Humanidades

As consequaªncias das guerras
As frentes de batalha da Segunda Guerra Mundial e COVID-19 parecem muito diferentes, mas as consequaªncias a longo prazo permanecem constantes
Por Gila Naderi - 13/05/2020

Ashkan Forouzani / Unsplash

A luta contra o COVID-19 foi equiparada a uma guerra por alguns lideres pola­ticos. Enquanto a analogia éatraente, Charles Maier , professor de história da Universidade de Harvard, Leverett Saltonstall e professor residente do Centro de Estudos Europeus (CES) de Minda de Gunzburg, e Ian Kumekawa , Ph.D. Um candidato na história de Harvard e afiliado de um aluno de pós-graduação da CES, analisou o argumento em um white paper recente e argumenta que éfundamental pensar agora nas consequaªncias. 

O artigo “ Respondendo ao COVID-19: Pense Atravanãs da Analogia da Guerra ” foi publicado como parte de uma sanãrie de white papers escritos para a Iniciativa de Resposta bipartida¡ria COVID-19 , liderada por Danielle Allen, diretora do Edmond J. Safra Center for a‰tica. Maier e Kumekawa discutiram seu trabalho com o Centro de Estudos Europeus por telefone.

Perguntas e Respostas
Charles Maier e Ian Kumekawa  


No white paper, vocêargumenta que a mobilização conjunta de governo e empresas nos EUA e na Gra£-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial não aconteceu da noite para o dia e estava repleta de resistência, erros e confusão. Como os governos conseguiram mobilizar forças apesar de tudo isso e como esse esfora§o moldou suas aspirações para a era do pa³s-guerra? Vocaª vaª algum paralelo com o presente?

KUMEKAWA: Nosso artigo mostra que o ini­cio da mobilização em tempos de guerra - principalmente nos EUA, embora uma história semelhante possa ser contada na Gra£-Bretanha - foi afetado por dificuldades organizacionais. Nãoficou claro quais autoridades eram responsa¡veis ​​por quaª. Havia atritos entre elementos dentro do estado e entre o estado e a indústria privada. Grande parte dessa confusão poderia ter sido evitada ao delinear claramente quem estava encarregado de quaª. Esta éuma lição a ser aprendida na Segunda Guerra Mundial.

Um objetivo igualmente premente do artigo foi mostrar o quanto éimportante comea§ar a pensar sobre como devem ser as consequaªncias da atual crise. Grandes crises - sejam guerras ou pandemias - são frequentemente eventos poderosamente transformadores. a‰ importante comea§ar a pensar o quanto antes sobre as consequaªncias, e as medidas que o governo tomar agora tera£o efeitos e implicações ondulata³rias nos pra³ximos anos.

MAIER: A analogia da guerra tem sido usada para descrever a luta contra o va­rus. Como o artigo explica, a analogia permanece atraente - os americanos a empregam para muitos de nossos desafios nacionais; implica que podemos agir como um povo unido, com propa³sito e competaªncia. Mas eu acreditava que, apesar de atraente, a analogia da guerra oculta muitas diferenças importantes. Em primeiro lugar, os jovens combatem um inimigo humano nas guerras, não uma força impessoal. Ainda assim, quando decidimos escrever este artigo, pensamos que, como a noção de estar em guerra permanece tão atraente, vejamos por que isso éconvincente e como o registro real na Segunda Guerra Mundial se compara ao coletivo quase sentimentalizado memória. E o registro anã, como Ian disse, que tropea§amos muito tentando organizar a economia, e nosso esfora§o foi cercado por todo tipo de dificuldades organizacionais.

Acho que hoje podemos encontrar um paralelo com relação aos testes para o COVID-19. Por que nossopaís não pode apresentar testes quase universais da maneira que a Coranãia do Sul, Taiwan e outros lugares tem? Temos nos envolvido bastante nisso, porque não estãoclaro como coordenar essas respostas.

