Humanidades

Uma chave para acabar com o racismo: torne-o pessoal
Como uma conexão humana pode ajudar a criar abertura
Por John Laidler - 23/02/2021


“Nada vai mudar atéque comecemos a conversar, atéque nos tornemos socialmente conectados uns com os outros”, disse Robert Livington, professor de políticas públicas da Harvard Kennedy School. Kris Snibbe / Fota³grafo da equipe de Harvard

O psica³logo social Robert Livingston passou décadas estudando o racismo e aconselhando empresas e organizações sem fins lucrativos como enfrenta¡-lo em seus locais de trabalho. Em um novo livro, "A conversa: como buscar e falar a verdade sobre o racismo pode transformar radicalmente indivíduos e organizações", o conferencista da Harvard Kennedy School em políticas públicas argumenta que o racismo pode ser combatido com um dia¡logo construtivo. Em entrevista recente Livingston conversou sobre o que alimenta seu otimismo e como as pessoas podem ajudar a trazermudanças significativas.

Perguntas & Respostas
Robert Livingston


Por que a conversa étão cra­tica para a construção da igualdade racial?

LIVINGSTON: No ini­cio da minha carreira, pensei que vocêpoderia mudar a mente das pessoas, se não o coração, apenas fornecendo-lhes informações precisas. Com a maior sabedoria que acumulei ao longo dos 20 anos que tenho feito este trabalho, descobri que as relações sociais fornecem um portal para que os fatos sejam recebidos e digeridos pelas pessoas. E sem isso, as pessoas geralmente constroem paredes para isolar o que atualmente acreditam ser verdade. E eu acho que os relacionamentos fornecem uma abertura dentro dessa parede para talvez uma perspectiva diferente entrar.

Quais são alguns exemplos disso?

LIVINGSTON: Um exemplo empa­rico éum estudo da década de 1950 envolvendo um grupo de mulheres que eram volunta¡rias na Cruz Vermelha, servindo refeições para pessoas necessitadas. Os pesquisadores queriam convencer as mulheres a servirem mais carne de órgãos - coração, rins, fa­gados - e dar a elas informações sobre o valor nutricional disso. Havia dois grupos de mulheres. Ambos receberam as mesmas informações, mas um grupo foi autorizado a falar sobre isso entre si. Eles descobriram que dez vezes mais mulheres do grupo que falavam sobre a informação começam a servir a carne do órgão do que as do outro grupo. Para mim, o estudo demonstra o poder da conversação, o que acontece quando vocêtem informação mais conexão humana. a‰ o que Bryan Stevenson chama de proximidade, que o fator do relacionamento humano tem muito mais probabilidade de resultar em uma mudança real na forma como as pessoas veem o mundo,

Um exemplo pessoal foi um workshop que dei a um grupo de policiais. Forneci a eles todos os tipos de informações, dados concretos sobre preconceito na sociedade, preconceito em suas próprias mentes, incluindo um estudo de ca¢mera corporal, que descobriu que mesmo para a mesma infração, os policiais tratavam os infratores brancos de maneira diferente dos infratores negros. Durante a apresentação, o aºnico oficial negro do departamento desabou emocionalmente, porque tudo isso realmente o atingiu. Foi são naquele momento que os oficiais brancos começam a prestar atenção e acreditar de verdade nessa coisa de racismo. Eu pensei: érealmente irracional que eles estejam sendo convencidos pela [história de um oficial] e não pela multida£o de evidaªncias apontando para as mesmas coisas. E então pensei: “Aha, eles são pessoas, não computadores”. Os computadores apenas respondem a  entrada de dados, mas as pessoas respondem a s pessoas. Nada vai mudar atéque comecemos a conversar, atéque nos tornemos socialmente conectados uns com os outros. Vocaª precisa ter conversas, mas elas precisam ser baseadas em fatos, não em caprichos ou noções infundadas.

Por que falar sobre racismo édifa­cil para tantas pessoas?

LIVINGSTON: Acho que existem três razaµes. Uma éque não éuma coisa conforta¡vel, o que significa que para algumas pessoas não éuma coisa agrada¡vel. Outra éque muitas pessoas, principalmente os brancos, tem medo de falar coisas erradas, por isso não sabem como conversar. E o terceiro fator éque algumas pessoas simplesmente não se importam. No meu livro, faa§o uma distinção entre o que chamo de “avestruzes” e “tubaraµes”. Avestruzes são pessoas que querem enterrar a cabea§a na areia e simplesmente ignorar a verdade. Os tubaraµes sabem a verdade, mas seu trabalho édominar e explorar. Para eles a conversa não tem utilidade porque tem por objetivo retificar as injustia§as que existem atualmente. Se vocêéa favor das injustia§as porque seu objetivo écriar uma hierarquia racial onde vocêestãono topo, falar sobre isso éperda de tempo.

Como vocêrompe?

LIVINGSTON: Vou comea§ar com o desconforto. As pessoas tem medo de conflito nesse tipo de conversa. Mas a pesquisa mostrou que o conflito pode realmente ser produtivo, se for o tipo certo de conflito. Conflito baseado em tarefas équando as pessoas discordam sobre o melhor curso de ação. E o conflito baseado na pessoa équando vocêdiz: "Acho que vocêéum idiota por [discutir esse ponto de vista]". Portanto, tente focar no problema e não na pessoa. A segunda coisa éconversar com curiosidade e não com certeza. A pesquisa mostra que émuito mais produtivo estar no modo chamado modo de investigação do que no modo de defesa de direitos. O que vocêestãotentando fazer nessas conversas édescobrir o que éa verdade - fazendo perguntas - ou descobrir um terreno comum. E vocênão pode fazer isso se estiver profundamente enraizado em suas próprias convicções ou posição ideola³gica.

