Tese sobre consolidação hista³rica do tronco linguastico Macro-Jaª éreconhecida internacionalmente
Pesquisa desenvolvida na UnB recebeu mena§a£o honrosa em praªmio da Sociedade para o Estudo de Languas Indagenas das Amanãricas

O Iataª, langua do povo fulni-a´, faz parte do tronco Macro-Jaª
Uma tese elaborada no Programa de Pa³s-Graduação em Linguastica (PPGL) da Universidade de Brasalia aprofundou-se na história das languas indagenas para identificar aspectos daquela que éa ancestral do chamado tronco Macro-Jaª. Defendida pelo especialista em linguastica tea³rica e aplicada Andrey Nikulin, o trabalho recebeu menção honrosa no praªmio Mary R. Haas da Sociedade para o Estudo de Languas Indagenas das Amanãricas (SSILA).Â
“Para mim, éuma grande honra que minha tese tenha sido selecionada para o praªmio. Foi algo totalmente inesperado, pois em três décadas da existaªncia do praªmio Mary R. Haas, todas as teses premiadas haviam sido elaboradas em instituições localizadas empaíses desenvolvidos e redigidas em inglês, motivo pelo qual eu havia hesitado bastante antes de me candidatarâ€, explica Andrey Nikulin, autor da pesquisa, que estãoem processo de tradução para ser publicada em inglês, como parte do praªmio.
O estudo premiado propa´s uma investigação da langua da qual descenderam as 30 faladas atualmente nesse tronco linguastico. “A pesquisa que fiz éde cunho hista³rico-comparativo, ou seja, apliquei uma determinada metodologia aos dados dessas languas a fim de descobrir um pouco mais sobre a langua ancestral do tronco Macro-Jaª. Assim, consegui chegar a uma primeira proposta da estrutura fonola³gica, morfola³gica e sinta¡tica dessa protolangua ancestral e lana§ar algumas hipa³teses sobre como as languas Macro-Jaª contempora¢neas vieram se desenvolvendo ao longo dos milaªniosâ€, detalha.
O processo de “reconstruir†essa langua ancestral passou pelo que os linguistas chamam de manãtodo comparativo, desenvolvido no século XIX. “Na anãpoca, descobriu-se que as languas não mudam aleatoriamente com o passar das gerações; hádeterminadas regularidades que podem ser identificadas e nos permitem fazer inferaªncias bem fundamentadas sobre o passado das languas", diz Nikulin.
INVESTIGAa‡aƒO osOs povos indagenas do tronco Macro-Jaª vivem, sobretudo, em regiaµes do Cerrado, no Brasil. Ha¡ também pequenos grupos em parte do Paraguai e da Bolavia. Para conseguir realizar o trabalho comparativo, o pesquisador precisou trabalhar com dados de todas as 30 languas existentes nesta linhagem.
"Primeiro, comparei languas que são parentes muito próximas, que formam agrupamentos pequenos, conhecidos como ramos ou famalias. Assim, consegui reconstruir as chamadas proto languas intermedia¡rias, que provavelmente eram faladas hádois ou três milaªnios. Depois, comparei essas proto languas entre si e consegui chegar a uma proposta relativa a langua ancestral de todo o troncoâ€, explica Nikulin.
Ele utilizou trabalhos de outros estudiosos que descreveram as estruturas gramaticais destas languas e, também, materiais de fontes de fora da academia. “Retirei a maioria dos dados de fontes publicadas, tais como descrições gramaticais feitas por linguistas, cartilhas usadas em escolas indagenas, listas de palavras coletadas por não linguistas no século XIX. Fiz também trabalho de campo com uma langua especafica, o chiquitano. Fui cinco vezes a duas comunidades na Bolavia e trabalhei com um dialeto da langua que ainda não havia sido descrito. Contei com a ajuda de vários colegas, indagenas e não indagenas, que se dispuseram a esclarecer alguns pontos problemáticos na análise de várias languas e contribuaram com muitos dados inanãditosâ€, descreve.
