Quando a docente de Yale, Evren Savcı, estava escrevendo sua dissertaa§a£o sobre polatica queer em seupaís natal, a Turquia, uma década atrás, ela descobriu que havia pouca publicaça£o sobre o assunto. Então ela decidiu expandir sua pesquisa
Pessoas que compareceram a uma parada do orgulho LGBT em 30 de junho de 2013 na Praça Taksim, Istambul, Turquia.
Quando a docente de Yale, Evren Savcı, estava escrevendo sua dissertação sobre polatica queer em seupaís natal, a Turquia, uma década atrás, ela descobriu que havia pouca publicação sobre o assunto. Então ela decidiu expandir sua pesquisa em um livro.
Em "Queer in Translation: Sexual Politics Under Neoliberal Islam" (Duke University Press), Savcı, uma professora assistente em estudos de mulheres, gaªnero e sexualidade na Faculdade de Artes e Ciências, ilumina as lutas de indivíduos queer vivendo sob a Justia§a da Turquia e Development Party (conhecido como AKP), um regime polatico isla¢mico moderado que subiu ao poder em 2002. a‰ baseado em parte em sua pesquisa etnogra¡fica sobre ativistas queer de 2008 atéa revolta de Gezi Park de 2013, quando milhares de cidada£os turcos - entre eles LGBT ativistas de direitos humanos - se reuniram para protestar contra os planos do governo de transformar um dos últimos parques da cidade de Istambul em um shopping center e foram recebidos com violência policial.
O livro também explora as maneiras como a terminologia polatica LGBT ocidental viajou e foi interpretada na nação de maioria mua§ulmana e oferece novas maneiras de pensar sobre movimentos polaticos queer além de interpretações bina¡rias, como tradicional versus moderno, global versus local, ou Leste versus Oeste. Entre outros tópicos, Savcı investiga o assassinato de um homossexual curdo cujo pai éacusado de cometer o crime para proteger a honra de sua familia e retrata a vida de trabalhadoras do sexo trans que são cada vez mais assediadas pela polacia em Espaços paºblicos.
Savcı, uma estudiosa de sexualidades transnacionais que também éafiliado ao Conselho de Estudos do Oriente Manãdio do Yale MacMillan Center, conversou recentemente sobre o livro e a luta pelos direitos LGBT na Turquia. A entrevista éeditada e condensada.
Quando vocêcomeçou sua pesquisa na Turquia em 2008, muitas transformações democra¡ticas estavam ocorrendo. O que mudou?
Evren Savcı: Na anãpoca, o AKP estava envolvido em aberturas democra¡ticas como parte da candidatura da Turquia a Unia£o Europeia. Isso incluiu a proibição da pena de morte, que era uma pré-condição para o processo de adesão,mudanças na linguagem misãogina nas leis, a remoção das referaªncias a moralidade e honra da lei e a introdução do estupro conjugal como crime. Foi criada a primeira estação de televisão estatal curda e o governo falava em iniciar relações diploma¡ticas com a Armaªnia, umpaís com o qual existem tensaµes hista³ricas. Houve uma conversa sobre a abertura de um lena§o de cabea§a; os lena§os de cabea§a já haviam sido proibidos em repartições públicas e universidades. Essasmudanças foram geralmente bem-vindas.
Mas em 2010, quando me preparava para terminar minha dissertação, o tom dopaís estava mudando. Houve greves de fome nas prisaµes curdas que o governo denunciava. Isso foi na anãpoca da Primavera arabe. O mundo falava da Turquia como modelo para o mundo a¡rabe, mas estava claro que o governo estava comea§ando a reprimir a dissidaªncia.
Cada vez mais havia mais demandas de submissão ao governo. Sindicatos trabalhistas, feministas e saºditos homossexuais criticavam o governo e parecia que todas asmudanças eram apenas uma parte muito calculada do processo de adesão. Quando isso não deu certo [as negociações de adesão estãoparalisadas desde 2016], o governo não investiu tanto nessas aberturas democra¡ticas.
Evren Savcı
Na anãpoca do protesto do Parque Gezi, jornalistas estavam sendo presos e muitas formas de dissidaªncia foram punidas. As pessoas queer estavam cada vez mais marginalizadas?
Savcı: Nessa anãpoca, começou a ficar claro que opaís estava se transformando em uma ma¡quina de construção privatizante. Muitos bens paºblicos começam a ser privatizados e muitos desses projetos de privatização iam para familiares de responsa¡veis ​​ou aliados pra³ximos. Muitos dos projetos de desenvolvimento urbano não eram apenas prejudiciais ao tecido social, mas também causavam danos ambientais. Os manifestantes contestavam a privatização e a construção.
