Humanidades

Pandemias de Homero a Stephen King: o que podemos aprender da história litera¡ria
A literatura tem um papel vital a desempenhar ao enquadrar nossas respostas a  pandemia do COVID-19.
Por Chelsea Haith - 22/03/2020


O banquete na floresta de pinheiros, uma das várias figuras derivadas de contos no
Decameron de Boccaccio. Sandro Botticelli

De Ila­ada de Homero e Decameron de Boccaccio a The Stand e Severance de Ling Ma, de Stephen King, as histórias sobre pandemias - ao longo da história da literatura ocidental como ela é- ofereceram muito na maneira de catarse, maneiras de processar emoções fortes e comenta¡rios pola­ticos sobre como os seres humanos respondem a s crises de saúde pública.

A literatura tem um papel vital a desempenhar ao enquadrar nossas respostas a  pandemia do COVID-19. Vale a pena recorrer a alguns desses textos para entender melhor nossas reações e como podemos mitigar o racismo , a xenofobia e o capacidade (discriminação contra qualquer pessoa com deficiência) nas narrativas que cercam a disseminação desse coronava­rus.

Variando dos cla¡ssicos aos romances contempora¢neos, esta lista de leitura de literatura sobre pandemia oferece algo como um conforto incerto e um guia para o que acontece a seguir.

A Ila­ada de Homero, como nos lembrou a classicista de Cambridge Mary Beard , comea§a com uma praga visitada no campo grego de Tra³ia para punir os gregos pela escravização de Cra­seis por Agamenon. O acadêmico norte-americano Daniel R Blickman argumentou que o drama da discussão de Agamenon e Aquiles “não deveria nos cegar para o papel da praga no estabelecimento do tom do que se segue, nem, mais importante, no fornecimento de um padrãoanãtico que se encontra pra³ximo ao coração. da história". Em outras palavras, a Ila­ada apresenta um dispositivo narrativo de desastre que resulta de um comportamento mal julgado por parte de todos os personagens envolvidos.

A literatura ocidental comea§a com uma praga: a Ila­ada. Wikimedia Commons

O COVID-19 certamente agitara¡ os sistemas econa´micos e os processos institucionais arraigados, como estamos vendo com a mudança em direção a  aprendizagem remota nas universidades de todo o mundo, para dar apenas um exemplo. Esses textos nos da£o a oportunidade de refletir sobre como crises semelhantes foram gerenciadas anteriormente, bem como ideias sobre como podemos estruturar nossas sociedades de maneira mais equitativa em suas consequaªncias.

O Decameron (1353), de Giovanni Boccaccio, ambientado durante a Peste Negra, revela o papel vital da narrativa em tempos de desastre. Dez pessoas se isolaram em uma vila nos arredores de Florena§a por duas semanas durante a Peste Negra. No curso de seu isolamento, os personagens se revezam para contar histórias de moralidade, amor, pola­tica sexual, comanãrcio e poder.

Nesta coleção de novelas, a narrativa funciona como um manãtodo de discutir estruturas sociais e interação durante os primeiros dias do Renascimento. As histórias oferecem aos ouvintes (e leitores de Boccaccio) maneiras pelas quais reestruturar sua vida cotidiana "normal", que foi suspensa devido a  epidemia.

Falha da autoridade em responder

A normalidade da vida cotidiana também éo foco do romance apocala­ptico de Mary Shelley, The Last Man (1826). Situado na Gra£-Bretanha futurista entre os anos 2070 e 2100, o romance - que foi transformado em filme em 2008 - detalha a vida de Lionel Verney, que se torna o "último homem" após uma praga global devastadora.

O romance de Shelley se concentra no valor da amizade e conclui com Verney acompanhado de suas andanças por um ca£o pastor (um lembrete de que animais de estimação podem ser uma fonte de conforto e estabilidade em tempos de crise). O romance éparticularmente contundente sobre o tema das respostas institucionais a  praga. Ele satiriza o utopismo revoluciona¡rio e os combates que eclodem entre os grupos sobreviventes, antes que eles também sucumbam.

O conto de Edgar Allen Poe, The Masque of the Red Death (1842), também descreve as falhas das figuras de autoridade em responder adequada e humanamente a esse desastre. A Morte Vermelha causa sangramento fatal dos poros. Em resposta, o pra­ncipe Prospero reaºne mil cortesãos em uma abadia isolada, mas luxuosa, fecha os portaµes e hospeda uma bola mascarada:

"O mundo externo poderia cuidar de si mesmo. Enquanto isso, era tolice lamentar ou pensar. O pra­ncipe havia fornecido todos os aparelhos de prazer".


Poe detalha as suntuosas festividades, concluindo com a chegada incorpa³rea da Morte Vermelha como um convidado humano no baile. A praga personificada tira a vida do pra­ncipe e depois a de seus cortesãos:

"E um por um largou os foliaµes nos salaµes cobertos de sangue de seus foliaµes, e morreu cada um na postura desesperadora de sua queda".


Literatura moderna e contempora¢nea

No século 20, The Plague (1942), de Albert Camus, e The Stand (1978), de Stephen King, trouxeram as atenções dos leitores a s implicações sociais das pandemias semelhantes a  peste - particularmente o isolamento e as falhas do Estado em conter a doença ou moderar a doena§a. pa¢nico resultante. O auto-isolamento no romance de Camus cria uma consciência ansiosa do valor do contato e das relações humanas nos cidada£os da cidade argelina de Oran, atingida pela praga:

"Essa privação dra¡stica e clara e nossa completa ignora¢ncia do que o futuro reservava nos levaram de surpresa; não conseguimos reagir contra o apelo mudo das presena§as, ainda tão próximas e já tão distantes, que nos assombraram o dia inteiro".


No King's The Stand, um superfluente de engenharia biológica chamado "Project Blue" vaza de uma base militar americana. Pandema´nio segue. King declarou recentemente no Twitter que o COVID-19 certamente não étão sanãrio quanto sua pandemia de ficção, instando o paºblico a tomar precauções razoa¡veis.

 

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