Humanidades

Pesquisadores da UFF coordenam estudo global sobre os impactos da COVID-19 nos sistemas de justia§a
Além da crise humanita¡ria, o surto também provoca maºltiplos impactos no cena¡rio global e as consequaªncias seguem imprevisa­veis.
Por Fernanda Nunes - 14/06/2020

Crédito da fotografia: Pixabay

A pandemia do COVID-19 surpreendeu todas as nações do planeta e estãodesencadeando a busca por mecanismos eficientes para conter a disseminação da doena§a. Além da crise humanita¡ria, o surto também provoca maºltiplos impactos no cena¡rio global e as consequaªncias seguem imprevisa­veis. Em função disso, o docente Cleber Alves e o doutorando Diogo Esteves, ambos do Programa de Pa³s-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD), juntamente pesquisadores internacionais vinculados ao "Global Access, to Justice Project", coordenaram um trabalho pioneiro intitulado “Estudo global sobre os impactos do COVID-19 nos sistemas de justia§a”. O objetivo éavaliar os impactos ambivalentes da pandemia nos modelos judicia¡rios de todo o mundo e o grau de comprometimento do Estado de Direito diante desse cena¡rio.

Diogo Esteves explica que a pesquisa possui cara¡ter empa­rico e que foram coletados dados quantitativos e qualitativos de 51países entre 07 e 27 de abril de 2020: áfrica do Sul, Austra¡lia, Banãlgica, Brasil, Bulga¡ria, Camboja, Canada¡, Cazaquistão, Chile, China, Cingapura, Cola´mbia, Cuba, Chipre, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Equador, Etia³pia, Finla¢ndia, Frana§a, Gea³rgia, Holanda, Honduras, Hungria, andia, Irlanda, Ita¡lia, Japa£o, Kosovo, Litua¢nia, Maceda´nia do Norte, Malawi, Maldivas, Monga³lia, Nama­bia, Nepal, Nova Zela¢ndia, Paquistão, Pola´nia, Portugal, Quaªnia, República Democra¡tica do Congo, Serra Leoa, Seychelles, Taiwan, Tajiquistão, Tanza¢nia, Vanuatu, Za¢mbia e Zimba¡bue.

“Como forma de viabilizar a coleta rápida e uniformizada de dados, a pesquisa utilizou a metodologia de questiona¡rio semiestruturado, sendo as respostas apresentadas por pesquisadores dos campos jura­dico e sociojura­dico, por profissionais de direito dos setores paºblico e privado, diretores de instituições de assistaªncia jura­dica, funciona¡rios paºblicos de elevado escala£o e formuladores de políticas públicas de cadapaís analisado”, relata o doutorando.

“Em 25% dospaíses, os governos adotaram medidas de concentração de poder nas ma£os do chefe do Executivo ou da autoridade governamental equivalente. O caso mais ica´nico éo ‘Ato de Autorização’ (Ato XII de 2020 para a Contenção do Coronava­rus), aprovado pelo Parlamento da Hungria, que autoriza o governo de Viktor Orba¡n a introduzir restrições significativas, praticamente sem limite de tempo, sem debate prévio no parlamento ou garantia de revisão constitucional rápida e eficaz”,

Diogo Esteves

"A crise econa´mica desencadeada pelas medidas de isolamento social já tem gerado em algunspaíses a perspectiva de cortes no ora§amento da assistaªncia jura­dica e isso provavelmente perdurara¡ pelo futuro pra³ximo", Cleber Alves

A pesquisa apurou, por exemplo, que a maior parte dospaíses deixou de adotar ações setoriais para conter a violência doméstica e familiar durante o isolamento social e permaneceu omissa na implementação de alternativas habitacionais em prol das pessoas em situação de rua. Diante desses dados, uma das conclusaµes que Diogo destaca éque, enquanto a epidemia avana§a por 31% das nações em desenvolvimento analisadas no estudo, violações aos direitos humanos estãosendo cometidas sob o pretexto de mitigar a ameaça do COVID-19.

“Em 25% dospaíses, os governos adotaram medidas de concentração de poder nas ma£os do chefe do Executivo ou da autoridade governamental equivalente. O caso mais ica´nico éo ‘Ato de Autorização’ (Ato XII de 2020 para a Contenção do Coronava­rus), aprovado pelo Parlamento da Hungria, que autoriza o governo de Viktor Orba¡n a introduzir restrições significativas, praticamente sem limite de tempo, sem debate prévio no parlamento ou garantia de revisão constitucional rápida e eficaz”, destaca Esteves.

Por outro lado, o pesquisador pontua que, no a¢mbito dos sistemas prisionais, 47% das nações adotaram medidas de soltura tempora¡ria de detentos como forma de tentar reduzir o risco gerado pela COVID-19, já que na grande maioria dospaíses a alocação de presos em celas individuais se torna invia¡vel diante da superlotação dos presa­dios. “As medidas mais empregadas foram as restrições a  visitação das pessoas encarceradas, sendo ressalvado, em determinadas nações, o direito a  visita por advogados. Para amenizar os efeitos da suspensão, algunspaíses tem utilizado videoconferaªncias, e também ampliado o direito dos internos a ligações telefa´nicas e viabilizado mais acesso a  televisão”.

O docente Cleber Alves acrescenta que, em relação aos servia§os judicia¡rios, um esfora§o mundial estãosendo realizado rumo a  sua reorganização frente a  pandemia. “Houve a adoção majorita¡ria do trabalho remoto e a opção pela suspensão tempora¡ria de audiaªncias, prazos processuais e atendimentos presenciais, salvo em casos considerados urgentes pelas legislações locais. O surto também tem forçado a busca por meios tecnola³gicos como forma de evitar o contato pessoal e viabilizar o acesso a  justia§a, garantindo a continuidade do atendimento a  população. A insuficiência de recursos e a adoção de soluções improvisadas, entretanto, acabam comprometendo a capacidade de manter na­veis normais de acesso a  justia§a na maioria dospaíses estudados”, ressalta.

O professor afirma que a conjuntura da COVID-19 adiciona novas barreiras de acesso a  justia§a. “Ha¡ algumas décadas, estudos interdisciplinares sobre acesso aos sistemas judiciais identificam obsta¡culos de diversas espanãcies que atrapalham os cidada£os a encontrar soluções para a administração dos conflitos que surgem na vida em sociedade. O atual quadro de incerteza aprofunda essas dificuldades e mina a estabilidade desses sistemas. A crise econa´mica desencadeada pelas medidas de isolamento social já tem gerado em algunspaíses a perspectiva de cortes no ora§amento da assistaªncia jura­dica e isso provavelmente perdurara¡ pelo futuro pra³ximo. Para superar essas questões, épreciso muita criatividade e proatividade. Diante disso, a coleta de dados pode ser de grande utilidade na compreensão de possa­veis respostas para os empecilhos do acesso a  justia§a nesse momento de pandemia”, conclui.

 

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