Humanidades

Unicamp recebe acervo Geledanãs Instituto da Mulher Negra
Conjunto de documentos acumulados durante 33 anos registra vários aspectos da trajeta³ria e luta de mulheres negras
Por Divulgação AEL - 14/07/2021


Cortesia

O Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp recebeu no último dia 26 de junho o acervo Geledanãs Instituto da Mulher Negra, fundado em Sa£o Paulo em 1988 por um grupo de 10 mulheres. Sa£o elas: Sueli Carneiro, Solimar Carneiro, Sa´nia do Nascimento, Edna Roland, Maria Laºcia da Silva, Ana Maria da Silva, Deise Benedito, Elza Maria da Silva, Eufrosina de Oliveira e Laºcia Bernardes de Souza. Atualmente o Instituto épresidido por Anta´nia Quintão.

O acervo écomposto por um conjunto de documentos acumulados durante 33 anos que registra vários aspectos das trajeta³rias e lutas de mulheres negras, com destaque para os temas saúde da mulher negra e direitos reprodutivos; machismo e violência doméstica; direitos humanos; educação; as articulações com outros movimentos de mulheres no Brasil e na dia¡spora; lutas por cidadania e direitos da população negra em geral. Além disso, nos documentos doados ao AEL, há memória de importantes campanhas de informação e conscientização dos movimentos sociais e do Estado sobre o HIV/AIDS e anemia falciforme ao longo dos anos 1990, bem como, na mesma década, das edições da revista “Podecraªâ€, uma publicação que registrou o começo do movimento do rap e hip hop paulistano e no Brasil.

A coleção abrange produções textuais, boletins, correspondaªncia, documentação de eventos, faixas, banners e centenas de cartazes. Por meio dos registros épossí­vel compreender, por exemplo, as articulações para a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Xenofobia e Intolera¢ncias Correlatas ocorrida em Durban, áfrica do Sul, em setembro de 2001, que teve grande impacto na formulação de políticas públicas de combate ao racismo no Brasil. Além da construção contemporâneade diferentes movimentos de mulheres negras protagonistas da luta antirracista no Brasil e no exterior. O acervo Geledanãs Instituto da Mulher Negra deve estar dispona­vel para pesquisa já em 2022.

A incorporação do acervo a  Unicamp éparte de um projeto mais amplo de preservação da memória negra coordenado pelos diretores do AEL, Aldair Rodrigues (do Departamento de Hista³ria) e Ma¡rio Medeiros (do Departamento de Sociologia), em parceria com o Naºcleo de Pesquisa e Formação em Raa§a, Gaªnero e Justia§a Social (CEBRAP Afro), liderado pela professora Ma¡rcia Lima (USP). O objetivo épreservar, digitalizar e difundir acervos das organizações negras brasileiras.

Parceria estratanãgica para maior visibilidade

O reitor da Unicamp Antonio JoséA. Meirelles, destaca a importa¢ncia da iniciativa para possibilitar a  comunidade acadaªmica incorporar em sua agenda de pesquisa, de forma cada vez mais intensa, as questões associadas ao racismo e aos direitos humanos. “a‰ com imensa alegria que nossa universidade incorpora este acervo. Parabenizo a Direção do AEL, professores Aldair e Ma¡rio, por esta iniciativa, com a expectativa de que ela seja a primeira de muitas outras na mesma direção. Sua importa¢ncia não estãocaracterizada somente por dar continuidade, agora em termos da documentação acumulada por movimentos sociais, mas também a uma postura cada vez mais inclusiva de nossa universidade", destacou.

O reitor lembra que as políticas de ação afirmativa da Universidade focam tanto em elementos associados a  entrada de estudantes de escolas públicas, de pretos e pardos e de inda­genas quanto em políticas de permanaªncia estudantil. Dessa forma, a meta éque a Unicamp reflita cada vez mais a diversidade existente na sociedade. "Iniciativas como esta do AEL fortalecem a base para que tema¡ticas associadas a  inclusão, ao racismo, a  justia§a anãtnico-racial e social tornem-se parte permanente da nossa formação de pessoas, de nossas pesquisas e de nossas atividades de extensão”, declarou.

Ma¡rcia Lima, da Afro Cebrap/USP acredita que esse projeto traz uma nova perspectiva sobre a memória da luta negra nopaís. Para Ma¡rcia Lima, dar maior visibilidade aos intelectuais e militantes negros assim como a s suas organizações éum fator essencial para a consolidação da luta antirracista. “Nesse momento, vivemos sob a anãgide do obscurantismo que trabalha justamente em prol do apagamento e da negação da história e da situação da população negra. Portanto, preserva¡-la éum forma poderosa de resistência.", afirma.

