Humanidades

O que esperar do Brasil após o 7 de Setembro?
Ao anunciar sua intena§a£o de não mais cumprir decisaµes do STF, o presidente Bolsonaro escala a crise institucional e coloca a defesa da democracia na ordem do dia
Por USP - 09/09/2021


Fotomontagem Jornal da USP com imagens de Wikimedia Commons e Fotos Paºblicas

O 7 de Setembro galvanizou as atenções do Paa­s, acelerando o processo pola­tico em direção a um horizonte incerto. No lugar dos tradicionais desfiles militares em Brasa­lia e outras capitais, o cena¡rio foi tomado tanto pelas manifestações orquestradas pelo presidente Jair Bolsonaro quanto pelas convocadas pelas oposições. Em Brasa­lia e na Avenida Paulista, em Sa£o Paulo, o presidente Bolsonaro, após dois meses de pregação preparata³ria dos eventos por todo o Paa­s, discursou para paºblicos expressivos, mas bem menores do que o esperado pelos organizadores. Nem uma palavra sobre os problemas reais que afligem o Paa­s, muito menos sobre como resolvaª-los.

Suas falas se concentraram em cra­ticas ao uso das urnas eletra´nicas nas eleições, sistema recentemente confirmado e mantido por votação na Ca¢mara dos Deputados. E em ataques ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que comanda inquanãritos que o envolvem e podem atingir filhos e correligiona¡rios — e serápresidente do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições de 2022.

Em meio ao seu discurso em Sa£o Paulo, Bolsonaro disse que não mais acatara¡ qualquer decisão emanada do ministro Moraes, apontando para uma possí­vel futura postura de desrespeito a  Constituição.

As manifestações das oposições, também por todo o Paa­s, concentraram-se em fortes cra­ticas a problemas como o desemprego, fome, inflação, que estãodificultando a vida das camadas mais pobres da população, e as confusaµes na campanha de vacinação contra a pandemia do coronava­rus, que se desenvolve mais lentamente do que o necessa¡rio.

Os discursos de Bolsonaro já estãogerando repercussaµes e reações no mundo jura­dico e pola­tico e na sociedade. Abaixo, o Jornal da USP publica a opinia£o e a análise de especialistas da Universidade de Sa£o Paulo.


Renato Janine Ribeiro
Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

“O presidente manteve seu discurso habitual, inclusive ameaa§ando o Judicia¡rio […] Faltou a menção aos quase 600 mil brasileiros mortos por covid […] Faltou menção a  crise econa´mica que estamos vivendo […]. Faltou uma menção a  educação, ciência e pesquisa […]. Faltou preocupação com a vida das pessoas […]. a‰ uma pena que o presidente não se preocupe com essas questões.”


Joséalvaro Moisanãs
Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

“As manifestações se constitua­ram, de certo modo, num ato de campanha eleitoral do presidente para concorrer a  eleição oscampanha fora de tempo écrime, e isso émais grave se envolve o uso de recursos paºblicos, como parece ter ocorrido nesse caso […]. Mas o ponto mais controverso constitui o fato de Bolsonaro ter dado elementos para a atualização das propostas do seu pra³prio impeachment. Ao propor, em nome da Constituição, medidas que burlam a autonomia e a independaªncia de alguns dos Poderes republicanos mais importantes, como éo caso do Supremo Tribunal Federal, o presidente pode ter oferecido precisamente a base para a abertura de um processo de seu impedimento.


Sima£o Silber
Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP

“Sem os discursos, a situação da economia brasileira já era ruim […]. Com os dois discursos pregando rupturas com as instituições, trazendo uma incerteza muito grande, mexeu com as expectativas dos agentes econa´micos […]. O resultado veio hoje na abertura dos mercados, com a bolsa caindo mais que 1% […] e uma pressão sobre o da³lar que se desvalorizou e tem uma tendaªncia a se desvalorizar mais ainda […]. Foi um beijo na morte que estava faltando.”


Marcos Fava Neves
Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeira£o Preto da USP

“Este 7 de Setembro me deixou com sensações mistas […]. As manifestações foram muito bem organizadas, paca­ficas, bonitas de se ver […]. As pautas contra o ambiente democra¡tico não tem o meu apoio, isso custa muito caro para umpaís […]. Para a economia, esse ambiente belicista que o Brasil vive, não bastasse a crise sanita¡ria […] A crise da economia melhorou um pouco, mas poderia estar mais forte [ainda mais com] a crise ha­drica brutal no Paa­s […]. Para o ambiente econa´mico isso não ébom, o Brasil precisa passar por um processo de pacificação.”


Rafael Mafei
Faculdade de Direito da USP

“As manifestações do 7 de Setembro de que o presidente participou foram marcadas por pautas declaradamente antidemocra¡ticas, a principal das quais a retaliação e ameaça contra o Supremo Tribunal Federal, em especial a dois de seus ministros […]. A Constituição étaxativa em dizer que o Judicia¡rio tem poder para rever atos da Presidaªncia da República e de ministros de Estado […]. Quando toma qualquer medida que porventura invalide uma pola­tica do presidente, o Judicia¡rio estãocumprindo o seu papel de fazer com que a Constituição seja observada […]. O presidente não tem o direito constitucional de não ser contrariado por jua­zes […]. A Constituição e as leis estabelecem que o presidente tem o dever de acatar decisaµes judiciais e tem o dever de não ameaa§ar ou incitar a população.”


Maria Herma­nia Tavares
Professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e do Instituto de Relações Internacionais, ambos da USP

“As manifestações promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro ontem são mais um passo na escalada que ele tem promovido de ataque a s instituições brasileiras. Embora fale de liberdade, o presidente frequentemente assedia jornalistas e ameaça opositores […], embora fale de democracia, o seu entendimento éaquele sistema no qual as eleições entregam para quem teve a maioria dos votos um mandato ilimitado […]. Isso não édemocracia, éum autoritarismo de base eleitoral […]. A democracia verdadeira éaquela na qual o poder lega­timo dos mandata¡rios eleitos élimitado pelas leis e instituições do sistema democra¡tico […]. O presidente éum autorita¡rio que foi eleito pela regra democra¡tica […]. Ontem, nas ruas, vimos a extensão e a limitação do seu poder […]. Ele divide o Paa­s, um Paa­s que precisa estar unido.”


Deisy Ventura
Professora da Faculdade de Saúde Paºblica da USP

“O que estamos vendo acontecer no Brasil não énovidade nem em relação ao que o presidente da República, que éum agitador extremista, vem anunciando e prometendo […], mas também não énovidade hista³rica nenhuma […]. Os movimentos totalitaristas agem exatamente dessa forma […], muitas vezes chegam ao poder pela via eleitoral, como no Brasil, e depois utilizam o aparelho do Estado contra a população […]. Quem estãohipnotizado por esse movimento […] realmente não o vaª como o perigo que é[…]. Essa éa hora de surgirem os estadistas […] esta éa hora de surgirem as liderana§as sociais […]. Este éum momento de enorme gravidade que precisa ser tratado como tal.”

 

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