Humanidades

Poesia, arquitetura e design andam juntos na arte digital
Com essa proposta, Arthur Moura Campos aborda o vazio e o tempo da pandemia no poema “Saa­da”
Por Leila Kiyomura - 23/04/2021


O poema constra³i uma edificação modernista no meio do deserto osFoto: Acervo pessoal
 
Uma construção modernista em um deserto. Na porta, um aviso: Saa­da. As palavras se soltam pelo espaço em ca­rculo, voam e repetem: O canãu cerca a terra, cerca a a¡gua, cerca o sol. A ca¢mara percorre o ambiente e sai por um ca­rculo. Mergulha no canãu em busca do infinito. O poema digital Saa­da, de Arthur Moura Campos, da¡ liberdade para o espectador ver, ouvir e decifrar as palavras. Poeta, artista e arquiteto, ele éformado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Em frases aparentemente soltas no vazio, onde o inimigo invisível da pandemia expira e inspira, ele une poesia, arquitetura, a¡udio, va­deo, game art, design.

Em um instante desse tempo sempre igual e solita¡rio, a ca¢mera do poeta se fixa em uma parede, e ele escreve a sua daºvida com tinta azul: “Querido vizinho, não sei se te conhea§o. Qual émesmo o teu enderea§o?”.

Goianense, nascido em 1993, veio para Sa£o Paulo para estudar na FAU. “Na faculdade, eu me envolvi profundamente com o Laborata³rio de Programação Gra¡fica (LPG). La¡ cresceu a minha paixa£o pelo design gra¡fico como forma de materializar os meus poemas. Experimentei a grande variedade de técnicas de impressaµes que são desenvolvidas no laboratório e agucei essa relação a­ntima da forma com a palavra que meu trabalho carrega.”

A arquitetura e o design das palavras, o então estudante Arthur foi buscando e descobrindo. O projeto de seu poema digital Saa­da foi o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), orientado pela professora Clice de Toledo Sanjar Mazzilli. “Eu me perguntei se haveria um prédio em que podera­amos literalmente entrar na palavra”, observa. “Essa vontade de espacialização do texto era uma resposta possí­vel para a sa­ntese que procurava. Com os esboa§os e desenhos iniciais, cheguei a  primeira imagem de um grande bloco macia§o de concreto que tivesse a palavra ‘saa­da’ escrita em sua fachada, e o ‘i’ seria a porta de entrada.” O projeto tem a parceria de Anders Rinald, formado pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e Rodolfo Brant, da Dive Realities (assista nesta pa¡gina, abaixo, ao poema digital Saa­da).

“Os potenciais criativos e a abrangaªncia dessas formas de arte ainda estãose consolidando. O tempo vai nos mostrar esses caminhos.” 


O arquiteto poeta conseguiu, atravanãs do projeto Saa­da, criar um prédio poanãtico-arquiteta´nico que sedia sonhos, palavras, questionamentos. Desabafa: “avida, daºvida”. Sa£o poemas curtos imersos no silaªncio do Espaço. “Enfim, infinito.” Arthur pergunta aos espectadores: “Se isso fosse um livro, vocêteria lido?”. Talvez sim. Talvez não. Certo éque o poema, com a sonorização e os movimentos, tem outra dina¢mica, outro paºblico. Diferente da luz de um mesmo livro na cabeceira, em silaªncio, a  espera de seu fiel leitor.
 
Para Arthur Moura Campos, a pandemia e o isolamento social aceleraram processos de virtualização que já eram crescentes. “As horas que passamos em frente a s telas aumentaram de forma considera¡vel e saºbita, seja no trabalho, seja no entretenimento, o que torna difa­cil mensurar esse impacto real nas prática s arta­sticas”, comenta. “Essas novas formas de consumo e fruição de arte, que são cada vez mais abstratas, dependem desse ambiente tecnola³gico para existir. Os potenciais criativos e a abrangaªncia dessas formas de arte ainda estãose consolidando. O tempo vai nos mostrar esses caminhos.”

A arte digital, na opinia£o do poeta arquiteto, traz uma forte abstração e um apelo de materialização sensorial do imagina¡rio. “a‰ uma tentativa de borrar as fronteiras do real e do irreal, quase um super sonho, o que combina com nosso mundo delirante. Mas isso talvez seja são a arte em um novo rosto mais eletra´nico, que ainda guarda esse nosso desejo de expansão e percepção ancestral, são que na velocidade da luz.” 

“As tecnologias foram imersas nas questões estanãticas. Artistas e professores da USP, como Artur Matuck, Regina Silveira, Julio Plaza e Gilbertto Prado, entre outros, experimentam as potencialidades da tecnologia na arte.”


 A cra­tica e pesquisadora Alecsandra Matias de Oliveira, pa³s-doutora em Artes Visuais e especialista em Cooperação e Extensão Universita¡ria do Museu de Arte Contempora¢nea (MAC) da USP, comenta Saa­da: “O poema de Arthur Moura Campos me lembrou muito Danãcio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos. Poranãm, uma poesia concreta imersa na realidade digital”.
 
Alecsandra destaca a importa¢ncia do MAC ao ser uma das primeiras instituições a sediar, em meados da década de 1960, pesquisas nessa área. “As tecnologias foram imersas nas questões estanãticas. Artistas e professores da USP, como Artur Matuck, Regina Silveira, Julio Plaza e Gilbertto Prado, entre outros, experimentam as potencialidades da tecnologia na arte.”

No decorrer das décadas, segundo análise da pesquisadora, as imagens de va­deo também se multiplicam no meio digital, assim como as fotografias manipuladas e as imagens geradas por equações matemáticas. “As poanãticas digitais emergem desse movimento. Elas são novos modos de fazer poesia em suportes computacionais, apresentando uma inovadora forma de escrita aos órgãos sensoriais, em produções imaganãticas, fa­lmicas, sonoras e outras. A artista e professora da USP Giselle Beiguelman, por exemplo, experimenta asmudanças que estãoocorrendo no ca³digo e no suporte escrito a partir do surgimento dos meios digitais.”
 
Sylvia Werneck vem se destacando por falar e ensinar sobre as atualidades da arte no projeto Artemtudo, exibido no Youtube. Cra­tica de arte, doutora pelo Programa de Pa³s-Graduação Integração da Amanãrica Latina (Prolam) da USP, Sylvia defende e divulga o processo criativo da arte digital. “Sa£o de menor importa¢ncia as técnicas ou linguagens das quais os artistas se valem para expressar a sua poanãtica. Nãoraro, suas escolhas se desenvolvem a partir de preferaªncias individuais, acesso a materiais, ambiente e tempo dispona­vel para o processo criativo”, comenta. “Em uma anãpoca totalmente imersa no digital, estranho seria se a arte não se estendesse também para esse ‘não lugar’, usando dos meios que aa­ existem.”

Sylvia procura acompanhar as interferaªncias emudanças no mundo da arte. “A cada novidade, a¢nimos se inflamam e acalorados debates ganham vulto. Amedida que a novidade se transforma, ganhando ou perdendo substância e sofisticando sua relação com o entorno, vai encontrando o lugar que melhor a acomoda e entre aqueles que a acolhem ou não. O tempo, esse que éum dos deuses mais lindos, dira¡. Daa­ os grandes exemplos de artistas e professores da USP, referaªncias no ensino e na criatividade da arte digital.”

 

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