Humanidades

Uma olhada em como ospaíses se tornam nucleares ose por que alguns não
O novo livro do cientista pola­tico Vipin Narang, 'Seeking the Bomb', explica a complexa história dos programas de armas nucleares.
Por Pedro Dizikes - 16/01/2022


Em seu novo livro, “Seeking the Bomb”, Vipin Narang analisa a variedade de ta¡ticas que ospaíses usam ao tentar adquirir armas nucleares. Créditos: Foto: Bryce Vickmark

Em 1993, a áfrica do Sul anunciou a um mundo bastante surpreso que havia construa­do armas nucleares na década de 1980, antes de desmantelar seu arsenal. Pela primeira vez, umpaís fora das potaªncias mundiais de elite obteve capacidades nucleares, mantendo o assunto em segredo de quase todos os outros.

Atéhoje, a áfrica do Sul continua sendo o aºnicopaís que conseguiu esse truque exato. Outrospaíses se tornaram nucleares de outras maneiras. Meia daºzia depaíses com mais influaªncia econa´mica e pola­tica do que a áfrica do Sul construa­ram armas de acordo com seus pra³prios cronogramas. Traªs outrospaíses osIsrael, Paquistão e Coreia do Norte osdesenvolveram armas nucleares enquanto são apoiados por aliados maiores. E muitospaíses ricos, incluindo Austra¡lia, Brasil, Alemanha, Japa£o e Coranãia do Sul, optaram por não seguir programas de armas.

Reconhecer esses diferentes caminhos para a proliferação éuma parte essencial do controle de armas: entender como umpaís estãobuscando armas nucleares pode ajudar outrospaíses a restringir essa busca.

“Ha¡ uma variação significativa na forma como os estados pensam em buscar armas nucleares”, diz Vipin Narang, cientista pola­tico do MIT e especialista em estratanãgia nuclear. “Isso muda a forma como pensamos em detaª-los. Isso muda a forma como pensamos em gerencia¡-los. a‰ uma pergunta importante.”

Narang acredita que muitas vezes imaginamos que todos ospaíses buscam armas nucleares da mesma forma que os EUA e a Unia£o Sovianãtica fizeram durante e após a Segunda Guerra Mundial osuma corrida rápida que culminou no rápido acaºmulo de arsenais, deixando pouco espaço para intervenção. Mas esse paradigma se aplica a quase nenhum outropaís.  

“Pensamos nos proliferadores como um Projeto Manhattan estilizado”, diz Narang, professor de Frank Stanton de Nucear Security and Political Science no MIT. “Mas os EUA e a Unia£o Sovianãtica são realmente os aºnicos que tiveram projetos em Manhattan, e o resto das potaªncias de armas nucleares parecem diferentes.”

Narang detalhou essas diferenças em um novo livro, “Seeking the Bomb”, publicado hoje pela Princeton University Press. Nele, ele desenvolve uma tipologia abrangente de programas nucleares em todo o mundo; examina por que ospaíses seguem caminhos diferentes para o desenvolvimento nuclear; e descreve as implicações políticas.

“Ha¡ uma probabilidade crescente de que os Estados Unidos tenham que enfrentar tentativas de proliferação não apenas de inimigos, mas também de amigos e inimigos”, escreve Narang no livro.

Corredores e hedgers

Nas últimas décadas, os estudos geralmente se concentram em por que ospaíses adquirem armas nucleares oscom as principais respostas sendo segurança, prestígio e dina¢mica pola­tica doméstica. Mas o livro de Narang centra-se na questãode como, e não por que, ospaíses procuram tornar-se equipados com armas nucleares.

“Ninguanãm perguntou como os estados buscam armas nucleares e examinou as diferentes maneiras que eles tem de lidar com [acordos] de não proliferação, suas próprias restrições de recursos, pola­tica doméstica e estados que tentam detaª-los”, diz Narang.

