Humanidades

O primeiro DNA humano antigo do Suda£o em todo o genoma ilumina o passado do Vale do Nilo
A Nature Communications publicou as análises do DNA de 66 indivíduos de um local na antiga Naºbia conhecido como Kulubnarti, localizado no rio Nilo, no Suda£o, ao sul da fronteira com o Egito.
Por Yale University - 17/12/2021


Modelo 3D de DNA. Crédito: Michael Stra¶ck / Wikimedia / GNU Free Documentation License

Os primeiros dados de DNA humano antigo em todo o genoma do Suda£o revelam novos insights sobre a ancestralidade e a organização social de pessoas que viveram hámais de 1.000 anos no Vale do Nilo, uma importante encruzilhada genanãtica e cultural.

A Nature Communications publicou as análises do DNA de 66 indivíduos de um local na antiga Naºbia conhecido como Kulubnarti, localizado no rio Nilo, no Suda£o, ao sul da fronteira com o Egito.

"Antes deste trabalho, havia apenas três amostras do genoma antigo dispona­veis, do Egito, para todo o vale do Nilo", disse a primeira autora Kendra Sirak, que iniciou o projeto como Ph.D. estudante da Emory University. "E ainda assim a regia£o foi, e ainda anã, uma parte incrivelmente importante do mundo em termos de movimento, encontro e mistura de pessoas."

Sirak foi o último aluno de pós-graduação do falecido George Armelagos, ex-professor de antropologia em Emory e um pioneiro na ponte entre as disciplinas de arqueologia e biologia. Quando ainda era estudante de graduação na década de 1960, Armelagos fazia parte de uma equipe que escavava esqueletos antigos da Naºbia sudanesa, para que os ossos não se perdessem para sempre quando o Nilo fosse represado.

"Nubia foi um local de habitação humana por dezenas de milhares de anos", diz Sirak, que agora écientista da Universidade de Harvard. "Esses dados genanãticos antigos ajudam a preencher algumas lacunas importantes em nossa compreensão de quem eram essas pessoas."

Os 66 indivíduos datam de 1.080 a 1.320 anos atrás, durante o período cristão da Naºbia sudanesa, antes dasmudanças genanãticas e culturais que ocorreram com a introdução do Isla£. As análises mostraram como o pool genanãtico Kulubnarti se formou ao longo de pelo menos um milaªnio por meio de maºltiplas ondas de mistura, algumas locais e outras de lugares distantes. Eles tinham uma ancestralidade vista hoje em algumas populações do Suda£o, bem como uma ancestralidade que era, em última insta¢ncia, da Eura¡sia Ocidental e provavelmente introduzida na Naºbia atravanãs do Egito.

"Uma descoberta importante éque o status social não tinha uma relação forte com parentesco biola³gico ou ancestralidade nesta população antiga, que viveu durante um período de mudança cultural e social", disse Jessica Thompson, coautora saªnior do artigo. Thompson, um ex-Ph.D. supervisor de Sirak no Departamento de Antropologia de Emory, agora estãona Universidade de Yale.
 
Os restos mortais dos indivíduos vieram de dois cemitanãrios com sepulturas de estilo cristão que as evidaªncias anteriores indicavam serem socialmente estratificadas. Em um cemitanãrio, localizado em uma ilha do Nilo, os restos mortais exibiam mais marcadores de estresse, doenças e desnutrição e a idade média dos enterrados era pouco mais de 10 anos. Em contraste, a idade média de morte no outro cemitanãrio, localizado no continente, era de 18 anos.

Uma hipa³tese que surgiu dessa evidência esquelanãtica era que o cemitanãrio da ilha era para uma "subclasse" Kulubnarti, possivelmente trabalhadores para membros de fama­lias de proprieta¡rios enterrados no cemitanãrio do continente. Era um mistério se a estratificação social pode ter se desenvolvido porque uma população veio de uma origem diferente.

Uma análise de todo o genoma sugere que não foi o caso - as pessoas enterradas em cemitanãrios separados vieram de uma única população genanãtica.

“Parece que as pessoas nesta área não usavam a ancestralidade biológica como base para a diferenciação social”, diz Thompson. "Isso reforça o ponto de que dividir as pessoas socialmente com base em sua ancestralidade genanãtica éum fena´meno recente, sem base nas tendaªncias humanas universais."

Outra descoberta importante das análises genanãticas mostra que algumas pessoas tão próximas quanto parentes de segundo grau foram enterradas do outro lado da divisa do cemitanãrio. Exemplos de relacionamentos de segundo grau incluem ava³s com netos, tias e tios com sobrinhas e sobrinhos e meio-irma£os.

“Isso indica que houve alguma fluidez entre os dois grupos de pessoas”, diz Sirak. "Nãohavia um sistema de castas intergeracional que significasse que alguém deveria estar no mesmo grupo social que todos os seus parentes."

Outra reviravolta interessante éque grande parte da ancestralidade derivada da Eura¡sia dentro da população veio de mulheres. “Frequentemente, quando vocêpensa em ancestralidade e como os genes se movem, vocêpensa em homens que estãonegociando, conquistando ou espalhando religia£o”, diz Sirak. "Mas os dados genanãticos aqui revelam que a mobilidade feminina foi realmente crucial para moldar o pool genanãtico em Kulubnarti."

Uma possí­vel explicação éque Kulubnarti era um sistema patrilocal, o que significa que os machos tendiam a ficar onde nasceram e as faªmeas se afastavam de suas terras natais.

