Humanidades

Aumento de casos de violência contra idosos demonstra falta de políticas públicas
De acordo com IBGE, a populaa§a£o idosa no Brasil ira¡ compor cerca de 29% da populaa§a£o, contudo, falta de políticas públicas para promover amparo ao idoso pode afetar a qualidade de vida dessa parcela da populaa§a£o
Por Patrick Fuentes - 07/08/2021


A pandemia de covid-19 trouxe um aumento nos casos de violências contra a população idosa. Sendo parte do grupo de risco, essa parcela da população foi forçada a mudar seus hábitos adotando a quarentena para garantir sua saúde. No entanto, essa medida de isolamento, por mais efetiva que seja para diminuir o conta¡gio do va­rus, acabou aumentando o número de casos de violência contra o idoso no ano de 2020. 

De acordo com dados disponibilizados pelo Disque 100, canal de atendimento que recebe, analisa e encaminha denaºncias de violação dos direitos humanos para os órgãos competentes, de 2019 para 2020 o número de chamadas para reportar algum tipo de violência contra o idoso foi de 48,5 mil para cerca de 77 mil denaºncias; houve um aumento de 53% no número de denaºncias. Atéo primeiro semestre de 2021, o número de denaºncias registradas ultrapassou 30 mil. 

“Alguns fatores que contribua­ram para esse cena¡rio foram a restrição de conva­vio social, a maior convivaªncia entre os milhares que residiam na mesma casa, favorecendo assim um acaºmulo de tensaµes”, contou em entrevista Deusivania Falca£o, professora e pesquisadora na área de Gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. De acordo com ela, as incertezas em relação ao futuro, somadas a possa­veis situações familiares anteriores aos casos de violência tiveram papel importante nessa crescente.

A violência

O Estatuto do Idoso, promulgado pela lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003, descreve a violência contra o idoso como qualquer ação ou omissão, praticada em local paºblico ou privado, que lhe cause morte, dano ou sofrimento fa­sico ou psicola³gico. 

“Lembrando que a negligaªncia, o abandono éo primeiro caso, éo primeiro tipo de violência mais frequente”, afirma Bibiana Graeff, também professora do curso de Gerontologia da EACH. De acordo com a professora, esse tipo de caso émais comum devido a  codependaªncia que a pessoa idosa pode vir a desenvolver com o tempo, precisando de determinados apoios para realização de funções ba¡sicas, como ir ao mercado, ou um acompanhante para poder deslocar-se, por exemplo.

De acordo com os números do relatório divulgado em 2019, a negligaªncia éo tipo de violência contra o idoso mais comum, representando 41% do total das denaºncias. Apa³s ela, as principais violações sofridas por idosos são: a violência psicológica, com 24% das denaºncias; o abuso financeiro, com 20%; a violência física, com 12% e a violência institucional, com 2%.

“Se a gente bem observar, além da violência propriamente dita, o pra³prio distanciamento social de alguma maneira também pode provocar problemas de saúde mental”, comenta  Deusivania sobre os impactos psicola³gicos que a agressão pode vir a ter no idoso e completa: “Nãosão da pandemia, mas também desse membro da familia que agride o idoso émuito grande”. Para a professora, os profissionais de saúde que realizarem o atendimento da va­tima não devem limitar-se a procurar somente sintomas fa­sicos decorrentes da violência, mas também sintomas psicola³gicos para prevenir quadros de doenças mentais. 

Ambiente familiar

De acordo com o relatório anual divulgado em 2019 pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), existe uma relação de conva­vio familiar entre o suspeito de violência e a va­tima. Em torno de 65% dos suspeitos são filhos da va­tima. De acordo com Bibiana, esse envolvimento afetivo entre o agressor e a va­tima éum fator que leva a casos de violência passarem despercebidos pela va­tima que, por conta do laa§o, não reconhece a agressão ou passa por um processo de internalização da agressão por não querer gerar implicações negativas contra o agressor.

“Muitas vezes, quando o idoso faz a denaºncia, depois ele imediatamente quer retirar essa denaºncia, porque gostaria apenas que o filho ou a filha levasse um susto, mas não gostaria que realmente houvesse uma consequaªncia mais sanãria”, relata Bibiana.

