem la­nguas a¡grafas, ou seja, de tradição apenas oral, e não escrita, quando essas la­nguas morrem também se va£o toda uma tradição hista³rica secular contada oralmente, de geração a geração, de cla£ para cla£. Estima-se que antes da chegada dos portugueses no Brasil, havia entre 600 e mil la­nguas sendo faladas pelos nativos inda­genas. Hoje, existem um total de 154 la­nguas inda­genas faladas no Brasil. O Livro La­nguas inda­genas: tradição, universais e diversidade”, de Luciana Storto, professora do Departamento de Lingua­stica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, traz um apanhado dessas la­nguas, bem como o aprofundamento lingua­stico das principais fama­lias identificadas e agrupadas. O livro tem duas premissas imediatas: informar os resultados de pesquisas recentes sobre la­nguas brasileiras ao leitor leigo, chamando sua atenção, e estimular o surgimento de novos estudiosos e ativistas das la­nguas inda­genas. 

Essas 154 la­nguas são agrupadas em fama­lias. Algumas delas podem ser formadas por subfama­lias, pequenas ou grandes. Como exemplo de fama­lias lingua­sticas grandes temos a Tupi, Macro-Jaª, Aruak, Karib e Pano. Já as de fama­lias pequenas são as Yanomami, Naduhup e Nambikwara. Um fato interessante éque a subfamilia Tupi-Guarani, apesar de grande, não éconsiderada uma fama­lia. Ela possui 40 la­nguas ou dialetos identificados no Brasil e nospaíses adjacentes, oriundos da la­ngua-ma£e Proto-Tupi Guarani.


Apesar dessas divisaµes grandes, háfama­lias menores formadas por uma ou duas la­nguas no Brasil e também la­nguas isoladas (não classificadas como relacionadas a nenhuma outra la­ngua). Sa£o elas: Kana´e, Kwaza¡, Irantxe, Trumai, Tikuna, Ma¡ku e Aikana£. Ha¡ também duas la­nguas crioulas, Galiba­ Marwa³no e Karipaºna do Norte, de base inda­gena no Amapa¡. 

A obra possui ao todo seis capa­tulos que percorrem desde uma contextualização hista³rica atéas la­nguas nativas do Brasil atualmente, passando pela sua diversidade cultural e lingua­stica, além da grama¡tica. Tudo muito bem detalhado e dida¡tico.

 Terras demarcadas e la­nguas faladas 
Seria inevita¡vel para a autora falar desse tema sem tocar em um assunto importanta­ssimo: o das terras demarcadas ou reservadas aos inda­genas, que hoje representam 13% do territa³rio nacional. Um ponto abordado éo de que essas terras preservam outras áreas quando estãoem fronteira de floresta densa de difa­cil acesso como émuito visível nas imagens de satanãlite do norte de Ronda´nia. Isso quando as áreas preservadas não são praticamente as mesmas das reservas dos povos inda­genas, como no Mato Grosso.

Mas um detalhe chama a atenção. Esses 13%, que podem ser considerados muito ou atémesmo contesta¡veis por certos setores da sociedade e atémesmo governamentais, são os responsa¡veis pela preservação das la­nguas inda­genas e da cultura de seus povos. Principalmente os amaza´nicos.

O número de falantes de la­nguas nas tribos éincerto, mas Luciana apresenta números do linguista Denny Moore, que em 2011 publicou uma estimativa de 230.000 falantes. Moore édoutor em Lingua­stica e Antropologia Cultural pela City University of New York e também pesquisador volunta¡rio do Museu Paraense Ema­lio Goeldi. Tambanãm édele o critanãrio de inteligibilidade (que gera controvanãrsia, como aponta Luciana em seu livro), que possibilitou o ca¡lculo das 154 la­nguas distintas faladas.

Moore também tabelou as populações chegando a um número de 485.576 inda­genas. O Censo do IBGE de 2010 aponta 896.000. “Esse número contanãm alguns erros e não representa apenas a população que vive em terras inda­genas, mas também aqueles em territa³rio urbano e os que se autodenominam como pertencentes a algum grupo anãtnico nativo do Brasil”, afirma Luciana no livro. 

“Por um lado, cresce a população inda­gena muito pelo fato do avanço no acesso a atendimento de saúde, medicamentos e alimentação. Por outro, se diminui os falantes das la­nguas nativas, porque estes abandonam suas la­nguas com base na crena§a erra´nea de que para falar bem a la­ngua portuguesa, eles precisam deixar de falar suas la­nguas nativas”, escreve a autora.

O segundo capa­tulo seleciona três regiaµes do Brasil com diversidade lingua­stica considera¡vel. Sa£o elas o Alto Rio Negro (Noroeste Amaza´nico), o Sul de Ronda´nia (Sudoeste Amaza´nico) e o Parque Inda­gena do Xingu (Alto Xingu). Sa£o regiaµes pouco estudadas nas escolas, ficando de fora da história oficial dopaís. No livro de Luciana Storto, éapresentada mais da história dessa relação dos povos ali presentes e as suas la­nguas.

Das três áreas, apenas o Alto Rio Negro éindiscutivelmente considerada a única área lingua­stica do Brasil, seguindo os critanãrios de ser uma regia£o onde la­nguas de várias fama­lias tiveram contato por um longo período de tempo, além de adquirir caracteri­sticas em comum entre si. As áreas do Sul de Ronda´nia e do Xingu são candidatas a serem classificadas como áreas lingua­sticas também, devido sua diversidade e culturalidade. Quanto ao Xingu, revela-se de que já ali havia habitações desde o século 9. Sendo uma regia£o multicultural e multila­ngue, as tribos da regia£o compartilham inclusive rituais e cerima´nias com cantos cantados misturados nas la­nguas das respectivas tribos em alguns dos rituais.

Os capa­tulos três, quatro e cinco dedicam-se a falar sobre a grama¡tica das la­nguas inda­genas brasileiras: apresentando a morfologia, sintaxe, sema¢ntica, pragma¡tica, fonanãtica e fonologia. Ha¡ aqui construções de frases e comparações entre la­nguas, justificando as semelhanças entre as fama­lias e as la­nguas-ma£es (que originaram as la­nguas em questão).

No sexto e último capa­tulo, nomeado de “A arte verbal e as culturas de tradição oral”, há disposição de análises do que estãopor trás das narrativas contadas oralmente háséculos, destrinchando a arte verbal dessas culturas e reforçando a importa¢ncia de alguns rituais que tradicionalmente se perpetuam.

 

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