Humanidades

Pesquisa analisa raa­zes e consequaªncias socioecona´micas da violência contra a mulher na pandemia
Estudo investiga relação entre isolamento social e perda de renda com violência doméstica contra mulheres, mais expostas ao passar mais tempo com agressores em casa
Por Ivanir Ferreira - 07/01/2021


Desde que começou a pandemia, mulheres que já tinham hista³rico de violência doméstica passaram a correr mais riscos de vida por permanecerem mais tempo com seu agressor osFoto Marcos Santos/USP Imagens

Existem inda­cios de que durante a pandemia tenha aumentado a violência doméstica contra as mulheres, o que não aparece em todas as estata­sticas, já que as vitimas também encontraram mais dificuldades no acesso a s redes de proteção e aos canais de denaºncia. Atentas ao problema, pesquisadoras da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, em parceria com o Centre for Health Economics Alcuin Block, University of York, Reino Unido, va£o investigar os impactos das medidas de distanciamento social sobre a incidaªncia dessa violência. E como essa violência, por sua vez, traz impactos ao mercado de trabalho e a  economia.

Desde que a covid-19 chegou ao Paa­s, mulheres que tinham hista³rico de sofrer agressões passaram a correr mais risco de vida por serem obrigadas a permanecerem mais tempo em casa, muitas vezes com seus pra³prios agressores. A professora da FEA e coordenadora da pesquisa no Brasil Maria Dolores Montoya Diaz explica que os dados sera£o coletados inicialmente em Sa£o Paulo e Rio de Janeiro, mas devem avana§ar por outras unidades da federação. As respostas servira£o para direcionar políticas públicas de enfrentamento a crimes, agressões e abusos praticados contra a mulher nesse contexto.

Embora os resultados anala­ticos mais robustos devam aparecer são nos pra³ximos meses, quando se finalizara¡ a pesquisa, a hipa³tese éque o confinamento de pessoas em situação de estresse, decorrente tanto das dificuldades econa´micas oriundas da perda de renda pela pandemia como do maior tempo de convivaªncia de va­tima e agressor no mesmo domica­lio, tenha aprofundado a violência doméstica.

O Forum Brasileiro de Segurança Paºblica (FBSP) traz dados que confirmam a hipa³tese levantada pelos pesquisadores. Houve redução em uma sanãrie de crimes contra as mulheres em diversos Estados brasileiros e diminuição na distribuição e na concessão de medidas protetivas de urgência, o que contrasta com um aumento nos feminica­dios osindicativo de que as mulheres estejam mesmo encontrando dificuldades em denunciar violências sofridas nesse período.

Uma questãoadicional a ser investigada éa existaªncia ou não de algum efeito atenuador do pagamento do Auxa­lio Emergencial sobre o número de feminica­dios.

Outro objetivo da pesquisa seráavaliar as consequaªncias sociais indiretas do aumento da violência doméstica sobre os custos com a saúde, produtividade e oferta de trabalho. Segundo Dolores Diaz, publicações da área já trazem muitas evidaªncias de que mulheres que sofrem violência doméstica tem mais problemas de saúde, tem maior absentea­smo (faltas) ao trabalho e isto pode ter consequaªncias em outrasDimensões , como no pra³prio mercado de trabalho.

Participam também da pesquisa as professoras Fabiana Rocha e Paula Pereda, ambas da FEA, e o economista Rodrigo Moreno Serra, pela University of York, egresso da FEA e coordenador do projeto Covid-19, distanciamento social e violência contra a mulher no Brasil (Brave).

Aumento de casos de violência doméstica x dificuldades no acesso a s redes de proteção
Em nota técnica emitida pelo FBSP, em julho, eles atualizaram informações sobre violência doméstica durante a pandemia de covid-19, entre mara§o e maio de 2020, em 12 Estados brasileiros (Acre, Amapa¡, Ceara¡, Espa­rito Santo, Maranha£o, Mato Grosso, Minas Gerais, Para¡, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sa£o Paulo). A queda nos registros de lesão corporal dolosa foi de 27,2%. As maiores reduções aconteceram nos Estados do Maranha£o (84,6%), Rio de Janeiro (40,2%) e Ceara¡ (26%). No entanto, nesse mesmo período, houve aumento de 2,2% nos casos de feminica­dios. O Estado do Acre liderou com o maior número de registros (400%), passou de um, em 2019, para cinco casos em 2020; Mato Grosso (157%), de sete, passou para 18; Maranha£o (81%), de 11 casos, para 20; e o Para¡, (75%), de oito para 14.


Tipos de violência e dia da semana em que ocorreu a violência osImagem: EconomistAS

Com relação a  violência sexual, entre mara§o e maio, houve redução de 50,5% nos registros de estupro e estupro de vulnera¡vel com vitimas mulheres. O Estado do Espa­rito Santo ficou com a maior taxa, 79,8%, seguido pelo Ceara¡, 64,1%, e Rio de Janeiro, 61,2%. Paralelamente, o projeto Brave já estava trabalhando com dados apurados pelo FBSP que indicaram que, durante os meses de mara§o e abril de 2020, quando foram implementadas as regras de distanciamento social, houve aumento em 22% no número de casos de feminica­dios em 12 Estados brasileiros, em comparação ao ano anterior. Nesse mesmo período, Sa£o Paulo teve aumento de 54% e 44% nas chamadas a  pola­cia relatando agressões domésticas contra mulheres.

Para prospectar os meses seguintes, os pesquisares buscara£o os dados em redes sociais e internet (palavras e postagens que suscitem violência doméstica) e nos órgãos e servia§os oficiais de atendimento do Estado (Sistema de Informações Hospitalares do Sistema ašnico de Saúde (SIHSUS), Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), Boletins de Ocorraªncias de Delegacias, e Central de Atendimento a  Mulher em Situação de Violaªncia (180). As formas de violências (fa­sica, psicológica, patrimonial, moral e sexual) também sera£o identificadas, bem como os dias da semana em que mais ocorreram as agressões e as regiaµes em que houve maior incidaªncia.

Economia e diferenças de gaªnero

Questionada sobre o porquaª de economistas estarem envolvidas em pesquisas sobre violência doméstica, Dolores explica que as investigações cienta­ficas da FEA va£o além de técnicas voltadas para gestãode empresas. Na FEA, existe um grupo chamado EconomistAs que estuda as váriasDimensões das diferenças de gaªnero existentes na carreira de economista e no mercado de trabalho em geral, bem como o impacto diferencial de políticas públicas sobre homens e mulheres. Foi nesse contexto que as pesquisadoras mudaram o foco para o problema da violência doméstica.

A pesquisadora diz que algumas áreas da economia dialogam com várias tema¡ticas como educação, saúde, meio ambiente, tecnologia entre outras que contribuem para a formulação de políticas públicas mais adequadas e eficientes. Para tanto, as análises feitas por esse grupo de pesquisadoras precisam diferenciar simples correlações ou relações que não se confirmam de verdadeiras relações de causa e efeito. a‰ importante garantir que políticas públicas sejam baseadas em evidaªncias corretas e não apenas aparentes, sob risco de desperda­cio de recursos e outras consequaªncias indesejáveis.

 

.
.

Leia mais a seguir