Humanidades

Progresso desfeito: Rory Stewart sobre o que deu errado no Afeganistão
Stewart atravessou o Afeganistão em 2002, uma jornada que ele relatou em seu livro amplamente aclamado de 2006,
Por Mike Cummings - 14/11/2021


Jovens meninas afega£s freqa¼entam aulas em uma escola prima¡ria em Cabul, Afeganistão. (Oliver Weiken / picture-alliance / dpa / imagens AP)

Rory Stewart traz uma perspectiva única e matizada para qualquer discussão sobre o Afeganistão. Poucos ocidentais conhecem opaís como ele.

Stewart atravessou o Afeganistão em 2002, uma jornada que ele relatou em seu livro amplamente aclamado de 2006, “The Places in Between”. Em 2005, ele se mudou para Cabul para estabelecer e liderar a Turquoise Mountain Foundation , uma organização sem fins lucrativos que trabalha para reviver as indaºstrias de artesanato

Rory Stewart.

Ex-diplomata, secreta¡rio de gabinete brita¢nico e membro do Parlamento, Stewart émembro saªnior do Jackson Institute for Global Affairs de Yale. Nessa função, ele ajudou a estabelecer os Dia¡logos de Desenvolvimento de Yale , uma sanãrie de discussaµes apresentadas em conjunto pelo Instituto Jackson, o Departamento de Hista³ria e o Centro de Crescimento Econa´mico de Yale que aplica lições de história e economia a problemas de pola­tica empaíses em desenvolvimento. Em 16 de novembro, ele participara¡ de um painel de Dia¡logos de Desenvolvimento sobre os desafios humanita¡rios enfrentados pelo Afeganistão após a retirada dos Estados Unidos.

Stewart recentemente compartilhou sua perspectiva sobre a situação no Afeganistão. A entrevista foi editada e condensada.

Que progresso vocêtestemunhou no Afeganistão nos últimos 20 anos?

Rory Stewart: Em 2002, apenas no final do período do Taleban, eu andei mais de 800 quila´metros de Herat, no oeste do Afeganistão, a Cabul. Ao longo do caminho, deparei com aldeias que haviam sido totalmente queimadas. O Taleban havia devastado essas comunidades. Foi essencialmente um genoca­dio. Nenhuma mulher estava indo para a escola. Nãohavia eletricidade. Sem estradas. Sem rendimentos. Sem meios de subsistaªncia. Essas mesmas comunidades rurais no ini­cio deste ano eram vibrantes. Havia estradas e eletricidade. Havia uma rede de cla­nicas de saúde. Quando estive doente nessas áreas, há20 anos, era uma caminhada de três dias atéa cla­nica mais próxima, que não tinha remanãdios. Agora existem farma¡cias. Existem médicos. Existem escolas. Toda uma geração de mulheres conseguiu estudar atéo ensino manãdio,

Foi uma transformação extraordina¡ria. Sinto isso por meio dos afega£os que conhea§o e da maneira como suas vidas mudaram. Eles deixaram de estar entre as pessoas mais pobres do mundo e passaram a ter padraµes de vida compara¡veis, em muitos casos, apaíses como a andia. Mas, infelizmente, tudo isso foi desfeito quase da noite para o dia. a‰ de partir o coração.

O que os Estados Unidos e outrospaíses ocidentais poderiam fazer agora para ajudar o povo afega£o?

Stewart: O governo dos EUA poderia ser muito mais generoso e muito mais flexa­vel. Nãohavia razãopara o Departamento de Estado suspender todo o seu financiamento ao Afeganistão. Cortou o financiamento de pequenos projetos culturais em Cabul, que nada tinham a ver com o governo do Taleban. Antes da retirada dos EUA, 60% do ora§amento do governo afega£o vinha da ajuda internacional. Isso acabou agora.

"Podera­amos ter melhorado a vida de milhões de afega£os se tivanãssemos sido pacientes."

rory stewart

Para ajudar o povo afega£o, os Estados Unidos e outrospaíses ocidentais podem decidir que não faz sentido paralisar a indústria de exportação afega£. Por exemplo, não faz sentido destruir o sustento de um milha£o de mulheres afega£s que trabalham na indústria de tapetes. Já éruim o suficiente retirar-se dopaís e entrega¡-lo ao Taleban, mas essencialmente estrangular a economia afega£ apenas adiciona insulto e prejua­zo.

Existe uma maneira melhor de buscar intervenções humanita¡rias empaíses como o Afeganistão?

Stewart: Devemos abandonar essa mentalidade de "tudo dentro ou tudo fora" e ser muito melhores no desenvolvimento de parcerias pacientes e moderadas com ospaíses que queremos ajudar. Na³s pulverizamos a quantia mais incra­vel de dinheiro, digamos mais de US $ 1 trilha£o, em umpaís e chamamos aquele lugar de a maior ameaça a  segurança global, e então de repente mudamos no momento seguinte e efetivamente dizemos que o mesmopaís não importa de forma alguma. Eu preferiria ver um envolvimento mais esta¡vel, mais leve e mais equilibrado em todo o mundo.

