Humanidades

As primeiras raízes do Carnaval? Pesquisa revela evidências de celebrações sazonais no Brasil pré-colonial
Um novo estudo sugere que povos pré-coloniais no Brasil podem ter se reunido nos meses de verão para se banquetear com peixes migratórios e compartilhar bebidas alcoólicas.
Por Universidade de York - 05/02/2025


Autor principal do estudo, Dr. Marjolein Admiraal conduziu a pesquisa enquanto estava no laboratório de Bioarqueologia (BioArCh) na Universidade de York. Crédito: Alex Holland, Universidade de York


Um novo estudo sugere que povos pré-coloniais no Brasil podem ter se reunido nos meses de verão para se banquetear com peixes migratórios e compartilhar bebidas alcoólicas.

Uma equipe internacional — envolvendo cientistas da Universidade de York, no Reino Unido; da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, e da Universidade Federal de Pelotas, no Brasil — analisou fragmentos de cerâmica que datam de 2.300 a 1.200 anos atrás, descobertos ao redor da Lagoa dos Patos, no Brasil.

O estudo "Feasting on fish. Specialized function of pre-colonial pottery of the Cerritos mound builders of southern Brazil" foi publicado no periódico PLOS ONE .

As margens da Lagoa são caracterizadas por montes de terra, conhecidos como "Cerritos", que foram construídos pelos ancestrais pré-coloniais dos grupos indígenas pampeanos chamados Charrua e Minuano.

Os pesquisadores identificaram provisoriamente algumas das primeiras evidências da produção de bebidas alcoólicas na região, com análises de ponta da cerâmica revelando traços de bebidas feitas com vegetais — provavelmente tubérculos, milho doce e palma. Outros fragmentos de cerâmica continham evidências do processamento de peixes.

A descoberta acrescenta evidências à crença dos pesquisadores de que os povos pré-coloniais podem ter se reunido ao redor dos montes — que tinham significado simbólico como sepultamentos, marcadores territoriais e monumentos — para celebrar e se banquetear com peixes abundantes na estação.

Um estudo anterior usando análise de isótopos de restos humanos antigos descobertos na área indicou que os habitantes tinham dietas diversas, sugerindo que as pessoas podem ter viajado para a Lagoa de outras regiões.

A principal autora do estudo, Dra. Marjolein Admiraal, que realizou a pesquisa no laboratório de Bioarqueologia (BioArCh) da Universidade de York, sugere que os encontros sazonais nos montes eram eventos culturais importantes, reunindo comunidades dispersas para explorar e celebrar o retorno de peixes migratórios, como o corvina-de-boca-branca, o que provavelmente exigia esforço coletivo para ser processado.

"Vemos exemplos dessas práticas ao redor do mundo, frequentemente relacionadas à abundância sazonal de espécies migratórias. Esses eventos oferecem uma excelente oportunidade para atividades sociais, como funerais e casamentos, e têm grande significado cultural", disse ela.

"Nossas descobertas — apoiadas por uma combinação de abordagens biomoleculares e isotópicas na análise de resíduos orgânicos — fornecem evidências convincentes do uso de bebidas fermentadas nessas comunidades antigas e mostram que a cerâmica desempenhou um papel crucial em banquetes e atividades sociais."

O professor Oliver Craig da BioArCh da Universidade de York disse: "Por meio de análise química detalhada, fomos capazes de determinar quais produtos estavam presentes nos vasos de cerâmica de Cerritos, mas também como as pessoas preparavam esses produtos, por meio de aquecimento, armazenamento e potencialmente fermentação. Isso nos deixa um passo mais perto de entender o papel culinário de diferentes alimentos em sociedades passadas."

A descoberta lança nova luz sobre os modos de vida desses grupos pré-coloniais, destacando os propósitos multifacetados dos Cerritos e seu papel na vida social e econômica dos construtores de montes, dizem os pesquisadores.

O coautor da pesquisa, Rafael Milheira, da Universidade Federal de Pelotas, no Brasil, disse: "Os Cerritos são uma combinação de locais rituais e domésticos, e seu design elevado pode ter sido influenciado pelo ambiente local; esses lugares provavelmente eram importantes para as pessoas e elevá-los acima da potencial erosão causada pelas águas altas sazonais os teria protegido.

"Sabemos que grandes reuniões e festas eram eventos culturais importantes no passado (e hoje), em todo o mundo. E sugerimos que os povos pré-históricos da área teriam investido na produção de cerâmica em antecipação a essas reuniões que atraíam as pessoas para a Lagoa dos Patos para se banquetear com recursos aquáticos sazonais."


André Colonese, da Universitat Autònoma de Barcelona, Espanha, coautor da pesquisa e pesquisador principal do projeto TRADITION do ERC, destaca: "Este estudo reforça o poder da arqueologia molecular em revelar informações de artefatos comuns, como fragmentos de cerâmica, que antes eram inacessíveis por meio de métodos arqueológicos convencionais.

"Além disso, uma mensagem importante do artigo é que preservar os Cerritos como patrimônio cultural pampeano único é de alta prioridade se quisermos aprender com sociedades passadas como viver de forma sustentável em um ambiente tão dinâmico."

À medida que a pesquisa avança, esses insights sobre os Cerritos e seu significado cultural oferecem um vislumbre das primeiras tradições e práticas sociais dos grupos indígenas pampeanos, enriquecendo nossa compreensão da vida pré-histórica no sul do Brasil.


Mais informações: "Festa de peixes. Função especializada da cerâmica pré-colonial dos construtores de montes de Cerritos do sul do Brasil", PLOS One (2025). DOI: 10.1371/journal.pone.0311192

Informações do periódico: PLoS ONE 

 

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