Charles Maier, professor de pesquisa de história de Leverett
Saltonstall e corpo docente residente do CES.
Foto cortesia do Centro de Estudos Europeus

Outro objetivo do artigo era apontar que muitos americanos e, mais ainda, os brita¢nicos estavam pensando na sociedade do pa³s-guerra. Para alguns, o medo de recair na depressão era preocupante. Outros que pensavam nos desafios econa´micos e geopola­ticos antes de 1941 perguntaram: "Como queremos ir além do status quo anterior e criar uma Amanãrica mais justa?" Nosso artigo pede aos cidada£os que analisem os problemas existentes antes do coronava­rus e usem essa oportunidade para pensar em como resolvaª-los.

Se o planejamento da paz era uma meta para o período pa³s-guerra, as relações transatla¢nticas se tornavam uma das grandes realizações do período pa³s-Segunda Guerra Mundial. Em seu artigo, vocêdeclara que, da mesma forma, "a era pa³s-pandemia oferece um momento para renovar os compromissos pa³s-1945". O que a história das relações transatla¢nticas ou das organizações internacionais nos ensina sobre o potencial de retornar aos compromissos internacionais?

MAIER: Eu acho que temos que desagregar a pergunta um pouco. Embora muitos membros da chamada elite da pola­tica externa vislumbrem uma parceria anglo-americana conta­nua, a criação de um compromisso transatla¢ntico conta­nuo foi, na verdade, mais um momento da Guerra Fria. Envolveu mais do que a aliana§a com a Gra£-Bretanha e exigiu a entrada de alema£es no relacionamento transatla¢ntico, especialmente quando a divergaªncia com a Raºssia se tornou ameaa§adora. Quase ninguanãm em 1945 estava pensando em criar uma arquitetura que inclua­sse o inimigo que hava­amos trabalhado tanto para derrotar. Ao mesmo tempo, poranãm, em contraste com os anos após a Primeira Guerra Mundial, o eleitorado americano estava pronto para aceitar a participação em uma estrutura global que era uma conseqa¼aªncia da aliana§a de guerra, que já era denominada Nações Unidas. Mas não acho que os americanos tenham considerado o "transatlanticismo" como tal. Como historiador, acho importante entender as distinções. Dito isto, acredito firmemente no valor dos compromissos transatla¢nticos e de outros compromissos internacionais em geral - minha vida de consciência pola­tica abrange a era em que os Estados Unidos ajudaram a construir uma estrutura de instituições internacionais que agora estamos tentando desmantelar - e eu espero que possamos renovar a abertura ao mundo que mantivemos aproximadamente desde o pa³s-Segunda Guerra Mundial atéo atual governo.

Ha¡ uma grande diferença agora. Os americanos chegaram a  conclusão, durante e após a Segunda Guerra Mundial, de que nossa posição e liderana§a eram mais bem garantidas, ancorando-a em instituições multinacionais. Então, investimos nessas instituições. Mas ta­nhamos uma classe pola­tica muito diferente encarregada dopaís naquele momento do que hoje. Ainda assim, acho que éhora de renovarmos nossos investimentos em instituições e talvez essa crise volte a esse ponto. a‰ difa­cil parar os va­rus na fronteira e dizer: "Gostara­amos de ver seu cartão verde".

Esta crise levantou a questãoda liderana§a. Que implicações a abordagem para esta crise nospaíses dos EUA e da Europa tem para suas respectivas sociedades e globalmente após a crise?

"a‰ importante comea§ar a pensar o quanto antes sobre as consequaªncias, e as medidas que o governo tomar agora tera£o efeitos e implicações cascatas nos pra³ximos anos."

- Ian Kumekawa

MAIER: Acredito que uma crise como a atual expaµe todas as falhas em uma sociedade que existia anteriormente. Podemos vaª-lo nestepaís onde taxas desproporcionais de vitimas devastam os pobres e afro-americanos por muitas razaµes: condições de vida menos vantajosas, condições de saúde pré-existentes relacionadas a  renda e emprego nos setores mais vulnera¡veis. Na recuperação, eles estara£o entre aqueles que precisam trabalhar, talvez em situações perigosas.