De acordo com o pesquisador, parte da realização do trabalho se deve ao incentivo recebido pela sua orientadora, a professora do Departamento de Linguastica, Portuguaªs e Languas Cla¡ssicas Fla¡via de Castro, que éa autora de alguns dos trabalhos pioneiros nessa área. “Ela trabalha hádécadas com uma langua Macro-Jaª especafica, o canela, falado no Maranha£o, e baseei grande parte da minha reconstrução sinta¡tica em seus resultadosâ€, conta o autor do estudo.
O interesse dele pelas languas Macro-Jaª começou ainda na graduação, quando percebeu que entre os três grandes troncos linguasticos indagenas sul-americanos osMacro-Jaª, Tupi e Carib –, apenas o primeiro não tinha estudos de reconstrução da langua ancestral. “a‰ uma coisa incravel a força de trabalho dele e acho atéque não seria qualquer pessoa que aceitaria a amplitude de languas e dados que ele sistematizou e pesquisouâ€, conta Fla¡via de Castro.
PRESERVAa‡aƒO osApesar de existirem atualmente mais de 160 languas faladas no territa³rio brasileiro, sabe-se que, antes da colonização portuguesa, elas eram mais de 1.500. O extermanio dos povos indagenas fez com que muito de suas culturas também deixasse de existir.
Para Nikulin, languas diferentes necessitam de estratanãgias distintas de preservação na atualidade. “Ha¡ diversas languas, incluindo algumas languas Macro-Jaª, que são usadas por praticamente todos os membros das respectivas etnias e, por consequaªncia, não estãoexatamente ameaa§adas de extinção. Nesses casos, são fundamentais as ações tais como a elaboração de material dida¡tico para o uso nas escolas indagenas e o reconhecimento legal dos direitos linguasticos. No que diz respeito a educação indagena, écrucial o papel das licenciaturas Interculturais Indagenas, núcleos associados a algumas universidades públicas que se especializam na formação de professores indagenas, inclusive de languas indagenasâ€, sugere.
Ele menciona alguns dos povos cujas languas originais praticamente se perderam no processo de etnocadio. “Alguns povos falantes de languas Macro-Jaª foram literalmente dizimados pela sociedade nacional. Os kajkwakhrattxi (tapayuna), que historicamente viviam no rio Arinos, no norte mato-grossense, tiveram sua população reduzida de aproximadamente 400 a 41 pessoas apenas na década de 1960, como resultado de conflitos com os seringalistas e fazendeiros da regia£o, e foram transferidos para o Parque Indagena do Xingu, em uma parte distante de Mato Grosso. La¡, tiveram que conviver com outros povos, tais como os kayapa³ (falantes de mẽbaªnga´kre) e os kÄ©saªdjaª, e hoje, entre os kajkwakhrattxi, tem mais falantes dessas languas do que da langua original deles", exemplifica.Â
Além dos kajkwakhrattxi, o autor da tese lembra que os krenak foram praticamente dizimados no século XX e que a maioria dos povos sobreviventes da etnia falam hoje apenas o portuguaªs. O pesquisador entende ser fundamental o trabalho de linguistas na recuperação de languas que já não são mais faladas atualmente. "No caso dessas languas, para que os esforços de (re)vitalização sejam possaveis no futuro, éessencial a colaboração de linguistas profissionais nas tarefas de descrição e documentação de languasâ€, defende.
PERSPECTIVAS osCom a pesquisa, a real existaªncia do tronco Macro-Jaª deixa de ser uma teoria e passa a ter uma fundamentação. A professora orientadora do trabalho, Fla¡via de Castro, alimenta o desejo de que o reconhecimento recebido pelo praªmio garanta a Nikulin um bom futuro enquanto pesquisador.
“Eu gostaria que isso abrisse uma grande oportunidade para ele, porque a gente estãonuma fase de pesquisa muito a¡rdua. Os financiamentos estãocada vez mais restritos. Eu não sei se no Brasil as pessoas estãoatentas a isso. Se ele estivesse no exterior com uma informação como essa no curraculo, isso abriria mais oportunidadesâ€, lamenta. - Anne Vilela