Humanidades

O crescimento e decla­nio da população de Rapa Nui são uma lição para o nosso futuro
Estudos paleobota¢nicos indicam que a ilha era coberta por florestas quando os primeiros colonos chegaram, com uma variedade de a¡rvores, arbustos, samambaias e grama­neas.
Por Universidade de Oslo - 03/09/2020


Os pesquisadores estudaram a história de Rapa Nui porque estavam tentando entender o que estãoacontecendo com o planeta hoje. Crédito: Bja¸rn Christian Ta¸rrissen / Wikimedia Commons CC BY-SA 3.0

A população de Rapa Nui não caiu porque os europeus vieram. Nem viveram em equila­brio ida­lico com a natureza durante séculos.

Rapa Nui - também conhecida como Ilha de Pa¡scoa - éuma das ilhas habitadas mais remotas do mundo. A ilha também écercada por vários mitos, lendas e narrativas, não apenas por causa das esta¡tuas monumentais secretas, chamadas de moai, esculpidas entre os anos 1250 e 1500. A expedição Kon-Tiki do explorador norueguaªs Thor Heyerdahl em 1947 também chamou muita atenção para Rapa nui.

Um grupo interdisciplinar com 11 cientistas do Chile, Espanha e Noruega já entregou uma forte refutação de algumas das narrativas sobre Rapa Nui e a população da ilha.

Ninguanãm sabe exatamente quando os primeiros humanos se estabeleceram em Rapa Nui, mas alguns historiadores acreditam que um pequeno grupo de colonos polinanãsios já chegou por volta de 800 a 900 DC. No outro extremo da escala, todos concordam que Rapa Nui foi povoada por volta de 1200 DC

A partir de então, os colonos de Rapa Nui passaram por uma sucessão de crises. O novo estudo mostra que as crises estavam associadas aos efeitos de longo prazo dasmudanças climáticas sobre a capacidade de produção de alimentos da ilha.

Uma história controversa

Estudos paleobota¢nicos indicam que a ilha era coberta por florestas quando os primeiros colonos chegaram, com uma variedade de a¡rvores, arbustos, samambaias e grama­neas. No entanto, o desmatamento para cultivo e a introdução do rato polinanãsio levaram ao desmatamento gradual, de modo que Rapa Nui hoje estãocoberto principalmente por pastagens.

“A história da população de Rapa Nui tem sido bastante polaªmica, e tem havido duas grandes hipa³teses sobre o seu desenvolvimento. Uma delas éa hipa³tese do ecoca­dio, afirmando que a população já sofreu um grande colapso por superexploração dos recursos naturais em a ilha. A outra hipa³tese éque ocorreu um colapso depois que os europeus chegaram a  ilha. Nossa pesquisa mostra que nenhuma dessas hipa³teses estãocorreta ", afirma o professor Mauricio Lima, da Universidade Cata³lica do Chile, em Santiago.

“Tambanãm existe um mito sobre a população de Rapa Nui vivendo em um equila­brio ida­lico com a natureza por séculos. Isso também não éverdade”, diz o professor Nils Chr. Stenseth da Universidade de Oslo, Noruega. O relatório cienta­fico apresentando suas novas descobertas foi publicado na revista Proceedings of the Royal Society Bin June e chamou muita atenção.
 
Traªs crises sociais

Um estudo mais detalhado mostra que os ilhanãus de Rapa Nui sofreram pelo menos três crises sociais durante os séculos após a colonização. A primeira crise data de 1450-1550, durante a Pequena Idade do Gelo. Decla­nio menos aparente ocorreu entre a chegada dos primeiros europeus em 1772 e 1774, por razões ainda desconhecidas. Houve também uma crise durante o século XIX, devido a  introdução de doenças epidaªmicas e ao tra¡fico de escravos. Portanto: Nenhum equila­brio ida­lico e nenhuma grande queda na população.

Mauricio Lima e Nils Chr. Stenseth queria ver mais de perto a ascensão e queda da população de Rapa Nui, pois suspeitava que havia uma lição a ser aprendida. E eles estavam certos. Primeiro, eles reuniram muitos dados disponí­veis de estudos anteriores de sa­tios arqueola³gicos, variações no clima do Paca­fico,mudanças no tamanho da população ao longo dos séculos,mudanças no florestamento e nas prática s agra­colas na ilha, e assim por diante.

Em seguida, eles integraram todos os dados em um modelo cienta­fico baseado na teoria cla¡ssica da ecologia populacional.

"Usamos esse modelo várias vezes antes, quando quera­amos identificar as razões por trás dasmudanças nas populações de outras espanãcies animais, como pequenos roedores ou espanãcies de peixes. Essa era uma pequena população humana em uma pequena ilha com recursos limitados, e parecia a³bvio que o modelo poderia produzir resultados interessantes ", disse o professor Stenseth ao Titan.uio.no.

“Para entender o que vai acontecer com uma população no futuro, épreciso saber o que aconteceu antes”, acrescenta.

Quando Stenseth e Lima usaram seu modelo e teorias para analisar os dados de Rapa Nui, a conclusão logo se tornou bastante clara.

“Os decla­nios demogra¡ficos dos Rapa Nui estãoligados aos efeitos de longo prazo dasmudanças climáticas sobre a capacidade de produção de alimentos da ilha”, explica Mauricio Lima.

