Humanidades

Tese sobre consolidação hista³rica do tronco lingua­stico Macro-Jaª éreconhecida internacionalmente
Pesquisa desenvolvida na UnB recebeu mena§a£o honrosa em praªmio da Sociedade para o Estudo de La­nguas Inda­genas das Amanãricas
Por Raíssa Gomes - 01/03/2021


O Iataª, la­ngua do povo fulni-a´, faz parte do tronco Macro-Jaª

Uma tese elaborada no Programa de Pa³s-Graduação em Lingua­stica (PPGL) da Universidade de Brasa­lia aprofundou-se na história das la­nguas inda­genas para identificar aspectos daquela que éa ancestral do chamado tronco Macro-Jaª. Defendida pelo especialista em lingua­stica tea³rica e aplicada Andrey Nikulin, o trabalho recebeu menção honrosa no praªmio Mary R. Haas da Sociedade para o Estudo de La­nguas Inda­genas das Amanãricas (SSILA). 

“Para mim, éuma grande honra que minha tese tenha sido selecionada para o praªmio. Foi algo totalmente inesperado, pois em três décadas da existaªncia do praªmio Mary R. Haas, todas as teses premiadas haviam sido elaboradas em instituições localizadas empaíses desenvolvidos e redigidas em inglês, motivo pelo qual eu havia hesitado bastante antes de me candidatar”, explica Andrey Nikulin, autor da pesquisa, que estãoem processo de tradução para ser publicada em inglês, como parte do praªmio.

O estudo premiado propa´s uma investigação da la­ngua da qual descenderam as 30 faladas atualmente nesse tronco lingua­stico. “A pesquisa que fiz éde cunho hista³rico-comparativo, ou seja, apliquei uma determinada metodologia aos dados dessas la­nguas a fim de descobrir um pouco mais sobre a la­ngua ancestral do tronco Macro-Jaª. Assim, consegui chegar a uma primeira proposta da estrutura fonola³gica, morfola³gica e sinta¡tica dessa protola­ngua ancestral e lana§ar algumas hipa³teses sobre como as la­nguas Macro-Jaª contempora¢neas vieram se desenvolvendo ao longo dos milaªnios”, detalha.

O processo de “reconstruir” essa la­ngua ancestral passou pelo que os linguistas chamam de manãtodo comparativo, desenvolvido no século XIX. “Na anãpoca, descobriu-se que as la­nguas não mudam aleatoriamente com o passar das gerações; hádeterminadas regularidades que podem ser identificadas e nos permitem fazer inferaªncias bem fundamentadas sobre o passado das la­nguas", diz Nikulin.

INVESTIGAa‡aƒO osOs povos inda­genas do tronco Macro-Jaª vivem, sobretudo, em regiaµes do Cerrado, no Brasil. Ha¡ também pequenos grupos em parte do Paraguai e da Bola­via. Para conseguir realizar o trabalho comparativo, o pesquisador precisou trabalhar com dados de todas as 30 la­nguas existentes nesta linhagem.

"Primeiro, comparei la­nguas que são parentes muito próximas, que formam agrupamentos pequenos, conhecidos como ramos ou fama­lias. Assim, consegui reconstruir as chamadas proto la­nguas intermedia¡rias, que provavelmente eram faladas hádois ou três milaªnios. Depois, comparei essas proto la­nguas entre si e consegui chegar a uma proposta relativa a  la­ngua ancestral de todo o tronco”, explica Nikulin.

Ele utilizou trabalhos de outros estudiosos que descreveram as estruturas gramaticais destas la­nguas e, também, materiais de fontes de fora da academia. “Retirei a maioria dos dados de fontes publicadas, tais como descrições gramaticais feitas por linguistas, cartilhas usadas em escolas inda­genas, listas de palavras coletadas por não linguistas no século XIX. Fiz também trabalho de campo com uma la­ngua especa­fica, o chiquitano. Fui cinco vezes a duas comunidades na Bola­via e trabalhei com um dialeto da la­ngua que ainda não havia sido descrito. Contei com a ajuda de vários colegas, inda­genas e não inda­genas, que se dispuseram a esclarecer alguns pontos problemáticos na análise de várias la­nguas e contribua­ram com muitos dados inanãditos”, descreve.