E isso se aplica não apenas internacionalmente, mas também domesticamente. Pense no tipo de parceria que vocêgostaria de formar com uma comunidade desafiada nos Estados Unidos, digamos, em uma ex-cidade mineradora de carva£o em Kentucky ou em uma comunidade inda­gena em Dakota do Sul. Vocaª gostaria de ter uma parceria paciente e de longo prazo, na qual vocêouve as pessoas la¡ e as respeita. Vocaª não tentaria resolver todos os seus problemas gastando trilhaµes de da³lares neles.

Mas da mesma forma, depois de 20 anos, vocênão diria apenas que fez o ma¡ximo de progresso possí­vel, lavou as ma£os tudo e saiu, alegando que a comunidade éde alguma forma covarde, incompetente, corrupta e não merea§a seu dinheiro, que éo tom que o presidente Biden adotou com o Afeganistão.

Vocaª disse que o Afeganistão experimentou um período de melhora acentuada depois que o Taleban foi derrubado do poder. Quando essa trajeta³ria positiva começou a mudar?

Stewart: A trajeta³ria mudou por volta de 2005. Mudou porque as pessoas se tornaram excessivamente ambiciosas. As coisas estavam indo razoavelmente bem. A insurgência do Taleban foi contida. A economia dopaís quase dobrou de tamanho. As coisas estavam indo bem no norte dopaís, mas as pessoas começam a se preocupar com o sul do Afeganistão. Estava sendo administrado por senhores da guerra corruptos e o comanãrcio de papoula estava crescendo.

"Devemos abandonar essa mentalidade de 'tudo dentro ou tudo fora' e ser muito melhores no desenvolvimento de parcerias pacientes e moderadas com ospaíses que queremos ajudar."

rory stewart

Nesse ponto, os Estados Unidos e seus aliados enfrentaram uma escolha: eles poderiam dizer: “Tudo bem, isso estãoacontecendo e émuito lamenta¡vel, mas não hámuito que possamos fazer a respeito. E, de fato, se tentarmos nos envolver, podemos acabar piorando as coisas. ” Mas isso exigiria muito autoconhecimento, humildade e moderação. Pode ter sido difa­cil comunicar ao paºblico que vamos aceitar que muitas coisas estara£o longe do ideal, mas que estamos confiantes de que, com o tempo, podemos melhorar coisas importantes de maneiras significativas. Em vez disso, a OTAN começou a enviar mais e mais tropas. Afastou seus aliados afega£os, transformando-os em inimigos ligados ao Taleban. Isso deu ao Taleban a oportunidade de alegar que estava lutando contra uma ocupação militar estrangeira.

O que levou a essa ambição equivocada?

Stewart: Acho que vem da convicção de que todo problema tem solução. Vem de uma cultura que não tolera falhas parciais ou confusão. Ele quer consertar tudo e fazer isso rapidamente. As pessoas dizem que não ta­nhamos o plano certo. Nãota­nhamos a estratanãgia certa. A verdade éque não pode haver um plano ou estratanãgia para reconstruir uma nação inteira. a‰ muito complicado e caa³tico. Dizer que não havia um plano implica que em algum lugar em alguma gaveta háum plano ma¡gico e, se vocêapenas pusesse as ma£os nele, poderia ocupar opaís de outra pessoa e consertar tudo. Simplesmente não era possí­vel para os estrangeiros entrarem no sul do Afeganistão e reconstrua­rem totalmente as estruturas políticas, econa´micas e de segurança la¡.

Uma missão mais modesta era possí­vel. Podera­amos ter melhorado a vida de milhões de afega£os se tivanãssemos sido pacientes. Podera­amos ter continuado a desenvolver educação, saúde e infraestrutura rodovia¡ria. Podera­amos ter apoiado eleições livres e justas. Podera­amos ter garantido que o Afeganistão fosse mais esta¡vel e pra³spero do que no passado.

Vocaª estãogostando de seu papel no Jackson Institute?

Stewart: Estou adorando. Estou ministrando três cursos neste semestre: um curso de graduação e dois semina¡rios de pós-graduação. Tem sido incrivelmente estimulante. Os alunos são incrivelmente curiosos e engajados.

Jim Levinsohn, diretor do Jackson Institute, construiu algo aºnico aqui: um programa de políticas públicas com uma cultura intelectual vibrante. Os alunos são ensinados a pensar pacientemente de forma cra­tica sobre questões complexas. Acho que Jackson seráuma excelente escola de assuntos globais quando essa transição for conclua­da no pra³ximo outono.

Tive um tempo maravilhoso trabalhando com Rohini Pande, um distinto economista de desenvolvimento e diretor do Centro de Crescimento Econa´mico, e Sunil Amrith, um historiador talentoso do moderno Sul da asia, na sanãrie Dia¡logo de Desenvolvimento de Yale. Sou um profissional que dirigiu uma organização de desenvolvimento internacional, por isso émuito gratificante trabalhar ao lado de dois acadaªmicos de primeira linha para explorar questões políticas urgentes. Estou ansioso pelo nosso evento de 16 de novembro sobre o futuro do Afeganistão. Deve ser uma discussão robusta e instigante.

 

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