Sueli Carneiro e Suelaine Carneiro relatam que o acervo de Geledanãs chegar ao AEL/Unicamp significa que seráiniciada uma nova história e se cumprira¡ uma nova tarefa pola­tica de subsidiar estudos de gerações de pesquisadores nos temas de nossa missão institucional. “A parceria reflete o cuidado, carinho e o compromisso de pessoas dedicadas a  preservação da memória dos movimentos sociais, assim como, transferir os legados de nossas lutas para todes que são delas continuidade.”, declaram.

Preservação da memória negra

No contexto de implementação das ações afirmativas na Universidade, o acervo pode oferecer novas referaªncias e visaµes de mundo para os alunos de graduação e pós-graduação, docentes e funciona¡rios, além de fomentar pesquisas inanãditas sobre as questões que marcaram as trajeta³rias das intelectuais do Geledanãs. Segundo Aldair Rodrigues, a documentação possibilita, por exemplo, recuperar e contar momentos decisivos da história da expansão da democracia no Brasil na perspectiva das mulheres negras que lutaram contra o racismo e o machismo, principalmente no período após a ditadura militar e constituição de 1988.

Da esquerda para direita: Ma¡rio Medeiros (AEL), Suelaine Carneiro (Geledanãs),
Aldair Rodrigues (AEL), Sueli Carneiro (Geledanãs) e Ma¡rcia Lima
(Cebrap Afro), na sede do Geledanãs, em Sa£o Paulo  

Ma¡rio Medeiros avalia que a importa¢ncia da preservação da memória negra no Brasil, neste projeto, éuma forma de produzir conhecimento sobre experiências políticas e intelectuais que moldaram a cidadania brasileira, reivindicando e alargando o campo dos direitos civis, sociais e pola­ticos. “Tambanãm éuma forma da universidade ser aliada do combate antirracista e salvaguardar esta memória num cena¡rio de tanta violência contra a população negra”, analisa.

Taina Silva Santos, mestranda em Hista³ria Social que atuou no projeto, foi integrante do Naºcleo de Consciaªncia Negra da Unicamp entre 2014 e 2018 e participou do movimento pela implementação das cotas raciais na universidade, explica que “essa iniciativa émais um passo importante para o avanço das ações afirmativas na universidade que já conta com um perfil diversificado de alunos, mas ainda precisa contemplar a produção intelectual das populações negras e inda­genas nos curra­culos e na organização dos arquivos e centros de documentação.”

Silvia Santiago, professora da Faculdade de Ciências Manãdicas e dirigente da Diretoria Executiva de Direitos Humanos da Unicamp destaca a releva¢ncia de se desvelar vivaªncias, interpretações e reestruturação das existaªncias que permitiram seguir adiante e construir mundos mais acolhedores aos direitos de todos. “Sa£o documentos que nos mostram a contribuição com a discussão necessa¡ria sobe o racismo e seu enfrentamento e o entendimento do valor das vidas negras e a riqueza que significam no mundo.”, afirma.

O acervo, em sua opinia£o, aponta para questões da saúde da mulher, que muito interessam, mas também, questões de participação pola­tica, arta­stica e toda a complexidade das ações em diferentes momentos da vida dopaís. “Precisamos estudar, aprender e ensinar a história dessas brasileiras e brasileiros que contribua­ram para o que somos hoje. Fica um enorme agradecimento a  generosidade do Geledanãs e ao empenho e compromisso dos professores Aldair Rodrigues e Ma¡rio Medeiros, que trazem para a Unicamp a oportunidade de mais conhecimento que nos guie na tarefa de continuar a construção de justia§a e direitos para todos.”, declara.

O projeto atual segue nas trilhas das iniciativas precursoras dos docentes Lucilene Reginaldo, diretora associada do AEL entre 2014 e 2016, e Ma¡rio Medeiros que deram visibilidade a s fontes do arquivo referentes a  experiência negra no Brasil e na áfrica. Posteriormente, entre 2017 e 2020, Lucilene Reginaldo, Ma¡rio Medeiros e Silvia Lara desenvolveram uma parceria pioneira com clubes negros do estado de Sa£o Paulo para organização e digitalização de seus acervos, no projeto financiado pela FAPESP e sediado no AEL, intitulado “As Cores da Cidadania: os clubes negros do estado de Sa£o Paulo (1897-1952”. Este último projeto buscou preservar documentos raros e produzir conhecimento sobre associações negras centena¡rias de Sa£o Carlos, Piracicaba, Sorocaba, Campinas, Batatais, Jundiaa­ e Rio Claro.

 

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