Pelo Estatuto do Idoso éviolência contra o idoso qualquer
ação ou omissão, praticada em local paºblico
ou privado osFoto: Pexels CC

Deusivania comenta alguns relatos que ouviu de idosos que diziam preferir ser violentados pelos filhos ou atémesmo por outros parentes do que vaª-los em uma prisão. Nãosão medo que a punição que o parente possa sofrer, mas também de retaliações ou abandono do agressor. “Ha¡ também aqueles que cresceram em um sistema familiar violento com relações abusivas e isso de algum modo acaba naturalizando as agressões que eles sofrem”, ela diz.

Pola­ticas públicas

Segundo o estatuto do idoso, qualquer pessoa acima de 60 anos tem acesso a direitos ba¡sicos como a vida, a saúde, a liberdade, ao lazer, a  dignidade, entre outros que seguem a mesma premissa de gozo a  vida. No entanto, outras políticas públicas e infraestruturas de apoio ao idoso são necessa¡rias para manutenção ou garantia desses direitos. 

Deusivania, ao avaliar as infraestruturas, ressaltou que órgãos do sistema de saúde — como as Unidades Ba¡sicas de Saúde e os hospitais — e órgãos de assistaªncia social devem estar capacitados para identificar sinais de violência e informar as autoridades. Do ponto de vista comunita¡rio, ela destaca a importa¢ncia da manutenção e da ampliação dos equipamentos sociais da rede de proteção formal e informal ao idoso citando, como exemplo, as delegacias do idosos.

“Em termos de pola­tica pública”, diz Bibiana, “uma das coisas que me deixaram muito preocupada este ano foi saber que a ONDH não vai mais publicar o relatório dos casos de denaºncias”. Para ela, émuito importante a produção deste relatório, porque informação éa primeira coisa necessa¡ria para construção de qualquer pola­tica pública, assim como dificultar o acesso e divulgação sobre o assunto para a sociedade, impedindo a conscientização sobre o tema. Outra consequaªncia, que vira¡ com a não produção do relatório, éa possibilidade de realizar comparativos entre os relatórios produzidos em anos anteriores para entender o cena¡rio em que vivemos e entender quais medidas são ou não efetivas para diminuir os casos de violência: porque senão, a gente vai ficar no escuro”, ressalta ela.

Segundo Bibiana, énecessa¡ria a adoção de outras medidas e equipamentos para diversificar os moldes de moradias para idosos no Paa­s. Entre elas, a moradia para a vida independente, focada em um perfil de idoso que tem autonomia para morar sozinho e não precisa de tanta assistaªncia. Ela comenta também a importa¢ncia da manutenção das Instituições de Longa Permanaªncia para Idosos (ILPI), ambientes governamentais ou não governamentais, de cara¡ter residencial, destinados ao domica­lio coletivo de pessoas idosas, destacando que épreciso políticas públicas para investir nas versaµes públicas dessas residaªncias, devido a  dificuldade de acesso dos idosos em custear uma ILPI privada. “Então, a gente precisa melhorar tanto em termos de qualidade como também em quantidade porque as que existem hoje são insuficientes”, conclui ela.

Uma população em envelhecimento

De acordo com uma projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estata­stica (IBGE), a população idosa no Brasil ira¡ chegar na casa dos 76 milhões em 2050, algo em torno de 29% da população. Para Deusivania, o envelhecimento da população revela como muitos familiares e setores da sociedade não sabem como lidar com pessoas idosas. Nãosão isso, mas como os profissionais também não possuem o preparo necessa¡rio para lidar com esse tipo de situação de violência. “Na³s não temos, por exemplo, na maior parte das nossas universidades, disciplinas focadas na velhice ou atémesmo no envelhecimento e isso éalgo que deve ser de alguma maneira modificado rapidamente”, afirma ela. 

Segundo a especialista, énecessa¡ria a promoção de medidas educativas em torno da questãodo envelhecimento sauda¡vel, mobilizando, tanto individualmente quanto coletivamente, a sociedade assim como os especialistas em cuidados gerontola³gicos de forma a contribuir para um ambiente familiar sauda¡vel e sem violência. “Porque, daqui a pouco, nosvamos ter um grande número de pessoas idosas e não vamos saber lidar com elas”, conclui ela.

 

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