Se a crise atual pode nos ajudar a superar as intensas divisaµes políticas existentes nos EUA, não me atreveria a dizer. O colunista do [New York Times] David Brooks tem o prazer de descobrir, ele relata, que os americanos aprenderam o quanto eles realmente compartilham. Eu sou mais duvidoso. Talvez por se tratar de uma guerra real com inimigos humanos, a Segunda Guerra Mundial ajudou a superar as intensas divisaµes na Amanãrica durante a década de 1930 e atéPearl Harbor. E durante a guerra [Franklin D.] Roosevelt colocou os republicanos em posições de liderana§a. a‰ muito cedo para saber se a atual crise reduziu o partidarismo aqui.

Pode ser mais fa¡cil gerenciar o partidarismo em um regime parlamentar de três séculos de idade. Os brita¢nicos julgaram Winston Churchill, que os levou a  vita³ria na Europa e o retirou do cargo antes mesmo do fim da guerra na asia, porque eles sentiram que seu partido não estava comprometido com a Commonwealth do pa³s-guerra, como muitos deles imaginavam. .

KUMEKAWA:  Como nota de rodapanã, o slogan do Partido Trabalhista que varreu as eleições na Gra£-Bretanha [em 1945] era "Ações justas para todos". Em nosso artigo, instamos as pessoas a comea§arem a pensar sobre as consequaªncias de nossa própria crise, especificamente como seria um cena¡rio social desejável pa³s-crise. Os brita¢nicos, pelo menos durante a Segunda Guerra Mundial, estavam pensando não apenas em liderana§a, mas também em sua visão para a sociedade. O resultado foi a eleição decisiva em 1945, que inaugurou o estado de bem-estar social.

Uma das outras coisas de que falamos no artigo écomo o Coronava­rus expa´s um desprezo generalizado nos Estados Unidos pela ciência e pelo conhecimento cienta­fico. Isso fica claro se vocêobservar as mensagens dos lideres pola­ticos nos EUA versus os da Europa, certamente nas democracias liberais na Europa. Os lideres estãomuito mais dispostos a seguir o exemplo de especialistas cienta­ficos. Seus constituintes esperam isso e olhariam desconfiados para os lideres que estãoflagrantemente desconsiderando os conselhos de especialistas cienta­ficos. Eu acho que éuma diferença que vocêvaª nestepaís.

Ian Kumekawa, Ph.D. candidato na história e afiliado
de um aluno de graduação do CES.
Foto cortesia do Centro de Estudos Europeus

O que a crise do COVID-19 significa para o futuro da Europa?

MAIER: O COVID-19 colocou a questãoem que medida os lideres europeus deixara£o a Unia£o Europanãia ser a unidade que abordara¡ o futuro. Atéagora, cadapaís seguiu diferentes respostas de saúde. Sera¡ fa¡cil para muitospaíses europeus olhar para trás e dizer que as medidas de saúde pública, tanto a nossa quanto a de nossos vizinhos europeus, deveriam ter sido diferentes nos primeiros meses. Um ponto impla­cito no artigo éque sempre havera¡ uma maneira melhor de responder. Havia para a China. Havia para a Ita¡lia. Havia para a Gra£-Bretanha. O impacto diferente da doença trara¡ obviamente diferentes encargos financeiros e econa´micos. A questãoéatéque ponto os lideres europeus do norte - Alemanha ou Holanda - estara£o dispostos a coletivizar alguns dos encargos que surgem das taxas diferenciais da infecção.

Enquanto isso, outras questões difa­ceis, que já haviam se tornado agudas, predominantemente migração, voltara£o a se destacar. O federalismo pode nos salvar nos EUA, onde Washington parece tão disfuncional, mas não acredito que os apelos ana¡logos a  subsidiariedade sirvam melhor a  UE. Uma unia£o que não pode se unir na adversidade seria uma grande decepção hista³rica.

