Humanidades

a‰ assim que a democracia morre
Um novo relatório mostra que pessoas de todo o mundo estãoperdendo coletivamente a fénos sistemas democra¡ticos.
Por Yascha Mounk - 06/02/2020

RTEM / SHUTTERSTOCK / O ATLa‚NTICO

Os cidada£os em democracias esta¡veis ​​devem estar satisfeitos com o processo democra¡tico. Pola­ticos ou administrações individuais podem ser impopulares. Mas, se o paºblico não se comprometer com os princa­pios democra¡ticos ou perder a fénas instituições democra¡ticas, demagogos e oportunistas podem afasta¡-los.

a‰ por isso que ficamos preocupados quando, háquatro anos, descobrimos que o apoio a  democracia nos Estados Unidos e em muitos outrospaíses ao redor do mundo estava se aproximando de pontos perigosos. Alguns estudiosos viram evidaªncias de uma mudança semelhante, enquanto outros discordaram. Eles sustentaram que o paºblico ocidental permaneceu razoavelmente satisfeito com a democracia como uma forma de governana§a e que havia pouco motivo para pa¢nico.

Um novo relatório do Centro para o Futuro da Democracia da Universidade de Cambridge, co-autor de um de nós, Foa, fornece uma visão mais ampla dessa questão, e as conclusaµes não são esperana§osas, para dizer o ma­nimo. O relatório analisou dados coletados em 154países, 3.500 pesquisas cobrindo mais de 4 milhões de entrevistados e meio século de pesquisa em ciências sociais.

A satisfação com a democracia, segundo o relatório, foi corroa­da na maior parte do mundo, com uma queda especialmente nota¡vel na última década. A confianção do paºblico na democracia estãono ponto mais baixo já registrado nos Estados Unidos, nas principais democracias da Europa Ocidental, áfrica Subsaariana e Amanãrica Latina. Em algunspaíses, incluindo os Estados Unidos, essa manãtrica estãoatingindo um limiar importante: o número de pessoas insatisfeitas com a democracia émaior que o número de pessoas satisfeitas com ela.

Traªs descobertas são particularmente dignas de nota. Primeiro, nos últimos 25 anos, a satisfação com a democracia caiu em todo o mundo democra¡tico como um todo. Em meados da década de 90, os cidada£os da maioria dospaíses para os quais existem dados se sentiram satisfeitos com o desempenho de suas democracias. Exceto por uma breve queda nos anos 90 após as crises financeiras da asia e da Amanãrica Latina, isso permaneceu verdadeiro até2015, quando a maioria dos cidada£os se tornou negativa na avaliação do desempenho democra¡tico. Desde então, a insatisfação continua a crescer.

No geral, o relatório estima que o número de indivíduos "insatisfeitos" com a condição de democracia em seupaís aumentou 10 pontos percentuais, de 48% para 58%. (Esta observação ébaseada em uma amostra de 77 democracias depaíses constantes e ponderada pela população, para a qual existem dados relativamente completos de meados da década de 90 atéhoje. Isso representa 2,4 bilhaµes de indivíduos em toda a Europa, Amanãrica Latina epaíses subsaarianos. áfrica, Oriente Manãdio, Amanãrica do Norte, Extremo Oriente e Australa¡sia.)

A segunda constatação digna de nota éque a queda na satisfação democra¡tica foi especialmente pronunciada nospaíses que deveriam ser especialmente esta¡veis: democracias desenvolvidas de alta renda. Durante os anos 90, cerca de dois em cada três cidada£os de democracias na Europa, Amanãrica do Norte, Nordeste da asia e Australa¡sia se sentiram satisfeitos com a forma como seupaís era administrado. Hoje, a maioria esta¡, pela primeira vez, insatisfeita.

Mas a insatisfação com a democracia não édistribua­da igualmente entrepaíses de tamanhos diferentes. Enquanto os cidada£os de muitas pequenas democracias, como Sua­a§a e Luxemburgo, ficaram mais satisfeitos com seu sistema pola­tico, as democracias mais populosas do mundo, incluindo Frana§a, Japa£o e Reino Unido, avana§aram na direção oposta.

Finalmente, a queda na satisfação com a democracia éespecialmente rápida e especialmente consequente nos Estados Unidos. Durante grande parte de sua história moderna, a Amanãrica se viu como um modelo de democracia que poderia servir de exemplo para ospaíses que desejavam imitar seu sucesso. Os dados da pesquisa mostram que havia pouca substância nessa arroga¢ncia: há10 anos, três em cada quatro americanos disseram estar satisfeitos com o estado de seu sistema democra¡tico.

Durante a crise financeira de 2008, isso começou a mudar. E desde então, os americanos se tornam mais pessimistas sobre seu sistema a cada ano. Pela primeira vez, as pesquisas mostram que a maioria dos americanos (55%) estãoinsatisfeita com seu sistema de governo.

Isso marca uma profunda mudança na visão americana de si mesma - e de seu lugar no mundo.

Quando informamos pela primeira vez que os cidada£os das democracias supostamente consolidadas estavam ficando insatisfeitos com seus sistemas pola­ticos, nosso argumento parecia estar fora de sincronia com os tempos. Moderados como David Cameron e Barack Obama governaram em Londres e Washington, DC; o protopopulista Silvio Berlusconi acabara de ser expulso do cargo na Ita¡lia; e Angela Merkel, da Alemanha, desfrutou do maior bloco parlamentar que seu partido alcana§ou em décadas.

Nos anos seguintes, Donald Trump se tornou o presidente dos Estados Unidos, a Gra£-Bretanha votou para deixar a Unia£o Europeia, Matteo Salvini se tornou o pola­tico mais popular da Ita¡lia e a cultura pola­tica da Alemanha foi transformada pela ascensão de um novo partido de extrema-direita.

Então, o que parecia um quebra-cabea§a estranho em 2015 agora parece uma história mais direta. Os cidada£os estãoconstantemente desencantados com seus sistemas democra¡ticos. Como resultado, eles estãocada vez mais dispostos a votar em pola­ticos extremistas que prometem romper com o status quo. a‰ perfeitamente possí­vel que as democracias se recuperem da crise atual nos pra³ximos anos. Mas cada novo ponto de dados torna muito mais difa­cil negar que essa crise existe.

 

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