Humanidades

Pesquisa analisa recursos educativos de museus para pessoas com deficiência intelectual
Mestrado da USP avaliou ações educativas de inclusão na Pinacoteca, MAM e MAC de São Paulo; pesquisadora sugere uso de materiais específicos e encontros periódicos para aprendizado efetivo
Por Gabriela Varão - 25/08/2024


A iniciativa do programa Igual Diferente permite a inclusão de pessoas com deficiência nos museus para além das visitas, com a possibilidade de fazer cursos gratuitos – Luan Santos / cortesia Museu de Arte Moderna de São Paulo


Entre os dias 21 a 28 de agosto é comemorada a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, estabelecida pela lei nacional 13.585, em 2017. Pensar como os museus podem contribuir para o processo de inclusão e aprendizagem dessas pessoas foi o objetivo do mestrado da arte-educadora Larissa Foronda. A pesquisa intitulada Possibilidades de Aprendizagem de Pessoas com Deficiência Intelectual nos Museus de Arte Brasileiros foi realizada no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Museologia da USP, sob orientação do professor Camilo de Mello Vasconcellos.

Com 25 anos de experiência em museologia, Larissa teve contato com projetos de acessibilidade, como a implementação de materiais de acessibilidade no Museu do Futebol. “Essa experiência acabou despertando alguma coisa em mim. A partir dali, em todo museu que eu passava, eu trazia a questão da inclusão e da acessibilidade. Foi muito natural trabalhar com esse tema”, conta a pesquisadora.

Durante o estudo, Larissa analisou três museus brasileiros localizados na cidade de São Paulo: a Pinacoteca, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, para avaliar as ações educativas desenvolvidas em cada um deles. A escolha das instituições foi motivada pelos seus programas sociais. 

Além dos museus brasileiros, Larissa também escolheu o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) para comparar com as instituições brasileiras, já que o museu conta com ações educativas específicas e programas bem consolidados voltados para pessoas com deficiência. “Na Pinacoteca e no MAC tinham ações educativas e o MAM tem oficinas e cursos estabelecidos. Então, escolhi esses três museus e achei um contraponto interessante no MoMA, que oferece muitas atividades para todo tipo de público, sejam idosos, sejam pessoas que estejam dentro do espectro autista, pessoas com deficiência intelectual e pessoas com outros tipos de deficiência.”

O projeto inicial pretendia fazer um estudo de caso nos museus a partir do acompanhamento de visitas educativas com grupos de pessoas com deficiência intelectual. Contudo, essa ideia teve que ser reformulada devido à pandemia. Por isso, a pesquisa focou aspectos teóricos e priorizou museus que já tinham materiais e ações educativas voltados para o tema. 

O trabalho buscou analisar a possibilidade de interação das pessoas com deficiência intelectual nas visitas aos museus de arte. Para isso, Larissa avaliou a estrutura pedagógica e as ações educativas promovidas pelos museus, além de sugerir melhorias e adaptações.

Com base em sua experiência pessoal como educadora em museus, Larissa conta que “avaliar a aprendizagem é muito difícil. Muitas vezes, pessoas com deficiência intelectual não falam, mas elas se expressam. Quando você oferece um recurso educativo e vê a reação, aquele material está de alguma forma impactando aquela pessoa. O que a gente via eram reações. Então, entendemos que a reação, seja positiva ou negativa, significa que de alguma maneira a pessoa conseguia fruir aquele material. O quanto ela conseguia aprender e reter não era possível avaliar porque o contato era muito rápido. A ideia inicial era acompanhar as visitas e fazer análises, mas a pandemia impossibilitou isso”, conta.

Programas educativos 

Cada museu tem algum modelo de programa para pessoas com deficiência. O objetivo é democratizar o acesso ao espaço e oferecer novas formas e possibilidades de interação com a exposição. Apesar de não ser possível concluir o quanto foi retido pelos visitantes com deficiência intelectual, a pesquisa coletou e comparou dados sobre os museus. 

Para a pesquisa, Larissa entrevistou coordenadores e gestores de cada instituição museológica. A ideia era entender como cada ação educativa estava estruturada nos museus analisados e comparar com o museu estrangeiro. “Os três museus que eu estudei possuem muito potencial de aprendizagem para pessoas com deficiência intelectual. Todos os programas de serviços educativos tinham recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência, no geral. Quando existe uma equipe educativa mais estruturada, as possibilidades de aprendizagem aumentam”, conta a pesquisadora. A comparação com uma instituição estrangeira pode contribuir para a melhoria dos setores educativos.

“Os museus brasileiros enfrentam grandes desafios que não são só no educativo. O museu como estrutura, porque precisa de uma manutenção de exposição, restauro, comunicação, montagem. O museu é um organismo vivo cheio de setores. Quando a gente vai comparar, pode ser muito positivo no sentido de mostrar algo que o museu pode adquirir, ou então negativo, por ressaltar o que está faltando. Esse tipo de comparação pode trazer benefícios para olhar o que já existe e o que pode melhorar”, enfatiza Larissa.


Em relação ao MoMA, a instituição desenvolve um programa chamado Create Ability, que realiza encontros mensais com pessoas com deficiência intelectual e oficinas artísticas de pintura e escultura. “Eu entendo que o MoMA pode ser uma inspiração para os museus de São Paulo pelo trabalho extenso com programas de acessibilidade”, afirma a pesquisadora.

