Humanidades

Lições de Hiroshima, 75 anos depois
Estudiosos e especialistas compartilhem seus pensamentos sobre o 75º aniversa¡rio do bombardeio ata´mico americano de Hiroshima.
Por Kristen de Groot - 06/08/2020


Imagem aanãrea de Hiroshima após o bombardeio ata´mico americano em 6 de agosto de 1945.

6 de agosto marca o 75º aniversa¡rio do bombardeio ata´mico americano de Hiroshima, a primeira vez que uma arma nuclear foi usada. Traªs dias depois, uma segunda bomba foi lana§ada sobre Nagasaki, levando a  rendição do Japa£o e ao fim da Segunda Guerra Mundial. As duas bombas mataram mais de 200.000 pessoas. Estudiosos e especialistas do Japa£o em armas nucleares compartilharam seus pensamentos sobre o aniversa¡rio.

Linda Chance , professora associada de la­ngua e literatura japonesas no Departamento de La­nguas e Civilizações do Leste Asia¡tico.

Era uma vez um prefeito que nos desafiou a desfazer a profecia proferida sobre Hiroshima depois de 6 de agosto de 1945: 'Nada crescera¡ por 75 anos'. O prefeito Akiba Tadatoshi previu em uma Declaração de Paz de 2004 que podera­amos 'trazer uma bela “flor”' para o 75º aniversa¡rio dos bombardeios ata´micos, a saber, a eliminação total de todas as armas nucleares da face da terra '.

Era apenas uma fa¡bula. O prefeito convocou 'um tsunami antinuclear'. Em vez disso, o tsunami de 2011 expa´s como o mito 'atomos para a Paz' floresceu. Rimming Japan, os reatores colocam em risco a costa os benefa­cios de curto prazo que Haruki Murakami, o fabulista, criticou em seu discurso na Catalunha como "eficiência".

Existe esperana§a? As ervas daninhas retornaram em pouco tempo, mal cobrindo a dor e o perigo da cidade. Palavras surgiram de testemunhas oculares como Tamiki Hara, Yōko ÅŒta, Sadako Kurihara e Kyōko Hayashi. Essas vozes falam o indiza­vel, ainda 75 anos depois que o governo dos Estados Unidos lançou a única bomba atômica sobre uma população civil - duas vezes - quantos americanos prestam atenção nelas? Os jovens leitores podem conhecer a sanãrie de manga¡ anti-guerra 'Barefoot Gen', mas vimos os murais de Maruki, saboreamos os ensaios de Kenzaburōe ou assistimos a versão cinematogra¡fica de 'Black Rain?', De Masuji Ibuse. Agora éa hora.

Agora, enquanto reescrevemos nossa história nacional, as fa¡bulas do passado - dissuasão nuclear, racismo, desigualdade, exploração climática - devem ser inconta¡veis. Setenta e cinco anos a partir de hoje as pessoas devem dizer: 'Era uma vez, nada cresceu além de mentiras e misanãria;' as criana§as devem gritar 'De jeito nenhum!' quando ouvem que gerações haviam abrigado esses dela­rios. Esta éa minha opinia£o da literatura japonesa.

Frederick Dickinson , professor de história japonesa e diretor do Centro de Estudos do Leste Asia¡tico .

As narrativas nacionais prosperam em contos de vitimização, não de transgressão. A China, em 1985, construiu um museu para o Massacre de Nanjing de 1937, que os conservadores japoneses rotineiramente descartam como uma fabricação. O Museu Memorial de Hiroshima foi inaugurado em 1955 e abriga uma grande comemoração anual, mas o primeiro presidente americano a visitar foi Barack Obama hápenas quatro anos.

Tiramos o chapanãu ao presidente Obama por não apenas visitar, mas reconhecer o "fim brutal" da Guerra do Paca­fico e agir de acordo com uma lição importante de Hiroshima. Obama declarou em 2016 'os EUA' devem ter a coragem de escapar da lógica do medo e perseguir um mundo sem 'armas nucleares. Ele cortou os estoques nucleares americanos em 553 ogivas.

