Humanidades

Violaªncia do vigilante: quando as pessoas fazem justia§a com as próprias ma£os
O estudo ocorreu no Paquistão, mas seus insights também são relevantes para outros casos de violência coletiva em todo o mundo. Ele defendera¡ seu doutorado. tese na quarta-feira, 2 de fevereiro, na Universidade de Amsterda£.
Por Universidade de Amsterdã - 24/01/2022


Crédito: Unsplash

Tendo ficado chocado ao testemunhar pessoalmente a extrema brutalidade da violência dos vigilantes, o socia³logo Muhammad Asif decidiu estudar por que as pessoas fazem justia§a com as próprias ma£os. Seu trabalho culminou em uma nova teoria das causas subjacentes a  violência vigilante, que combina fatores explicativos, como desconfianção do Estado ou da pola­cia, e fortes reações emocionais a violações de valores morais. O estudo de Asif ocorreu no Paquistão, mas seus insights também são relevantes para outros casos de violência coletiva em todo o mundo. Ele defendera¡ seu doutorado. tese na quarta-feira, 2 de fevereiro, na Universidade de Amsterda£.

Em 15 de agosto de 2010, dois adolescentes foram espancados brutalmente por um grupo de pessoas na cidade de Sialkot, no Paquistão. Os adolescentes eram suspeitos de assaltos em um bairro pra³ximo. Depois de ver as imagens do incidente, Asif decidiu investigar o fena´meno violência vigilante: "Eu nunca havia testemunhado tamanha brutalidade na minha vida. As cenas que vi foram tão intensas que fiquei em estado de choque por dias após o evento". Em sua pesquisa, Asif deixou de olhar para as causas tradicionais da violência dos vigilantes oscomo a fraca intervenção estadual e a ilegitimidade da pola­cia ose desenvolveu uma nova teoria para explicar por que as pessoas fazem justia§a com as próprias ma£os.

Uma nova teoria da violência vigilante

A teoria de Asif, chamada de teoria dos rituais de vigilantes, vai além das ideias tradicionais sobre tal vigilantismo, incorporando tanto emoções como raiva ou desejo de vingana§a como impulsionadores da violência, quanto incentivo pola­tico a  violência. “Mesmo quando as pessoas percebem a pola­cia como lega­tima e eficaz, elas podem recorrer a  violência dos vigilantes”, explica Asif. "As pessoas podem experimentar emoções fortes e podem desejar ações punitivas se sentirem que valores morais que consideram essenciais para sua identidade de grupo foram violados".

Além disso, a violência dos vigilantes éfrequentemente praticada sob certas condições sãocio-legais de ilegitimidade legal, exposição a  violência e incentivo a  violência pelas autoridades, acrescenta Asif. "Isso ajuda a organizar os processos microssociola³gicos subjacentes aos rituais de vigilantes que levam a  violência e a  punição do infrator. Os lideres pola­ticos podem induzir e explorar emoções ao colocar esses rituais em movimento para criar atos de violência coletiva."

Analisando a violência e o linchamento de vigilantes no Paquistão

A violência do vigilante pode comea§ar com tapas e socos comuns, escalando para uma punição extrajudicial mais intensa do infrator. Quando os supostos infratores são punidos e mortos por tortura e mutilação, isso édefinido como linchamento. Asif estudou especificamente a violência e o linchamento de vigilantes no Paquistão, onde muitas vezes estãoligados a emoções e valores em torno da prevenção da blasfaªmia.

Asif inicialmente examinou empiricamente duas hipa³teses derivadas de sua teoria dos rituais de vigilantes, a saber, que as pessoas apoiariam a violência dos vigilantes quando experimentassem a falta de legitimidade policial e estatal e quando estivessem com raiva porque os valores morais foram considerados violados. Ele descobriu que as pessoas de fato apoiam a violência dos vigilantes quando percebem a pola­cia como ilega­tima e corrupta ou quando se irritam facilmente.
 
"As descobertas revelaram que as pessoas que se irritam facilmente podem preferir a punição dos vigilantes em vez de se submeter a s autoridades legais, mesmo quando estas estãopresentes", diz Asif. "Essas descobertas apoiam a teoria de que as abordagens de emoção e legitimidade estãorelacionadas ao apoio a  violência dos vigilantes".

Asif também tentou descobrir se a violência dos vigilantes émobilizada e canalizada por meio de rituais de vigilantes e se sua probabilidade aumenta quando as autoridades incentivam tal violência. Com base em entrevistas em profundidade com perpetradores, testemunhas e funciona¡rios do governo, juntamente com imagens de va­deo e recortes de jornais, ele analisou como os linchamentos ocorreram e são decretados. Sua análise revelou que os linchamentos são orquestrados por meio de rituais de vigilantes, em que multidaµes geram um sentimento de comunha£o moral sob o esta­mulo ativo de "engenheiros de rituais" pola­tico-religiosos. Esses engenheiros mobilizam multidaµes entoando slogans e cantando canções para ativar processos de alinhamento corporal (participantes sincronizando os movimentos de seus corpos). Os vigilantes procedem então ao linchamento do suposto infrator para restabelecer a integridade de seus valores morais. "O objetivo dos lideres pola­tico - religiosos em incitar multidaµes parece ser controlar a comunidade para obter ganhos pola­ticos e mostrar sua própria capacidade de cumprir a lei", conclui Asif.

Vigilante violência em todo o mundo

Embora a violência de vigilantes e o linchamento possam estar mais presentes em algunspaíses africanos e asia¡ticos, também hácasos no mundo ocidental. Talvez o melhor exemplo recente tenha sido a multida£o invadindo o Capita³lio dos EUA em janeiro de 2021, incitada pelo ex-presidente Donald Trump. Fatores explicativos como a falta de legitimidade do Estado e da pola­cia, a violação de valores morais e o incentivo pola­tico também desempenharam um papel nesse incidente. “Isto implica que a violência dos vigilantes em particular, e a violência coletiva em geral, precisam ser vistas como uma interação entre processos micro rituais e condições macro da luta pola­tica”, diz Asif.

Asif conclui que sua nova teoria émais integrativa e abrangente do que suas antecessoras, pois fornece uma compreensão mais ampla e inclusiva da violência e linchamentos dos vigilantes do que as teorias sociola³gicas e criminola³gicas anteriores sobre o assunto.

 

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