De acordo com o pesquisador, parte da realização do trabalho se deve ao incentivo recebido pela sua orientadora, a professora do Departamento de Lingua­stica, Portuguaªs e La­nguas Cla¡ssicas Fla¡via de Castro, que éa autora de alguns dos trabalhos pioneiros nessa área. “Ela trabalha hádécadas com uma la­ngua Macro-Jaª especa­fica, o canela, falado no Maranha£o, e baseei grande parte da minha reconstrução sinta¡tica em seus resultados”, conta o autor do estudo.

O interesse dele pelas la­nguas Macro-Jaª começou ainda na graduação, quando percebeu que entre os três grandes troncos lingua­sticos inda­genas sul-americanos osMacro-Jaª, Tupi e Carib –, apenas o primeiro não tinha estudos de reconstrução da la­ngua ancestral. “a‰ uma coisa incra­vel a força de trabalho dele e acho atéque não seria qualquer pessoa que aceitaria a amplitude de la­nguas e dados que ele sistematizou e pesquisou”, conta Fla¡via de Castro.

PRESERVAa‡aƒO osApesar de existirem atualmente mais de 160 la­nguas faladas no territa³rio brasileiro, sabe-se que, antes da colonização portuguesa, elas eram mais de 1.500. O exterma­nio dos povos inda­genas fez com que muito de suas culturas também deixasse de existir.

Para Nikulin, la­nguas diferentes necessitam de estratanãgias distintas de preservação na atualidade. “Ha¡ diversas la­nguas, incluindo algumas la­nguas Macro-Jaª, que são usadas por praticamente todos os membros das respectivas etnias e, por consequaªncia, não estãoexatamente ameaa§adas de extinção. Nesses casos, são fundamentais as ações tais como a elaboração de material dida¡tico para o uso nas escolas inda­genas e o reconhecimento legal dos direitos lingua­sticos. No que diz respeito a  educação inda­gena, écrucial o papel das licenciaturas Interculturais Inda­genas, núcleos associados a algumas universidades públicas que se especializam na formação de professores inda­genas, inclusive de la­nguas inda­genas”, sugere.

Ele menciona alguns dos povos cujas la­nguas originais praticamente se perderam no processo de etnoca­dio. “Alguns povos falantes de la­nguas Macro-Jaª foram literalmente dizimados pela sociedade nacional. Os kajkwakhrattxi (tapayuna), que historicamente viviam no rio Arinos, no norte mato-grossense, tiveram sua população reduzida de aproximadamente 400 a 41 pessoas apenas na década de 1960, como resultado de conflitos com os seringalistas e fazendeiros da regia£o, e foram transferidos para o Parque Inda­gena do Xingu, em uma parte distante de Mato Grosso. La¡, tiveram que conviver com outros povos, tais como os kayapa³ (falantes de mẽbaªnga´kre) e os kÄ©saªdjaª, e hoje, entre os kajkwakhrattxi, tem mais falantes dessas la­nguas do que da la­ngua original deles", exemplifica. 

Além dos kajkwakhrattxi, o autor da tese lembra que os krenak foram praticamente dizimados no século XX e que a maioria dos povos sobreviventes da etnia falam hoje apenas o portuguaªs. O pesquisador entende ser fundamental o trabalho de linguistas na recuperação de la­nguas que já não são mais faladas atualmente. "No caso dessas la­nguas, para que os esforços de (re)vitalização sejam possa­veis no futuro, éessencial a colaboração de linguistas profissionais nas tarefas de descrição e documentação de la­nguas”, defende.

PERSPECTIVAS osCom a pesquisa, a real existaªncia do tronco Macro-Jaª deixa de ser uma teoria e passa a ter uma fundamentação. A professora orientadora do trabalho, Fla¡via de Castro, alimenta o desejo de que o reconhecimento recebido pelo praªmio garanta a Nikulin um bom futuro enquanto pesquisador.

“Eu gostaria que isso abrisse uma grande oportunidade para ele, porque a gente estãonuma fase de pesquisa muito a¡rdua. Os financiamentos estãocada vez mais restritos. Eu não sei se no Brasil as pessoas estãoatentas a isso. Se ele estivesse no exterior com uma informação como essa no curra­culo, isso abriria mais oportunidades”, lamenta. - Anne Vilela

 

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