O Museu de Arte Moderna de São Paulo conta com o programa Igual Diferente, criado em 1998 com o objetivo de incluir pessoas com deficiência. A ação oferece cursos de arte gratuitos para pessoas com e sem deficiência. Nas visitas de pessoas com deficiência intelectual, a instituição utiliza materiais multissensoriais e percursos que exploram a relação do corpo com os itens presentes na exposição. 

Imagem: Homem com óculos escuros tem experiência tátil com pequena escultura de madeira
No programa Igual Diferente do MAM, pessoas com deficiência podem ter contato com a arte por meio de cursos e aulas de diversas modalidades, como escultura e dança – Foto: André Teixeira / cortesia Museu de Arte Moderna de São Paulo

Na Pinacoteca, há o Programa Educativo para Pessoas com Deficiência, que promove o acesso de pessoas com deficiências intelectuais, sensoriais e físicas por meio de recursos multissensoriais, além de visitas educativas em que o visitante pode conhecer as obras expostas usando o tato, a audição e olfato. A equipe é formada por educadores com conhecimento em Libras e por uma educadora surda. 

Larissa comenta que a Pinacoteca tem um diferencial em relação aos outros museus analisados por conta das ações regulares, que permitem um aprendizado mais efetivo pelo público com deficiência intelectual. “A Pinacoteca faz ações educativas com frequência regular. Isso é importantíssimo porque você tem que conhecer esse público, você tem que criar esse vínculo para que eles aproveitem melhor a visita”, explica.

“Se você não conhece um público, você não sabe qual recurso usar com eles e as pessoas não aproveitam a experiência. Em várias visitas ao longo do mês, o visitante aprende muito mais do que em apenas uma visita de 50 minutos.”


O MAC oferece o programa Viva a Arte! Bem-Estar Social e Saúde no Museu, destinado a pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade social. O programa de acessibilidade ao museu permite que os visitantes conheçam as produções artísticas e ampliem seus conhecimentos sobre o tema. 

“É importante ter profissionais preparados para uma visita de qualidade dentro dos museus, com as melhores ferramentas e melhores estratégias para atender o público com deficiência intelectual. Dessa maneira, você engaja todo mundo na ação educativa, faz a pessoa se sentir pertencente àquele local e aumenta a diversidade do público”, lembra a arte-educadora.

Propostas inclusivas

Na pesquisa, Larissa também elaborou sugestões de recursos de acessibilidade que podem ser utilizados durante as ações educativas para facilitar o aprendizado e promover a inclusão. “O meu mestrado dá sugestões de materiais que incluam pessoas com deficiência. São materiais que atendem as pessoas com deficiência intelectual, mas atendem a outros tipos de deficiência, pessoas neurotípicas, pessoas com algum déficit cognitivo e também pessoas autistas. É uma sugestão de material de apoio que pode ser usado na mediação desses grupos”, comenta. 

Uma das sugestões foi a elaboração de pranchas pictóricas para coordenar as visitas guiadas. A pesquisadora explica que esse recurso é feito a partir de ilustrações e palavras-chave, que sintetizam uma ideia a fim de auxiliar os educadores, possibilitando a abordagem de diversos temas presentes na exposição. 

Para exemplificar o uso desse material, Larissa produziu sugestões de pranchas sobre Tarsila do Amaral e suas obras. “Eu montei uma prancha pictórica com a pintura da Tarsila. Era uma prancha com alto contraste, fundo preto e o nome da artista em vermelho, com algumas imagens dela. Escrevi pintura em alta definição e coloquei ícones de pincéis. Quem não sabe o que é pintura, vai ver essa imagem e entender o que é. Essa prancha pode ser explorada de diversas maneiras. É possível falar da vida da Tarsila, de técnicas artísticas, do Museu de Arte Contemporânea e exposições. Então, uma prancha possibilita diversas explorações educativas”, conta Larissa.

A pesquisadora ainda enfatiza que “o repertório que se pode criar a partir das pranchas é muito extenso. É pensar que propostas educativas podem ser oferecidas para que os educadores consigam diminuir as distâncias”. 

Outra sugestão feita no mestrado é o uso da escrita e da linguagem simples, que simplifica o vocabulário a partir do uso de palavras-chave. “A gente busca trazer uma comunicação mais simples. Então, trabalhamos com imagens e com poucas palavras, que sirvam como guia. Se a mediação for muito longa, durar muitos minutos, pode ser que aquele visitante não consiga manter a atenção. Por isso, é importante trazer palavras que façam a pessoa lembrar da obra que está sendo vista”, afirma Larissa.

Esse formato de comunicação pode ser usado durante as mediações com pessoas com deficiência intelectual por ser muito mais acessível. A pesquisadora pontua que o ideal é não fazer frases longas e usar um discurso oral mais simples. Para leitura, é importante escrever parágrafos curtos com letras maiores e fazer pausas.

“O ideal é que projetos de acessibilidade e inclusão estejam presentes em todos os ambientes. Todo aparelho cultural que tenha ações para inclusão sempre tem um potencial de fazer com que um visitante seja contemplado naquela visita e saia diferente de como entrou”, reflete a pesquisadora.

 

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