Infelizmente, quanto mais nos afastamos temporalmente de Hiroshima, menor a probabilidade de agirmos construtivamente sobre suas lições. O primeiro-ministro japonaªs Shinzo Abe proclama consistentemente o Japa£o como a única va­tima mundial da guerra nuclear a pressionar por um mundo livre de armas nucleares. Enquanto isso, sob protestos paºblicos intensos, ele aumentou drasticamente as capacidades militares japonesas e reativou usinas nucleares depois de Fukushima. Donald Trump agora fala em retomar os testes nucleares pela primeira vez desde 1992.

As armas nucleares não venceram a guerra contra o Japa£o. Como Tsuyoshi Hasegawa (2005) e Yukiko Koshiro (2013) argumentaram convincentemente, uma declaração de guerra do poder com que os estadistas japoneses esperavam negociar termos, a Unia£o Sovianãtica, era a chave. Nesse contexto, Hiroshima émenos importante como o fim de uma guerra calamitosa do que como o começo do que o Presidente Eisenhower classificaria como um complexo industrial militar americano iminente.

Vista da destruição de Hiroshima após o bombardeio.
 
Avery Goldstein , o professor David M. Knott de Pola­tica Global e Relações Internacionais no Departamento de Ciência Pola­tica, diretor inaugural do Centro de Estudos da China Contempora¢nea e diretor associado do Centro Christopher H. Browne de Pola­tica Internacional. 

Felizmente, desde o bombardeio ata´mico de Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945, as armas nucleares foram usadas apenas como força mantida em reserva para apoiar as ameaa§as. Estados com armas nucleares, inseguros de que podem evitar ataques devastadores de retaliação, se abstiveram de intensificar seus confrontos envolvendo o uso da força militar e, em vez disso, administraram cautelosamente suas crises. O temor distintivo sobre o que poderia dar errado quando as armas nucleares estãoem jogo tem sido uma restrição tão potente que atémesmo o escasso arsenal da Coreia do Norte dissuadiu um incomparavelmente poderoso EUA de ceder a  tentação de lana§ar um ataque preventivo desarmante. A revolução nuclear efetivamente tornou obsoleto o antigo ca¡lculo sobre o equila­brio de poder e o uso da força militar. E ainda, 

O renascimento das alegações sobre a plausibilidade do combate a s guerras nucleares, mais o foco na ofensa e na defesa do que na dissuasão, reflete novas tecnologias que revertem o veredicto da revolução nuclear? Ou são 'ideias de zumbis' cujas falhas fatais sera£o novamente reveladas a  medida que os analistas de hoje redescobrem as falhas identificadas décadas atrás, mas cuja releva¢ncia foi esquecida? Setenta e cinco anos após Hiroshima, essas são questões de pola­tica pública de extrema importa¢ncia. Pola­ticas enraizadas na crena§a de que as velhas lições e as duras realidades da era nuclear não mais pertencem aumentam o risco sempre presente de instabilidade durante uma crise futura. 

Embora se possa esperar que os velhos medos sobre o que poderia dar errado tornem prova¡vel que a cautela se aplique e que conflitos catastra³ficos sejam evitados, não hágarantias. Nesse sentido, outra lição do bombardeio ata´mico de Hiroshima deve ser reconhecida: quando as guerras comea§am, nunca se pode ter certeza de onde e como elas terminara£o.

Michael C. Horowitz , diretor da Perry World House e autor de "A difusão do poder militar: causas e conseqa¼aªncias para a pola­tica internacional".

O 75 º aniversa¡rio do bombardeio de Hiroshima éuma oportunidade para refletir sobre um dos mais importantes eventos na história do mundo. Marcando o ini­cio da era nuclear, Hiroshima ainda ressoa conosco hoje, porque a ameaça de devastação nuclear vista pela primeira vez la¡ permanece conosco também. 

Enquanto o mundo recuou do limiar nuclear na última parte da Guerra Fria, a tecnologia não pode ser colocada de volta em uma garrafa. Paa­ses ao redor do mundo, incluindo os Estados Unidos, ainda possuem essa capacidade e estamos trabalhando para modernizar seus arsenais nucleares para o 21 st século. Mesmo que as realidades prática s da geopola­tica sigam que éprova¡vel que continue, écada vez mais importante reconhecer o terra­vel custo humano da guerra e as vidas, fama­lias e consequaªncias muito reais em jogo. 

