Humanidades

A féreligiosa pode levar a benefa­cios mentais positivos, escreve o antropa³logo de Stanford
Criar um relacionamento com um outro sobrenatural exige um esfora§o que pode levar a uma mudança significativa, diz a antropa³loga Tanya Luhrmann de Stanford.
Por Sandra Feder - 14/11/2020


Doma­nio paºblico

Pessoas que acreditam que seu Deus ou deuses são reais, mesmo que a existaªncia desses seres sobrenaturais não possa ser empiricamente comprovada, hámuito tempo fascinam e confundem os cientistas. Em um novo livro, a antropa³loga de Stanford Tanya Luhrmann explora a interseção da religia£o e da ciaªncia, vinculando a profunda féreligiosa a prática s benanãficas e cientificamente comprovadas, como atenção plena e terapia cognitivo-comportamental.

Em Como Deus se torna real: Acendendo a presença de outros invisa­veis (Princeton University Press, 2020), Luhrmann explica que as prática s e narrativas religiosas podem criarmudanças profundas e positivas para as pessoas que as praticam.

“A oração émuito parecida com a terapia cognitivo-comportamental”, disse Luhrmann. “a‰ uma maneira de vocêprestar atenção a  sua própria experiência interior, deixar de lado os pensamentos que distraem e se concentrar em pensamentos mais positivos. Ao expressar gratida£o, vocêmuda a atenção da maneira como as coisas estãoindo mal para as maneiras como estãoindo bem. ”

Na introdução de seu livro, Luhrmann explica como sua bolsa de estudos éinspirada por duas caracteri­sticas simples, mas muitas vezes esquecidas, da religia£o. “Em primeiro lugar, a religia£o éuma prática em que as pessoas se esforçam para fazer contato com um outro invisível. Em segundo lugar, as pessoas religiosas querem mudança. Eles querem se sentir de forma diferente do que sentem ”, escreve ela. “No entanto, em vez de explorar essas caracterí­sticas, a maioria das teorias da religia£o comea§a tratando a crena§a em um outro invisível como algo dado como certo e como um erro cognitivo.”

“Pessoas que tem uma mentalidade iluminista - focada no pensamento racional e cienta­fico - essas pessoas muitas vezes desconsideram essas coisas e não confiam tanto em sua imaginação”

Luhrmann argumenta que os indivíduos de fémuitas vezes tem que trabalhar duro para tornar reais os seres sobrenaturais e que aqueles que são capazes de fazer isso experimentammudanças aºteis. “Se tiverem sorte, eles sera£o capazes de atender aos seus pensamentos de maneira diferente, sentir-se mais calmos e amados”, disse ela. E esses resultados positivos reforçam as prática s religiosas, encorajando o compromisso sustentado com o ritual e a observa¢ncia.

Baseando-se em estudos etnogra¡ficos do que ela chama de "crentes ativos", incluindo cristãos evanganãlicos, paga£os, zoroastrianos, cata³licos negros, iniciados em Santeria e judeus recanãm-ortodoxos, Luhrmann descobriu que épreciso esfora§o considera¡vel e prática regular para criar mundos onde outros sobrenaturais se sintam presentes e real.

Isso porque a maioria das pessoas faz uma distinção clara em suas vidas entre o real e o irreal. Por exemplo, escreve Luhrmann, a maioria das pessoas, mesmo aquelas com profunda fanã, não pede a Deus para alimentar o cachorro ou escrever seu trabalho final. E as tradições religiosas tratam dessa dicotomia. Referindo-se a um famoso hadith isla¢mico, ou dizendo do profeta Muhammad, Luhrmann escreve: "Anas ibn Malik relatou: Um homem disse: 'a“ Mensageiro de Allah, devo amarrar meu camelo e confiar em Allah, ou devo deixa¡-la desamarrada e confiar em Ala¡? ' O Mensageiro de Allah, paz e baªnçãos sobre ele, disse: 'Amarre-a e confie em Allah.' ”

Para Luhrmann, a história éum exemplo de como os seres humanos entendem instintivamente a diferença entre as demandas do mundo real e mundano e o mundo do espa­rito. Portanto, o quebra-cabea§a da religia£o não éo problema da falsa crena§a, mas sim do que Luhrmann chama de “criação real” - como deuses e espa­ritos se tornam reais para as pessoas e o que isso significa para aqueles que se dedicam a  prática .

Em vez de presumir que as pessoas adoram porque acreditam ou constroem catedrais porque a crena§a já estãopresente, Luhrmann inverte a equação. Em vez disso, ela argumenta que as pessoas acreditam porque adoram. Em outras palavras, o processo de “criação real” e envolvimento total em rituais e prática s que aproximam a pessoa de Deus étão satisfata³rio para os praticantes que sua féperdura.

Pesquisas tem mostrado repetidamente que pessoas de férelatam que se sentem melhor e mais sauda¡veis. Uma das descobertas mais marcantes da epidemiologia social, observa Luhrmann, éque o envolvimento religioso com Deus émelhor para o corpo em termos de funções imunola³gicas e redução da solida£o. Uma explicação para isso, escreve Luhrmann, éque, para quem tem uma féintensa, Deus se torna uma relação social. Os resultados da ressonância magnanãtica indicam que, em termos de função cerebral, falar com Deus se assemelha a conversar com um amigo.

Mas a natureza dessa relação também éfundamental em termos de saúde. Quanto mais Deus évisto como crítico e negativo, mais sintomas de saúde mental são relatados. Em contraste, as pessoas que representam seu relacionamento com Deus como sendo amoroso e satisfata³rio oram mais e relatam menos sintomas de saúde mental. “Os dados sugerem que quando éum bom relacionamento, émelhor para o corpo”, disse Luhrmann.

Mesmo que alguém esteja inclinado a cultivar esse tipo de relacionamento com um ser invisível, Luhrmann observa que épreciso um trabalho intenso e que algumas pessoas podem ter mais chances de sucesso do que outras - principalmente aquelas que se sentem mais a  vontade para usar a imaginação. “Pessoas que tem uma mentalidade iluminista - focada no pensamento racional e cienta­fico - essas pessoas muitas vezes desconsideram essas coisas e não confiam tanto em sua imaginação”, disse ela.

Mas éprecisamente a imaginação, ou como escreve Luhrmann, “a capacidade humana de conceber o que não estãodispona­vel aos sentidos”, que torna possí­vel uma relação próxima com um outro sobrenatural.

 

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