Vocaª observa em seu artigo que, durante a guerra, havia esperana§a nos EUA de que os esforços de mobilização resultariam em direitos aprimorados para mulheres e afro-americanos, por exemplo, mas isso nunca se materializou e, de fato, regrediu.

MAIER: As perspectivas para o futuro mudaram rapidamente. (Parte disso vem dos hábitos profissionais. Os jornalistas sempre dizem, como fizeram depois do 11/9, que nada seráo mesmo. Os historiadores gostam de dizer que não hánada novo.) Apa³s a Segunda Guerra Mundial, muitos observadores e intelectuais europeus esperavam algum tipo de transformação quase-socialista das economias capitalistas. Dentro de alguns anos, a promessa visiona¡ria que veio com a vita³ria parecia ter desaparecido, e a pola­tica voltou ao que após a Primeira Guerra Mundial foi chamado de retorno a  normalidade. Em um momento, como o presente, étentador acreditar que nada pode permanecer o mesmo. Mas isso seráum momento transformador? Parece impossí­vel não ser, mas, a longo prazo, muitos momentos transformadores não se transformam. Isso éum desperda­cio em alguns aspectos, mas inevita¡vel em outros aspectos.

"a‰ difa­cil parar os va­rus na fronteira e dizer: 'Gostara­amos de ver seu cartão verde'."

- Charles Maier

KUMEKAWA:  Esse éum dos temas do trabalho de Charlie: a importa¢ncia da estabilidade e as maneiras pelas quais as sociedades e os governos lidaram e capitalizaram o desejo de estabilidade. Eu acho que éimportante não subestimar o valor que as pessoas colocam ao retornar ao "normal".

Ao mesmo tempo, poranãm, éimportante focar em como isso seráum ponto de inflexa£o para milhões de pessoas nestepaís que vivem em precariedade econa´mica ou a  beira da precariedade econa´mica. Temos abordado essa questãoem termos de grandesmudanças estruturais, se este seráum momento transformador para a estrutura da economia ou a estrutura da sociedade. Estas são perguntas em aberto. Penso que a questãode saber se seráum momento transformador na vida de milhões de pessoas, pelo menos a manãdio prazo, não anã. A turbulaªncia econa´mica e as perdas pessoais que foram experimentadas e continuara£o sendo vividas são incrivelmente profundas.

Se avana§armos 20 a 30 anos, o que os historiadores considerariam os momentos decisivos dessa crise para mudança?

MAIER: Uma guerra ou crise age como uma lupa que focaliza a luz do sol atéo ponto em que pode incendiar o papel. Acelera a história. Em termos qua­micos, pode ser um catalisador. a‰ menos frequentemente o criador dos desenvolvimentos do pa³s-guerra. O que me deixou sãobrio ao revisar a história da epidemia de gripe de 1918-1919 éo quanto poucos vesta­gios litera¡rios restavam, dado seus terra­veis peda¡gios de 40 a 50 milhões de pessoas. Provavelmente porque foi ofuscada pela enorme guerra mundial que acabou de terminar, que provavelmente custou "apenas" metade do número de vidas. Mas a Grande Guerra de 1914-1918, afinal, foi uma guerra real que reivindicou todas as energias do luto nacional. Nãohámemoriais nacionais para a va­tima desconhecida da "gripe espanhola". Talvez devamos aprender a melhor forma de comemorar nossas vitimas e hera³is atuais.

KUMEKAWA: Eu acho que os historiadores são melhores cassandras do que ora¡culos. O que sugerimos no artigo éque, se não planejarmos bem o resultado, não teremos um bom resultado. Como historiadores, não estamos tão bem equipados para fazer previsaµes futuras mais abrangentes. Uma maneira de responder sua pergunta, no entanto, épensar nos textos que eu usaria para ensinar o momento presente. O que imediatamente vem a  mente éo enderea§o "Es ist Ernst" de Angela Merkel. Seria instrutivo, eu acho, para os alunos comparar isso com uma das conferaªncias de imprensa de Trump.

 

.
.

Leia mais a seguir