Como vocêmotiva empresas e organizações a ver a erradicação da desigualdade racial como uma tarefa essencial?

LIVINGSTON: Nãoémeu trabalho convencaª-los de que isso éalgo que deveriam estar fazendo. O que procuro fazer éajudar as empresas que desejam mover a agulha a ter sucesso na movimentação da agulha. Por que as empresas deveriam fazer isso? Porque faz parte de sua missão ou valores essenciais. Muitas empresas tem missaµes e valores essenciais que dizem: “Somos uma empresa inclusiva que acolhe a todos”, mas elas percebem que não estãocumprindo seus ideais. Tambanãm pode ser bom para os nega³cios - embora eu recomende que eles não coloquem todos os ovos na cesta de nega³cios. A terceira motivação éo interesse coletivo: se tivanãssemos mais justia§a social, todos teriam melhor qualidade de vida.

Inevitavelmente, o progresso na justia§a racial e social leva a reações adversas. Estamos naquele momento agora e qual éa melhor maneira de responder a ele?

LIVINGSTON: A primeira coisa a perceber éque nem todos desejam justia§a social. Eu aludi a isso com minha meta¡fora do tubara£o, que existem algumas pessoas altamente investidas na desigualdade. Portanto, para alguns, havera¡ uma reação negativa. E então hálgumas pessoas que são apa¡ticas. Eles não estãoinvestidos em justia§a ou injustia§a. Eles são os eleitores indecisos. O terceiro tipo são pessoas profundamente envolvidas na justia§a social. Parte do desafio éneutralizar a porcentagem relativamente pequena de tubaraµes. Acho que o que aconteceu agora éque as normas sociais foram alteradas de tal forma que os tubaraµes foram habilitados por um grande número de pessoas apa¡ticas. Em tempos de justia§a, coloque os eleitores do lado do povo pra³-justia§a. E durante esses momentos, eles dizem: "OK, vamos com o pessoal da anti-justia§a".

Regular o comportamento pode exigir abordagens diferentes para pessoas diferentes, usando cenouras, porretes ou apelando para seus melhores anjos, dependendo de quanto investido em justia§a alguém esta¡. Outra abordagem éestabelecer normas culturais mais fortes sobre o que éapropriado e inapropriado - acho que o que realmente piorou nos últimos anos foram essas normas sociais. A terceira estratanãgia éestabelecer políticas reais com sanções reais que responsabilizem as pessoas por comportamentos que va£o contra as normas estabelecidas ou leis reais. Atacar o Capitol era ilegal, independentemente de como as pessoas percebiam as normas, então os perpetradores sera£o responsabilizados.

Apa³s este ano de avaliação racial, muitas pessoas desejam sinceramente fazer algo contra o racismo, mas não sabem por onde comea§ar. O que vocêaconselha?

LIVINGSTON: A primeira coisa que as pessoas podem fazer éobter uma compreensão mais profunda do problema, da mesma forma que um médico faria um diagnóstico profundo. Muitas pessoas não querem fazer isso porque leva muito tempo e elas querem uma solução rápida. Ou, como alguns pacientes, eles confiam demais em presumir que já entendem o problema. A segunda éque precisamos de um pouco de autodiagnóstico, para entender: “Como estou contribuindo para o sistema e qual éo meunívelde preocupação?” Para os brancos, o racismo apresenta um dilema cujas compensações eles devem administrar. Vou usar uma analogia com o avia£o para explicar o que quero dizer. Um estudo realizado por [Harold M. Brierley Professor de Administração de Empresas] Michael Norton mostrou que hámais raiva no ar em aviaµes onde os passageiros de a´nibus tem que andar pela primeira classe, porque se sentem humilhados e diminua­dos.

O racismo, por definição, da¡ a vocêprivilanãgios imerecidos, da mesma forma que andar de primeira classe lhe da¡ conforto, enquanto prejudica as pessoas. Portanto, éum dilema para os brancos. As pessoas dizem: “Eu realmente não quero racismo, mas realmente não quero abrir ma£o do meu lugar na primeira classe”. Se vocêquiser uma mudança, tera¡ que lutar contra isso em seu pra³prio coração e alma.

O terceiro passo érealmente focar nos comportamentos e não nas atitudes. a€s vezes, as pessoas colocam muita aªnfase no preconceito impla­cito. O que érealmente importante ésua ação e não sua atitude.

A última coisa éfocar na mudança das normas sociais e da pola­tica institucional. Quando vocêvir racismo ocorrendo, diga algo. Fala. Isso mudara¡ a norma. E por meio de ativismo ou comportamento de voto, por exemplo, vocêpode impactar políticas maiores.

Vocaª tem defendido a igualdade racial por muitos anos. O que te da¡ otimismo agora?

LIVINGSTON: Acho que éimportante perceber que, falando factualmente, o racismo éum problema soluciona¡vel. A questãoanã: serárealmente resolvido? Meu trabalho e o que me da¡ otimismo éajudar a traduzir o racismo de um problema soluciona¡vel para um problema resolvido. Qual éo processo, a jornada pela qual podemos movaª-lo de soluciona¡vel, que éuma verdade objetiva, para ser resolvido, que éum resultado incerto que pode ou não chegar? Acho que estãoem nossas ma£os como pessoas. Isso não éotimismo tolo. Isso éapenas um fato. E então a questãoécomo. a‰ nisso que meu livro se concentra. A questãofinal ése o faremos ou não, o que resta ver. Mas éisso que me da¡ otimismo, ésaber que isso pode ser feito.

A entrevista foi ligeiramente editada para maior clareza e extensão.

 

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