Humanidades

Chukchin, o escritor que retratou o homem sovianãtico sem heroa­smos
Escritor, diretor e ator que retratou a vida rural na Unia£o Sovianãtica tem contos traduzidos para o portuguaªs
Por Luiz Prado - 04/03/2021


O escritor russo Vassa­li Maka¡rovitch Chukchin (1929-1974) osFoto: Wikimedia Commons

Sa£o tempos nublados para a cultura, seja la¡ qual for o significado pretendido para a palavra. Uma pandemia que se reproduz e se fortalece graças a decisaµes governamentais rechaa§a o conhecimento e arrisca afogar boas descobertas do acervo deixado pela humanidade. O que inclui boas descobertas litera¡rias.

Espera-se que esse não seja o caso com Vassa­li Maka¡rovitch Chukchin (1929-1974), escritor, ator, cena³grafo e diretor de cinema sovianãtico desconhecido no Brasil que acaba de ter cinco de seus contos traduzidos por aqui. A demanda, feita diretamente do russo, foi realizada pela pesquisadora Diana Soares Cardoso em sua dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Antes do trabalho de Diana, apenas um conto de Chukchin havia recebido tradução no Brasil, Da¡-lhe, Coração!, inclua­do na Nova Antologia do Conto Russo, da Editora 34, também publicado no número 9 da Magma, revista do Programa de Pa³s-Graduação em Teoria Litera¡ria e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Na anãpoca, a tarefa coube a  professora da FFLCH Maria de Fa¡tima Bianchi, que também orientou Diana.

Os cinco contos recanãm-traduzidos, escritos entre 1962 e 1973, da£o testemunho das predileções tema¡ticas de Chukchin. “Os personagens, em sua maioria, são pessoas comuns, camponeses e idosos que enfrentam as dificuldades e os prazeres do seu tempo, como a burocracia sovianãtica e as descobertas cienta­ficas”, explicou Diana em entrevista para o podcast Novos Cientistas, do Jornal da USP.

Chukchin, ele mesmo vindo do campo, desenvolveu sua breve carreira osapenas 16 anos de atividades arta­sticas osem uma Unia£o Sovianãtica pa³s-Sta¡lin, na qual as exigaªncias do realismo socialista já haviam sido (um pouco) abrandadas. O hera³i positivo, que encarnaria o ideal de humanidade na construção do socialismo, passava a receber cra­ticas pesadas justamente por sua falta de humanidade. Os cra­ticos litera¡rios e o paºblico pediam identidade e profundidade nas personagens.

Muitos autores foram buscar inspiração no campo e em seus habitantes. A esterilidade do realismo socialista era combatida com o povo simples, tradicional e puro de uma Raºssia antiga que se perdia. Indo dos anos 1950 ao final dos 1970, a prosa rural foi um dos movimentos mais relevantes da literatura sovianãtica.

A presença recorrente de personagens oriundos do campo facilmente remete Chukchin ao grupo dos prosadores rurais, como cra­ticos internacionais demonstram. Diana, contudo, percebe traa§os específicos no escritor que diferenciam seu trabalho e tornam sua associação com o grupo complicada.

“A figuração do hera³i consciente, que age em prol de um bem maior, portador dos ideais do Partido, não éo tipo heroico visto nos contos de Chukchin e de muitos outros escritores de sua anãpoca, poranãm tampouco évisto em sua obra o camponaªs dotado da sabedoria popular, das tradições folcla³ricas, do olhar saudosista ao passado, como pode ser identificado na prosa rural contemporâneaao escritor”, escreve a pesquisadora em sua dissertação.

De acordo com Diana, a aldeia não éobjeto de contemplação na obra de Chukchin, mas o pano de fundo para as histórias. O autor também não idealiza suas personagens, sejam elas camponesas ou citadinas. Ao contra¡rio, os retratos de Chukchin são carregados de ironia e humor: em vez de grandes feitos, pequenos defeitos.

Esses personagens compõem um tipo que Diana identifica como o excaªntrico, o esquisito (tchudik, em russo), um hera³i que age de maneira não convencional e, muitas vezes, incompreensa­vel. Um tipo que carrega algumas virtudes, como bondade, dedicação ao trabalho e humanismo, mas que estãolonge de parecer um exemplo para o leitor.

Para trazer a  vida essas personagens excaªntricas osao lado de outros tipos menos frequentes, como o velho, o iletrado e o presidia¡rio –, a linguagem da qual se vale Chukchin édeterminante. Um sabor coloquial a aproxima desses hera³is desajustados e expressa simpatia por eles e seus pequenos dramas: entonações, trejeitos e reelaborações da ordem sinta¡tica da£o voz a s personagens e trazem a s pa¡ginas a Sibanãria natal do autor.