Pelo menos 29países fizeram esforços para se tornarem nucleares; 19 tentaram especificamente desenvolver bombas nucleares e 10 conseguiram. O livro de Narang coloca todos eles em quatro categorias:países que ele rotula de “velocistas”, “hedgers”, aqueles que se beneficiam de “perseguição protegida” e “hiders”.

Os “velocistas”, a categoria mais simples de entender, consistem nos EUA, Unia£o Sovianãtica, Gra£-Bretanha, Frana§a, China e andia osgrandespaíses que poderiam desenvolver armas nucleares de forma independente, e o fizeram.

Depois, háos “hedgers”, ospaíses que tem potencial para desenvolver armas nucleares, mas não o fazem, devido a considerações geopolíticas ou falta de apoio pola­tico interno. Alemanha, Japa£o e Coranãia do Sul são aliados dos EUA que não estãoansiosos para se tornar alvos de Estados com armas nucleares e, em vez disso, trabalham com os EUA em questões de defesa. Se o apoio dos EUA vacilar, essespaíses podem estar mais propensos a seguir seus pra³prios programas. 

“Seeking the Bomb” detalha três subcategorias de hedge. Japa£o e Alemanha são “hedges de seguros”, cautelosos com o abandono americano. “Hard hedgers”, como Suanãcia ou Sua­a§a, não estãotão pra³ximos dos EUA, mas ainda assim decidiram não buscar a aquisição de armas. E “hedgers técnicos”, incluindo Argentina e Brasil, possuem pea§as tecnologiicas para o programa nuclear, mas não armaram essas capacidades.

“O hedge émuito proeminente em váriospaíses, incluindo Japa£o, Coranãia do Sul, Turquia, Ara¡bia Saudita e Ira£â€, diz Narang. “a‰ uma categoria realmente significativa que foi retirada da literatura sobre proliferação porque todos nos concentramos nos estados que recebem a bomba, e não naqueles que ainda não sabem se a querem. Eles colocam as pea§as no lugar para exercer a opção rapidamente, se decidirem.”

Por outro lado, ospaíses que realizam “perseguição protegida” usam suas aliana§as com superpotaªncias para desenvolver armas nucleares. Israel, por exemplo, poderia terminar de construir armas nucleares na década de 1960, em parte por causa do apoio ta¡cito dos EUA. Em 2006, a Coreia do Norte construiu suas próprias armas com o apoio parcial da China.

“A Coreia do Norte não seria capaz de obter armas nucleares sem que a China lhe desse abrigo”, observa Narang.

Esconde-esconde

No entanto, muito poucospaíses se encontram na situação em que um poderoso aliado endossa tacitamente seu programa nuclear. E se umpaís quer armas nucleares, mas não pode obter ajuda de uma superpotaªncia, émais prova¡vel que trabalhe em segredo. Esses são os “ocultadores”, na tipologia de Narang.

“Se vocênão tem abrigo, sua única opção ése esconder”, diz Narang. “E se esconder éuma estratanãgia muito arriscada, já que a maioria épega pelo caminho osLa­bia, Iraque, Sa­ria.”

Em 2007, por exemplo, jatos israelenses bombardearam um reator nuclear projetado pela Coreia do Norte, construa­do na Sa­ria, onde o presidente Bashar al-Assad estava promovendo um programa nuclear.

“Ninguanãm pensou que Assad tentaria esconder um reator nuclear norte-coreano acima do solo”, diz Narang. “Ele chegou a poucas semanas da linha de chegada.” Além disso, acrescenta Narang sobre esses lideres, “muitas vezes o ca¡lculo éque eles perdera£o o programa, mas não o regime”, diz Narang. “Assad perdeu o reator, mas ainda estãono poder.” Em outros casos, como no Iraque e na La­bia, a ação militar dos EUA tirou do poder lideres com mentalidade nuclear.

E, no entanto, o caso da áfrica do Sul indica que épelo menos possí­vel levar um programa nuclear secreto atéo fim.

“A áfrica do Sul éa inspiração de todos os hiders”, diz Narang.

