Humanidades

Em tempos de amadores, Ruy Fausto vai fazer muita falta
O fila³sofo, morto aos 85 anos, era um dos maiores pensadores marxistas e um dos grandes intanãrpretes do Brasil
Por Marcello Rollemberg - 04/05/2020


Ruy Fausto, professor do Departamento de Filosofia da USP osFoto: UFBA

Uma frase a respeito do Brasil já foi repetida tantas vezes que ganhou contornos de clichaª. Mas, clichaª ou não, dizer que o Brasil “não épara amadores” tem sanãrios contornos de verdade. Principalmente em meio aos estranhos tempos atuais ospara sermos eufema­sticos. Por isso, a perda de um pensador da estatura de Ruy Fausto osum profissional quando o caso era entender o Paa­s e principalmente sua parcela mais a  esquerda osdeve ser tão sentida. Falar que ele deixa uma lacuna que não serápreenchida éoutro clichaª. E também outra verdade. O fila³sofo Ruy Fausto morreu aos 85 anos no último dia 1º de maio, va­tima de um enfarte enquanto tocava piano em seu apartamento em Paris, e deixa como legado obras seminais para o estudo das teorias marxistas no Paa­s, trabalhos como os três volumes de Marx: La³gica e Pola­tica (Ed. 34), com ensaios escritos entre 1973 e 1997, Caminhos da Esquerda: Elementos para Uma Reconstrução (Cia. das Letras, 2017) ou seu livro mais recente, lana§ado este ano, O Ciclo do Totalitarismo (Ed. Perspectiva).

“Meus interesses foram sempre dois: lógica e pola­tica”, disse, em 2017 a  Revista USP, o fila³sofo, que recebeu em 1998 o tí­tulo de Professor Emanãrito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e era irmão do historiador Boris Fausto, também da FFLCH. Esses interesses nunca o abandonaram e sempre pautaram seu olhar sobre as coisas brasileiras e, também, sobre asmudanças que aconteciam no mundo osuma visão globalizada de quem havia muitos anos vivia na Europa. E sempre com um olhar cra­tico.

 “Precisara­amos pensar numa frente de esquerda e para além da esquerda. Precisamos urgentemente de uma ‘geringona§a’ brasileira. Uma aliana§a de forças”.

Ruy Fausto

“No século que agora termina, a anãtica não foi em geral bem vista nem pela direita nem pela esquerda. Se hoje se esboa§a uma tendaªncia em seu favor, ela continua carregando a fama osconforme a expressão de um cla¡ssico osde ser ‘a impotaªncia posta em ação’”, afirmou ele no discurso que proferiu ao receber o tí­tulo de Professor Emanãrito. Palavras sa¡bias que, mais de duas décadas depois, fazem cada vez mais sentido.

Golpe militar e exa­lio

Formado em Filosofia na USP em 1956, Ruy Fausto teve que sair do Paa­s logo após o golpe de 1964, se exilando na Frana§a. Fez seu doutorado na Universidade de Paris e frequentou a emblema¡tica Paris VIII, a unidade da Sorbonne onde trabalhavam fila³sofos do naipe de Gilles Deleuze e Frana§ois Lyotard. La¡, ele lapidou sua veia cra­tica e seu olhar que ia muito além de ser puramente um “pensador marxista”.

“Ruy Fausto representa toda uma geração de intanãrpretes do Brasil”, afirmou ao jornal O Globo a historiadora e antropa³loga da USP Lilia Schwarcz. “Ruy usou seu conhecimento fundamental do marxismo e o usava com muita cra­tica para analisar os nossos impasses. Com isso, provocava a interlocução de pessoas dos mais diversos espectros pola­ticos. Era um pensador de esquerda que não se acomodava na lógica de um partido ou de uma ideologia”, disse ela ao jornal carioca.

Foi justamente essa postura que não se atrelava a ideologias ou a partidos que o levou a pensar em saa­das para a politica e para a sociedade do Brasil. “Precisara­amos pensar numa frente de esquerda e para além da esquerda. Precisamos urgentemente de uma ‘geringona§a’ brasileira. Uma aliana§a de forças”, afirmou ele em entrevista recente. Ruy Fausto não explicou como essa “geringona§a” poderia ser criada. Mas uma coisa écerta: não étrabalho para amadores.

 

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