A revolta foi um grande desafio para o governo do AKP. Este foi um protesto nacional, e a polacia usou balas de pla¡stico, canhaµes de águae gás lacrimogaªneo nos manifestantes. A violência policial severa tornou-se a norma.
Estudiosos americanos do neoliberalismo escreveram sobre como esse sistema econa´mico concentra a desigualdade nos escalaµes mais baixos da sociedade. Eu argumento que na Turquia tem havido uma implantação da marginalidade para massas cada vez maiores de pessoas. Quem não estãoalinhado com o governo évisto como “terrorista†ou inimigo da nação.
Apa³s a tentativa de golpe militar em 2016, o presidente ErdoÄŸan sancionou muitos decretos. Feministas e gays foram abertamente apontados pelo governo como sujeitos “imoraisâ€. Eu argumento em meu livro que a polatica queer éum bom lugar para pensar sobre o mecanismo do neoliberalismo, mesmo sem o Isla£, porque um estado neoliberal éem si mesmo um regime de moralidade. Existe uma crena§a na responsabilidade individual e no auto-empreendedorismo; Espera-se que todos criem idealmente seu pra³prio trabalho. Ha¡ um desaparecimento de redes de segurança social, como saúde, seguridade social e pensaµes. Qualquer falha éentendida como profundamente individual, e a dissidaªncia évista pelo governo como um ataque a economia nacional, onde a própria economia évista como um objeto de segurança nacional.
Na Turquia, a marginalidade já era experimentada por curdos, feministas e queers. Poranãm, cada vez mais, muito mais pessoas estavam do lado "errado" da moralidade turca: estudantes em residaªncias mistas, heterossexuais ou homossexuais, estudantes que estavam de ma£os dadas, mulheres que riam em paºblico, mulheres que recusavam a maternidade - todos eram vistos pelo governo como sujeitos imorais.
Vocaª faz uma conexão em seu livro entre aqueles que defendiam a liberdade de usar lena§os de cabea§a nas universidades e os ativistas LGBT. Qual éa conexa£o?
Savcı: Como o AKP estava fazendo essas aberturas democra¡ticas, houve interesse em suspender a proibição do lena§o de cabea§a. Os secularistas se perguntaram se isso significava uma islamização dopaís. Houve quem dissesse que, se a proibição fosse suspensa nas universidades, isso significaria que os lena§os de cabea§a seriam permitidos nas escolas de ensino fundamental e manãdio. Um ministro do governo respondeu a este debate dizendo: “Olha, não temos que dar a s pessoas tudo o que elas querem. Os homossexuais estãopedindo o direito de se casar, vamos dar a eles? â€
O casamento gay nem era um debate na anãpoca em que ele disse isso, mas essa declaração acabou introduzindo os direitos LGBT no imagina¡rio nacional como um desafio potencial para o governo e os mua§ulmanos devotos. Tornou-se uma espanãcie de teste de tornassol no debate sobre o vanãu, onde ativistas do vanãu eram questionados se também apoiavam os direitos LGBT. Foi um teste de sua sinceridade [sobre as reformas democra¡ticas].
Existem muitos cidada£os turcos seculares que não apoiam os direitos LGBT, e seu acesso a educação pública não érestringido como épara mulheres que usam lena§os de cabea§a. Eu queria olhar para a complexidade das discussaµes que estavam ocorrendo. No final das contas, houve um desentendimento entre o lena§o na cabea§a e os ativistas LGBT, mas acredito que poderia ter havido conversas mais produtivas entre eles se os direitos LGBT não tivessem sido usados ​​como um dispositivo discursivo no debate.
Vocaª tem alguma esperana§a de que as liberdades que os ativistas queer desejam alcana§ar possam ser realizadas sob o regime atual?
Savcı: Nãosob o regime atual, não. Mas tenho esperana§a. Penso que o povo turco aprendeu lições importantes em circunsta¢ncias dolorosas, em parte devido ao arco de aberturas democra¡ticas que então ruiu.
Tantas pessoas foram alvo de violação dos padraµes de moralidade, e eu acho que éuma coisa boa que muitos mais de nos- não apenas curdos ou LGBT ou feministas ou outros que expressam discorda¢ncia - sejamos cada vez mais marginalizados. Esse regime acabara¡ algum dia. Espero que as pessoas se lembrem então de que a marginalização não tem limites. Nãopara com este ou aquele grupo. Se tivermos um sistema em que algumas pessoas são expulsas de uma existaªncia aceita¡vel, qualquer um pode ser expulso.
Tem havido aberturas produtivas para não pensar sobre o Isla£ de forma monolatica, não pensar sobre gaªnero e não-normatividade sexual de forma monolatica. Esse gaªnio saiu da garrafa. A questãoécomo criar uma coexistaªncia social pacafica em que as pessoas saibam falar umas com as outras e não vejam um inimigo quando olham para um concidada£o.