Na anãpoca, os EUA suspeitavam que a áfrica do Sul estava envolvida em um programa nuclear, e o então presidente da áfrica do Sul, Pik Botha, disse aos lideres dos EUA em 1981 que opaís tinha “capacidades” nucleares em expansão. Mas os EUA tinham poucas informações concretas sobre o que realmente estava acontecendo.

“A áfrica do Sul érealmente o aºnico esconderijo que saiu do celeiro”, diz Narang. “Nem os EUA nem a Unia£o Sovianãtica queriam que a áfrica do Sul obtivesse armas nucleares, mas porque estava no Hemisfanãrio Sul, não ta­nhamos bons olhos no programa, e [opaís] era muito bom em esconder e ofuscar o que era enriquecimento e as capacidades da planta eram.”

Assim, por um lado, o caso sul-africano continua sendo uma anomalia. Ainda assim, “ocultadores” podem ser muito perigosos para a estabilidade global.

“a‰ mais prova¡vel que criem o risco de uma crise quando forem descobertos e as grandes potaªncias tentarem encerrar o programa”, diz Narang. “E se eles tiverem sucesso, precisamente os estados que vocêmenos quer ter armas nucleares, tem armas nucleares. De qualquer forma, um hider éperturbador. … Ou acaba mal para eles, ou acaba mal para nós.”

O futuro: gerenciamento de armas nucleares

“Seeking the Bomb” inclui um modelo que Narang construiu incorporando certos fatores oscapacidades técnicas, pola­tica interna, considerações estratanãgicas osque devem levar ospaíses a uma categoria de desenvolvimento de armas ou outra. Narang descobriu que o modelo prevaª corretamente mais de 85% dos casos hista³ricos. Isso poderia ajudar especialistas em políticas e outros analistas a avaliar futuras ameaa§as nucleares.

“Acho que háduas categorias que sera£o particularmente proeminentes nas próximas décadas”, diz Narang. “No Oriente Manãdio, vocêtera¡ um conta¡gio de hedgers.” Ao mesmo tempo, ele diz: “Os Hiders estãoficando mais espertos. ... Nãotenho como certo que seremos capazes de parar todos os hiders indefinidamente. Esses hedgers e hiders sera£o as categorias mais proeminentes no futuro.”

Tanto “hedgers” quanto alguns “hiders” podem ser tratados diplomaticamente, observa Narang, por meio de meios como o Plano de Ação Abrangente Conjunto de 2015 [JCPOA] que limitou o programa nuclear do Ira£, mas agora foi abandonado pelos EUA.

“O JCPOA éraro porque hámuito poucos instrumentos e vea­culos que empurraram os estados de volta para o hedging duro”, diz Narang. “Para ser torpedeado sobre a pola­tica doméstica éapenas uma traganãdia. Nãohágarantia de que vamos voltar a isso.”

“Seeking the Bomb” foi elogiado por outros cientistas pola­ticos. Caitlin Talmadge, professora associada de estudos de segurança da Universidade de Georgetown, o chamou de “um livro excepcional, um dos mais importantes lana§ados no campo em décadas”, acrescentando: “Sera¡ o trabalho definitivo sobre seu assunto e seráamplamente lido por acadaªmicos, pola­ticos e paºblicos em geral”.

De sua parte, Narang enfatiza a natureza tensa do cena¡rio nuclear de hoje. Depois de algumas décadas tendendo ao desarmamento, os estoques nucleares estãocrescendo e a proliferação nuclear émenos um problema que pode ser resolvido do que uma questãoque precisa de gerenciamento astuto.

“Todo mundo quer uma solução para o problema nuclear”, diz Narang. “Acho que minha conclusão, embora pessimista, érealista. Embora a tecnologia nuclear exista, éimprova¡vel que as armas nucleares desaparea§am. Nãoéum problema a ser resolvido, éum problema a ser gerenciado. Acho que nas próximas décadas estaremos lidando com esses problemas.”

 

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