Humanidades

Estudo revela perfil do brasileiro que descumpre isolamento social durante pandemia de Covid-19
Estudo desenvolvido por doutoranda da UnB, Janãssica Farias, identifica principais motivos que levam alguns brasileiros a ignorar as medidas de isolamento social contra o novo coronava­rus
Por Marcela D'Alessandro - 22/05/2020


Estudo desenvolvido por doutoranda da UnB identifica principais motivos que levam
alguns brasileiros a ignorar as medidas de isolamento social contra o novo
coronava­rus. Foto: Lucio Bernarno Jr/Agência Brasa­lia

Renda, status profissional e posição pola­tica afetam, de fato, o comportamento das pessoas em relação ao isolamento social osmedida de combate ao novo coronava­rus adotada no Brasil e em diversos outrospaíses. Foi o que constatou a pesquisa realizada por Janãssica Farias, estudante de doutorado do Programa de Pa³s-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasa­lia.

Entre 31 de mara§o e 3 de abril, ela entrevistou 2.056 indivíduos de 25 Unidades da Federação por meio de formula¡rio eletra´nico. Com idades entre 18 e 88 anos, os participantes são majoritariamente mulheres (72%), com alto grau de instrução (56,7% tem curso de pós-graduação em andamento ou conclua­do) e com renda entre quatro e dez sala¡rios ma­nimos. As cinco regiaµes dopaís foram contempladas no estudo.

De acordo com a doutoranda, no grupo analisado, estudantes e desempregados demonstraram maior intenção de violar o isolamento social. Já os aposentados tiveram a menor intenção.

“Pessoas com menor renda, sem estabilidade profissional e com posicionamento no espectro pola­tico de direita tendem a violar mais o isolamento. Pessoas com alta intolera¢ncia a incerteza, uma varia¡vel que se relaciona com a ansiedade, também”, conta Janãssica Farias.

As varia¡veis em foco na pesquisa foram três: atitude quanto ao distanciamento social, intenção de viola¡-lo e opinia£o relativa a declarações dadas pelo presidente da República. Além destas, também foram consideradas a intolera¢ncia a incerteza, o partidarismo pola­tico, o status profissional e a renda percebida pelos participantes.

“Sobre intolera¢ncia a incerteza e ansiedade, érelevante fornecer suporte psicola³gico para as pessoas que estãoapresentando grau de ansiedade mais elevado, já que esse tem demonstrado ser um fator que interfere na violação do isolamento social e, portanto, no combate a  pandemia”,


No artigo, a pesquisadora afirma que o posicionamento pola­tico tem impacto significativo nas atitudes referentes ao isolamento social: as pessoas tendem a questionar mais ou menos as medidas restritivas conforme suas crena§as políticas. “a‰ importante não polarizar o combate ao va­rus porque acabar com essa pandemia estãono interesse de todos, independentemente de partido pola­tico”, destaca a doutoranda.

POLaTICAS PašBLICAS –

A intenção de Janãssica Farias éque os achados de sua pesquisa possam subsidiar governadores e demais autoridades a direcionar as atuais políticas públicas de combate a  Covid-19. “O investimento em políticas de transferaªncia de renda éessencial para que as pessoas de renda mais baixa possam permanecer em casa”, constata. Hoje épossí­vel ter auxa­lio financeiro dos governos federal e distrital, além de outros dispona­veis, conforme a situação do requerente.

Janãssica Farias aplicou questiona¡rios virtuais com 63 itens para serem respondidos.
Foto: arquivo pessoal
 
“Sobre intolera¢ncia a incerteza e ansiedade, érelevante fornecer suporte psicola³gico para as pessoas que estãoapresentando grau de ansiedade mais elevado, já que esse tem demonstrado ser um fator que interfere na violação do isolamento social e, portanto, no combate a  pandemia”, avalia.

Janãssica Farias sugere a formação de parcerias entre governos e universidades, por exemplo, para fornecerem tal suporte. “O ideal seria um atendimento on-line para não desrespeitar as medidas de isolamento social, e não colocar psica³logos nem pacientes em risco”, completa a doutoranda.