"Os naºbios do período cristão de Kulubnarti são fascinantes", diz Sirak. “Eles sobreviveram em uma regia£o a¡rida, isolada e desolada onde a vida nunca foi fa¡cil. Gosto de pensar que a antiga pesquisa do DNA estãodando uma nova vida a essas pessoas de 1.000 anos atrás, fornecendo uma visão mais matizada deles. Ao estudar os restos mortais de alguém , seu ser fa­sico, vocêdeve a ela contar a história mais precisa, respeitosa e significativa que puder. "

Sirak veio para Emory como um estudante de graduação em 2012 para estudar ossos humanos e paleopatologia com Armelagos. Naquela anãpoca, ele e outros membros do corpo docente haviam transformado o Departamento de Antropologia de Emory em uma força motriz da abordagem biocultural para o campo. Em particular, Armelagos, seus colegas e alunos de pós-graduação estudaram os restos mortais dos naºbios sudaneses para aprender sobre os padraµes de saúde, doença e morte no passado.

Uma pea§a que faltava hámuito nos estudos dessa população, entretanto, era a análise genanãtica. Então, em 2013, Armelagos enviou Sirak para um dos melhores laboratórios de DNA antigo do mundo, a University College Dublin, com amostras de ossos naºbios.

"Eu não tinha interesse em genanãtica", lembra Sirak, "mas George era um visiona¡rio que acreditava que o DNA se tornaria uma parte cra­tica da pesquisa antropola³gica."

Sirak logo ficou viciado quando viu como poderia combinar seu interesse por ossos antigos com percepções de DNA. Ela formou colaborações não apenas em Dublin, mas no Departamento de Genanãtica da Harvard Medical School e em outros lugares, investigando mistanãrios em torno de mortes desde décadas a tempos antigos.

Armelagos tinha 77 anos e ainda orientava Sirak, seu último aluno de graduação, quando morreu de câncer no pa¢ncreas em 2014. Dennis Van Gerven, professor emanãrito de antropologia da Universidade do Colorado em Boulder, assumiu a orientação de Sirak, junto com Thompson. Van Gerven estava entre o primeiro grupo de alunos de Armelagos e também passou décadas estudando os naºbios sudaneses.

Sirak manteve seu Ph.D. projeto de dissertação de tentar coletar DNA antigo suficiente dos restos mortais naºbios para análise.

"O DNA antigo édifa­cil de recuperar em áreas extremamente quentes, porque o DNA tende a se degradar com o calor", explica ela.

As técnicas de sequenciamento genanãtico continuaram melhorando, no entanto, e Sirak estava trabalhando na vanguarda do esfora§o. Em 2015, enquanto ainda era estudante de graduação em Emory, ela estava entre os pesquisadores que perceberam que uma parte especa­fica do osso petroso consistentemente produzia mais DNA. Este osso em forma de pira¢mide abriga várias partes do ouvido interno relacionadas a  audição e ao equila­brio. Além disso, Sirak desenvolveu uma técnica para perfurar um cra¢nio e alcana§ar essa parte especa­fica do osso petroso da forma mais não invasiva possí­vel, ao mesmo tempo que obtanãm pa³ de osso suficiente para análise de DNA. O uso dessa parte do osso petroso éagora o padrãoouro na análise de DNA antigo.

Em 2018, Sirak recebeu seu Ph.D. de Emory e passou a trabalhar no laboratório de David Reich, um geneticista da Harvard Medical School que se especializou em genanãtica populacional de humanos antigos.

Ela e seus colegas continuaram a expandir os limites do que épossí­vel com o sequenciamento de DNA antigo. Eles conseguiram amostras do genoma inteiro dos ossos petrosos de 66 naºbios sudaneses, inaugurando uma nova era de bioarqueologia para o vale do Nilo. “Nãoacho que tera­amos sucesso neste trabalho se não soubanãssemos como focalizar a parte especa­fica do osso petroso”, diz Sirak.

“a‰ incra­vel para mim que George me pediu para focar no DNA antigo em 2012, muito antes de essas técnicas serem desenvolvidas”, acrescenta ela. "Ele tinha um jeito de fazer com que qualquer pessoa que trabalhava com ele se sentisse realmente importante e poderoso, e isso me deu confianção para seguir um caminho pioneiro."

"A influaªncia de George Armelagos estãoem toda parte", acrescenta Thompson, explicando que ele também aconselhou muitas pessoas mais velhas que a orientaram no ini­cio de sua carreira.

Financiado por bolsas do National Geographic Explorer, Sirak agora estãotrabalhando com colegas sudaneses para coletar e analisar amostras de DNA antigas de outras localizações geogra¡ficas no Vale do Nilo, indo ainda mais fundo em seu passado, para adicionar mais detalhes a  história de como as pessoas se moviam, se misturavam e prosperou na regia£o por milaªnios.

Como a última estudante graduada de Armelagos - e então pupila de Van Gerven, um dos primeiros alunos de Armelagos - Sirak sente que estãocompletando um ca­rculo. A publicação do presente artigo éa concretização dos últimos desejos de Armelagos para o projeto.

"a‰ realmente especial para mim ser capaz de usar DNA antigo para construir em décadas de pesquisas antropola³gicas e arqueola³gicas para a regia£o", disse Sirak. "Eu sei que George ficaria orgulhoso e emocionado. Eu faa§o parte dessa linha incra­vel de pesquisadores agora. E o desejo de continuar o que eles começam éuma grande motivação para mim."

Além de Reich, Thompson e Van Gerven, os autores saªnior do artigo da Nature Communications incluem Nick Patterson (Broad Institute of Harvard e MIT) e Ron Pinhasi (University College, Dublin). Os coautores incluem investigadores destas instituições, bem como da University of Vienna, da University of Coimbra em Portugal, do Howard Hughes Medical Institute, da University of Pompeu Fabra em Barcelona, ​​da University of Georgia, da University of California, Santa Cruz, e a Universidade de Michigan.

 

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