Uma mostra dessa prosa e desses excaªntricos já podia ser vista em Da¡-lhe, Coração! e agora mais outras surgem no conjunto traduzido por Diana: Moradores do Campo (Selskie Jiteli), de 1962, O Esquisitão (Tchudik), de 1967, Conterra¢neos (Zemliaki), de 1968, O Microsca³pio (Mikroskop), de  1969, e Colocou no Devido Lugar (Spezal), de 1970.

Da Sibanãria ao Praªmio Laªnin

Chukchin nasceu na remota aldeia de Sra³stki, no territa³rio siberiano de Altai, em 25 de julho de 1929. Era o tempo da Unia£o Sovianãtica sob o pulso de Sta¡lin e não demorou muito para que seu pai fosse executado como contrarrevoluciona¡rio, em 1933, uma pena revista apenas 23 anos depois, já nos anos de Nikita Khrushchov, quando o tribunal russo decidiria não haver provas suficientes para a acusação. Em 1942, a Segunda Guerra Mundial se encarregou de levar também seu padrasto, morto na linha de batalha, fazendo a infa¢ncia de Chukchin ser escrita com as tintas da perda e da dificuldade.

Atémergulhar nas artes, Chukchin ziguezagueou por toda sorte de empregos e ocupações que um jovem sovianãtico com ambições para além do vilarejo poderia ter. Estudou em uma escola técnica e desistiu do curso para ingressar em um kolkhoz osuma das fazendas coletivas do regime sovianãtico. Daa­ passou para o trabalho em estradas de ferro e na construção civil, terminando em 1949 com uma convocação para a Marinha, o que o levou a  operação de ra¡dios na Frota Ba¡ltica do Mar Negro. Uma aºlcera o tiraria das Fora§as Armadas e o arremessaria de volta para sua aldeia em 1953, onde se tornou professor de La­ngua Russa e Literatura em uma escola rural noturna para jovens, da qual chegou a se tornar diretor entre 1953 e 1954.

O pulo decisivo na trajeta³ria de Chukchin acontece em 1954, quando vai para Moscou e ingressa no Instituto Estatal de Cinema para estudar direção, formando-se em 1960. La¡ éaluno de Mikhail Romm e Sergei Gera¡simov e atua no trabalho de conclusão de curso de ninguanãm menos que Andrei Tarkovski.

a‰ também em Moscou que seu primeiro conto épublicado, em 1958, na revista Smena. Sua primeira coleta¢nea, Moradores do Campo (Selskie Jiteli), vem em 1963 pela Editora Molodaia Gvardia.

A partir daa­, Chukchin coordena as atividades de escritor, diretor e ator, muitas vezes adaptando seus textos para o cinema. Com seu primeiro longa-metragem como diretor e cenarista, Jiviot Takoi Paren’, ganha o praªmio de melhor filme no Festival de Cinema da Unia£o Sovianãtica e também o Lea£o de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza, em 1964. Por Vach Cyn i Brat, produção de 1967, ganha os prêmios de melhor direção e cena¡rio no Praªmio Estatal Irma£os Vassilievki, da Unia£o Sovianãtica.

Seu principal filme viria em 1974 e também seria seu último, Kalina Krasnaia, cujo roteiro o pra³prio autor adaptou de seu livro homa´nimo. Dirigindo e protagonizando, Chukchin conta a história de um ex-criminoso em busca de regeneração em uma fazenda coletiva. Pela obra, uma das maiores bilheterias da história do cinema russo, recebeu o praªmio principal do Festival de Cinema da Unia£o Sovianãtica.

Chukchin morreria de ataque carda­aco no dia 2 de outubro daquele mesmo ano, em Kletskii, Volgogrado, enquanto rodava seu filme Oni Srazhalis za Rodinu. Tinha 45 anos. Em vida, lançou oito livros, incluindo romances, novelas e contos, além de uma produção vasta, publicada em peria³dicos, que inclui contos, pea§as teatrais, novelas e artigos. Em 1976, seria agraciado com um Praªmio Laªnin pa³stumo, uma das maiores honrarias do mundo sovianãtico.

Sua obra, principalmente os contos, já recebeu traduções para o inglês, espanhol, italiano, alema£o, francaªs, sanãrvio, polonaªs, tcheco, vietnamita, japonaªs e a¡rabe. Diana ainda não tem planos para a publicação dos cinco contos no formato livro, mas espera disponibiliza¡-los em peria³dicos cienta­ficos. Tomara que o obscurantismo crescente não impea§a a chegada desses e de outros trabalhos de Chukchin a s prateleiras de nossas livrarias e bibliotecas.

 

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