Eles estavam lutando para sobreviver

Os pesquisadores e seu relatório cienta­fico descrevem como uma população pequena e flutuante lutou pela sobrevivaªncia em uma pequena e remota ilha no Oceano Paca­fico, em um ambiente que estava - e estão- em constante mudança. Esta área éfortemente afetada pelo El Nia±o osOscilação Sul (ENOS), que éuma variação irregularmente peria³dica nas temperaturas dasuperfÍcie do mar e do vento sobre o Oceano Paca­fico tropical oriental.

A fase de aquecimento da temperatura do mar éconhecida como El Nia±o e a fase de resfriamento como La Nia±a. O novo relatório mostra que Rapa Nui émaissensívela s fases frias do ENSO - La Nia±a - o que leva a  diminuição das chuvas na ilha. Isso, por sua vez, reduz a capacidade geral de produção de alimentos na ilha.

“Nãoencontramos vesta­gios de um equila­brio ida­lico com a natureza e não encontramos vesta­gios de um grande colapso. Em vez disso, encontramos vesta­gios de interações entre três fatores:mudanças climáticas, tamanho da população humana emudanças no ecossistema. O clima A mudança se manifesta como um padrãode longo prazo demudanças nas chuvas ao longo de cerca de 400 anos. A população cresceu durante o mesmo período, e os ilhanãus também aumentaram e mudaram o uso dos recursos naturais e manãtodos agra­colas ", explica Lima.

Isso explica por que não havia "equila­brio ida­lico" em Rapa Nui: édifa­cil alcana§ar um equila­brio quando o ambiente natural estãoem constante mudança.

Nils Chr. Stenseth e Mauricio Lima concordam que as pessoas em Rapa Nui estavam bem cientes dasmudanças em curso no clima e na ecologia e da necessidade de adaptação.

“Minha opinia£o éque os ilhanãus não são estavam cientes dasmudanças, mas também foram capazes de mudar a forma como viviam na ilha. Eles mudaram gradualmente da sociedade bastante complexa que ergueu as maravilhosas esta¡tuas moai, para uma posterior e mais simples sociedade agra¡ria com tamanho de familia reduzido e uma nova forma de produzir alimentos em roa§as de pedra ”, diz Lima.

Rapa Nui ontem écomo o mundo hoje

Tanto Mauricio Lima quanto Nils Chr. Stenseth enfatiza que seus novos resultados não são relevantes apenas para Rapa Nui. Coisas semelhantes aconteceram em muitas outras ilhas da Polinanãsia. Mas a importa¢ncia não para por aa­:

"A população de Rapa Nui vivia - e vive - em uma ilha pequena e remota com recursos limitados, e nosmesmos vivemos em um planeta pequeno e remoto com recursos limitados. Uma das lições deste estudo éa importa¢ncia das interações entre o clima mudança, tamanho da população humana emudanças no ecossistema ”, diz o professor Lima.

“Esses três fatores afetaram a população de Rapa Nui e também são importantes em escala global. Estudamos Rapa Nui e sua história porque estamos tentando entender o que estãoacontecendo com o planeta. Todo mundo fala sobre asmudanças climáticas e os problemas decorrentes , mas muito poucas pessoas estãofalando sobre o aumento da população global e os problemas que isso causa ", acrescenta Lima.

“Concordo plenamente com o Mauricio. A população humana no planeta Terra estãosob a influaªncia de processos ecola³gicos, assim como qualquer outra espanãcie animal em um ambiente limitado”, acrescenta Nils Chr. Stenseth.

Uma controvanãrsia cienta­fica

O professor Stenseth admite que os pesquisadores por trás deste novo relatório estãoentrando no meio de uma controvanãrsia cienta­fica.

“No passado, muitos cientistas que trabalharam neste assunto do ponto de vista arqueola³gico ou sociola³gico tiveram uma tendaªncia a ignorar a natureza, a ignorar os processos ecola³gicos. De fato, testemunhamos uma fragmentação dentro da ciaªncia, porque ecologistas e historiadores / arqueólogos foram viver em mundos diferentes. O que fizemos neste trabalho foi reunir diferentes competaªncias, tanto arqueólogos como ecologistas, para desenvolver um conhecimento mais profundo. Essa éa principal mensagem deste trabalho ", insiste Stenseth.

"Isso éverdade. A abordagem interdisciplinar énecessa¡ria para compreender Rapa Nui - e o mundo em que vivemos", acrescenta Lima.

Thor Heyerdahl como uma inspiração

O primeiro contato europeu registrado com Rapa Nui aconteceu em 1722, quando o navegador holandaªs Jacob Roggeveen chegou com três navios em 5 de abril - domingo de Pa¡scoa. Os marinheiros holandeses começam imediatamente a usar a Ilha de Pa¡scoa como nome, e isso persistiu atémuito depois da chegada de Thor Heyerdahl em 1948. Nos últimos anos, a ilha égeralmente chamada pelo nome usado pela população inda­gena .

Hoje, Rapa Nui éfamoso ao menos em parte por causa de Heyerdahl - mesmo que ele não seja mais considerado o melhor dos cientistas. Mas ele era um grande contador de histórias e por isso serviu de inspiração tanto para Mauricio Lima quanto para Nils Chr. Stenseth.

"Thor Heyerdahl équase um nome familiar também em meupaís, e lembro-me de ter lido alguns de seus livros quando era adolescente e os achei muito interessantes. Mais tarde, eu mais ou menos esqueci de Heyerdahl quando comecei a estudar biologia e ecologia. Nãopensei muito nele atéque Nils me perguntou sobre a coleta de dados em sa­tios arqueola³gicos de Rapa Nui, hálguns anos. Então, tudo voltou para mim ", conta o professor Lima.

 

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