Humanidades

Quatro décadas sem Vinicius de Moraes
O encontro entre o erudito e o popular na obra do poeta carioca continua a encantar, 40 anos depois da sua morte
Por Maria Laura López - 09/07/2020


O compositor Vinicius de Moraes, que morreu háexatos 40 anos 

“Pela maneira aberta como sempre recebeu jovens para dar conselhos ou parceiros para colocar letra e música, ele foi um poeta amplo, cuja extensa obra musical inspirou e cercou de amor, em algum momento, a mais brasileiros do que qualquer coisa”, como estãoescrito na contracapa do Álbum Testamento Vol. 2, lana§ado logo após a morte de Vinicius de Moraes, em 9 de julho de 1980. O autor éo musica³logo e jornalista brasileiro Zuza Homem de Mello, que hoje, 40 anos depois, relembra o artista multifacetado que foi Vinicius de Moraes (1913-1980).

Amplamente reconhecido pelo trabalho realizado na música popular brasileira, Vinicius foi antes de tudo um exa­mio poeta. “No poema vocêtem uma liberdade de rimas e de manãtrica que não tem na letra de música, porque ela estãosubmissa a uma melodia”, afirma Zuza. Segundo ele, fazer poesia e fazer música são coisas muito diferentes, especialmente na visão dos poetas que atémenosprezaram Vinicius por escolher esse caminho, julgando a composição musical como inferior a  poesia. “Ele já éum poeta consagrado quando comea§a a fazer letras de música nos anos 1950, e na anãpoca isso foi considerado um retrocesso.” 

Na opinia£o do musica³logo, letras de música são atémais trabalhosas de serem feitas, pela necessidade  de acompanhar uma melodia preestabelecida. “Mas a adaptação de Vinicius, do poema para a música, foi extremamente rápida. Ele já comea§a fazendo letras sensacionais”, conta Zuza, lembrando o ano de 1956. Nessa anãpoca, Vinicius escreve a pea§a Orfeu da Conceição, na qual também éresponsável pelas letras da trilha sonora, enquanto Anta´nio Carlos Jobim se encarrega das melodias. “Essa foi a primeira experiência daquilo que seria, em algum tempo, a chamada obra da dupla Tom e Vinicius.”

A importa¢ncia da parceria na canção brasileira se deu em grande parte pela experiência de Vinicius como poeta. A sofisticação de suas letras o colocava em uma posição de destaque na anãpoca, segundo Zuza. “Isso se deu instantaneamente. Na primeira parceria dos dois, eles já se colocam em um patamar de reconhecimento que a maioria dos compositores leva anos para atingir”, afirma o musica³logo. Daa­ nasce Se Todos Fossem Iguais a Vocaª, a música mais famosa da pea§a que inaugura o trabalho conjunto de Tom e Vinicius. 

“Depois os dois fizeram a segunda fornada, que resultou nas canções que compõem um LP fundamental da história da canção brasileira, chamado Canção do Amor Demais”, diz Zuza. O disco, interpretado por Elizeth Cardoso, écomposto de músicas como Chega de Saudade e Eu NãoExisto Sem Vocaª. “Aa­ também foi a primeira vez que apareceu o viola£o de Joa£o Gilberto, o que deu um peso importanta­ssimo para o LP”, acrescenta o musica³logo. Ainda nesse disco, épossí­vel ver canções feitas apenas por Vinicius, que também era instrumentista, e outras apenas por Tom, que também era letrista. Segundo Zuza, isso mostra como a dina¢mica deles funcionava, já que ambos entendiam um pouco do ramo um do outro. 

Dentre as várias caracteri­sticas que se notam nesse disco, lana§ado em 1958, uma éa magnitude da obra da dupla, que chega aa­ já mais amadurecida. “Algumas pessoas qualificam esse disco como sendo o primeiro da bossa nova, mas eu discordo. Ele tem duas faixas com o viola£o de Joa£o Gilberto, que depois caracterizaria o estilo musical, mas ainda não anã”, afirma o musica³logo. A parceria Tom e Vinicius dura mais quatro anos, e apresenta outras canções de grande releva¢ncia, incluindo Garota de Ipanema, apresentada em 1962 na boate Au Bon Gourmet. “Quem estava nesse espeta¡culo era aquilo que havia de melhor na bossa nova. Uma apresentação em que Vinicius, além de tudo, também cantou.”

A parceria acaba quando Tom vai para os Estados Unidos se apresentar no Carnegie Hall e por la¡ resolve ficar. Vinicius, no Brasil, comea§a a fazer parcerias com outros maºsicos, como Carlos Lyra e Baden Powell. “A dupla com Lyra gera um outro espeta¡culo chamado Pobre Menina Rica, em 1963”, conta Zuza. Na trilha sonora estãomaºsicas como Cartão de Visita, A Primavera e A Minha Desventura. No trabalho com Baden ele vai fazer os afro-sambas, como Canto de Ossanha, Lamento de Exu e Bocochanã. “a‰ um novo Vinicius que se apresenta aqui.”

De acordo com Zuza, esse momento mostra uma caracterí­stica importante do artista, que éa de se combinar perfeitamente com pessoas de uma geração que não éa dele. “a‰ uma espanãcie de juventude que estãoinserida nas letras que ele faz”, conta o musica³logo. Depois disso, as parcerias de Vinicius comea§am a ser mais amplas e espora¡dicas, saindo do modelo que ele seguiu com Jobim, Lyra e Baden. Atéque ele se junta a Toquinho e, além de compor, se mostra mais presente também no palco, cantando. “E essa éuma fase que perdura atépraticamente o final de sua vida.”

O poeta, maºsico, compositor, cantor, diplomata e roteirista Vinicius de Moraes:
obra multifacetada osFoto: Reprodução/Site Vinicius de Moraes

De poeta erudito a maºsico popular

Para o professor Ivan Vilela, que leciona Maºsica Popular Brasileira na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, a grande marca de Vinicius de Moraes foi sua transformação de uma arte mais cla¡ssica para uma mais popular. “Ele fazia parte do corpo diploma¡tico, então teve muito contato com pessoas desse mundo erudito. Quando ele vai para a música, éatravanãs da parceria dele com Jobim que encontra um tom mais coloquial”, diz Ivan. Segundo o professor, de certa forma, a música popular e a forma em que ela énarrada acabaram modificando a forma litera¡ria de Vinicius.

Ainda de acordo com Ivan, a carreira extremamente multifacetada — diplomata, poeta, cantor, compositor, roteirista — fez com que Vinicius deixasse também um extenso legado em todas essas áreas. “Mas acho que o maior deles éessa humildade de alguém que carrega uma bagagem de saber erudito se encantar e mergulhar nesse mundo do saber popular, conseguindo criar algo a partir desse encontro.”

 

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