Na UnB, o Centro de Atendimento e Estudos Psicola³gicos (Caep), vinculado ao Instituto de Psicologia, tem a finalidade de prestar servia§os psicola³gicos a  comunidade acadaªmica e a  sociedade de modo geral, e tem oferecido plantão de apoio emocional durante a pandemia. Por meio de escuta pontual, qualificada e acolhedora, terapeutas ajudam as pessoas a organizarem os sentimentos e lidarem com as emoções e os desafios aºnicos desse período.

Em regra, a marcação de atendimentos éfeita somente por telefone a s segundas-feiras, a partir das 8h30, no número (61) 3107-1680. Durante o período de isolamento social, poranãm, épossí­vel marcar em outros dias da semana, conforme a disponibilidade dos profissionais. Para isso, énecessa¡rio mandar mensagem pelo aplicativo WhatsApp nos hora¡rios indicados na pa¡gina do centro, diretamente para os telefones divulgados pelos terapeutas.

O número de vagas érestrito. Caso todos estejam ocupados no momento do contato, épossí­vel ainda ligar para o Centro de Valorização da Vida (CVV) no telefone 188.

O subcomitaª de saúde mental e apoio psicossocial do Comitaª Gestor do Plano de Contingaªncia da Covid-19 (Coes), liderado pela Diretoria de Atenção a  Saúde da Comunidade Universita¡ria Dasu/DAC, também estãorealizando diversas atividades de acompanhamento psicola³gico e psicossocial, de forma remota, para toda a comunidade (professores, estudantes e técnicos administrativos). Contatos podem ser feitos por meio do e-mail dasu@unb.br. Para saber mais, acesse o Boletim do Coes. 

 PSICOLOGIA SOCIAL 

Este campo da psicologia contribui de diferentes formas para a sociedade, mas, de forma especial, pode fornecer contribuições fundamentais para o enfrentamento de emergaªncias como essa que se vive atualmente por conta da Covid-19.

A psicologia social interpreta diversos comportamentos da sociedade e pode auxiliar
na elaboração de políticas públicas. Foto: Daªnio Simaµes/Agência Brasa­lia
 
“A psicologia social contribui para a compreensão de algumas varia¡veis que interferem nesse tipo de comportamento e, assim, pode auxiliar na elaboração de políticas públicas de combate a  pandemia”, explica Janãssica Farias.

“Esse ramo da psicologia estuda o comportamento das pessoas em sociedade. Então, pensei em pesquisar a violação do isolamento social, que éuma das medidas mais eficientes no combate a  pandemia. Esse comportamento envolve violação de normas, que éalgo que eu já estudo no meu doutorado. Gostaria de contribuir de alguma forma”, declara a estudante, que deve concluir o curso atéfevereiro de 2022.

O docente Ronaldo Pilati, orientador de Janãssica e coautor do artigo em questão, lembra que a intenção da dupla foi entender os fatores que influenciam na adesão ao distanciamento social.

“Na psicologia social consideramos fatores do indiva­duo, da situação social imediata em que esse indiva­duo se encontra e a forma como ele compreende e interpreta a realidade a  sua volta para entendermos como as pessoas se comportam nos diversos ambientes em que vivem. No caso especa­fico, nosso alvo foi compreender a adesão ao distanciamento social”, conta.

Pilati destaca que os resultados encontrados indicam que o sucesso de uma pola­tica de isolamento apenas ocorre se estratanãgias de intervenção nas atitudes da população também forem trabalhadas.

“Sem discursos contradita³rios e não enquadrando as ações de combate a pandemia no a¢mbito da polarização pola­tica que vive opaís nos últimos anos”, ressalta.

O artigo de Janãssica Farias e Ronaldo Pilati foi submetido a uma revista cienta­fica internacional e estãoem análise no momento. A versão preliminar com os dados obtidos, em inglês, estãodispona­vel para consulta on-line.

 

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