Cada um de nostem a responsabilidade de aprender, de lembrar; os envolvidos na tomada de decisaµes sobre o uso da força tem uma responsabilidade ainda maior de não desviar o olhar. Hiroshima énossa história e nossa responsabilidade; nunca devemos esquecer o que isso significa.

O Memorial da Paz de Hiroshima.
 
Susan Lindee , Janice e Julian Bers, professora de Hista³ria e Sociologia da Ciência, cujos livros incluem "O sofrimento tornado real: a ciência americana e os sobreviventes de Hiroshima".

"Fogo Inesqueca­vel" éo tí­tulo de um livro de desenhos e pinturas de sobreviventes de bombas atômicas que apresentou suas memórias visuais das horas e dias após os atentados. Essas criações arta­sticas fornecem uma maneira de entender uma experiência que ocupa um lugar especial em geografia, tempo e história.

Alguns sugeriram que as duas cidades foram bombardeadas como experimentos. Eu sugeriria que, se Hiroshima e Nagasaki eram experimentos, também o eram Dresden, Berlim, Hamburgo e Ta³quio. As cidades destrua­das na Segunda Guerra Mundial eram locais de produção de conhecimento cienta­fico, o que eu chamo de dados colaterais. Como outros lugares bombardeados, Hiroshima e Nagasaki foram o foco de pesquisas cienta­ficas significativas, realizadas por fa­sicos, geneticistas, psica³logos, bota¢nicos, médicos e outros especialistas.

Mesmo 75 anos depois, Hiroshima e Nagasaki ainda são as únicas duas cidades que foram submetidas a ataques nucleares em tempos de guerra, e os Estados Unidos ainda são a única nação a usar armas nucleares em guerra declarada e ativa. Se tivessem sido bombardeados como quase todas as outras cidades do Japa£o, seus nomes não seriam taquigrafia para nada. Eles teriam sido queimados e destrua­dos, assim como Ta³quio, Yokohama, Iwakuni, Nagoya, Kobe, Matsuyama e Osaka. Em vez disso, eles passaram a simbolizar quase uma pausa no tempo. Ao contemplarmos essa interrupção no tempo hoje, contemplamos uma mudança para um mundo pa³s-nuclear feito por algumas das melhores mentes do século 20, os cientistas e engenheiros que construa­ram uma ma¡quina que, em teoria, poderia destruir toda a vida humana - um inesqueca­vel ato de brilhantismo e estupidez desatenta.

Jolyon Baraka Thomas , professor assistente de estudos religiosos e autor de "Faking Liberties: Religious Freedom in American-Occupated Japan".

O que tornou possa­veis os atentados a bomba de Hiroshima e Nagasaki? Os aficionados militares podem responder a essa pergunta em termos de capacidade tecnologiica. Os grandes estrategistas podem debater se os atentados foram inevita¡veis ​​ou justifica¡veis. Mas devemos considerar como se tornou atéconceba­vel para os americanos usarem tais armas contra seus semelhantes. A resposta éperturbadora porque a mesma lógica permanece em operação hoje. 

O uso de armas atômicas era uma extensão lógica da desumanização do inimigo japonaªs na ma­dia americana. Os pa´steres comparavam o povo japonaªs a vermes que precisavam de exterma­nio. As revistas mostravam rapazes soldados japoneses sequestrando mulheres americanas louras. Muito antes de as bombas atômicas caa­rem, essas imagens racionalizavam o bombardeio indiscriminado de quase todas as cidades japonesas. Os resultados foram devastadores. Por exemplo, pelo menos 100.000 civis morreram durante um aºnico ataque a Ta³quio em 10 de mara§o de 1945. Muitos outros morreram em ataques subsequentes. As bombas atômicas adicionaram insulto severo aos ferimentos graves existentes.

Hoje o Japa£o énosso aliado, não nosso inimigo. Mas os lideres pola­ticos dos EUA ainda retratam 'Outros' estrangeiros como monstros sub-humanos. As tecnologias mudaram. Os ataques de drones e as gaiolas nas fronteiras não são tão atraentes quanto as nuvens de cogumelos. Na verdade, não devemos vaª-los. Mas a contagem de corpos ainda aumenta e os não-combatentes inocentes continuam sendo os que mais sofrem. 

 

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