Humanidades

Como foi a participação das mulheres na Semana de Arte Moderna
Livro de professora da USP trata das trajeta³rias de Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Regina Graz
Por Claudia Costa - 09/02/2022


Na foto, Anita Malfatti, Tarsila do amaral e Pagu aparecem a  frente, da esquerda para a direita Acervo MIS/Reprodução 


A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um marco na história da arte, dando ini­cio a  consolidação do Modernismo, e ainda hoje suscita muitas reflexões. Sob a perspectiva feminina, a pesquisa da professora Ana Paula Cavalcanti Simioni, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, apresenta resultados da análise das trajeta³rias das pintoras modernistas Tarsila do Amaral (1886-1973) e Anita Malfatti (1889-1964) e também da artista taªxtil, ainda pouco conhecida, Regina Gomide Graz (1897-1973). Desenvolvida desde 2005, com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo), a partir de sua tese de livre-docaªncia na USP, agora épublicada em livro pela Editora da USP (Edusp), sob o tí­tulo Mulheres Modernistas: Estratanãgias de Consagração na Arte Brasileira, previsto para ser lana§ado em mara§o. Em entrevista ao Jornal da USP, a professora falou sobre a escolha das artistas, suas contribuições para o Modernismo e o reconhecimento ainda em vida de Tarsila e Anita, algo incomum no universo das artes.

Sua pesquisa estãocentrada nas mulheres modernistas. Pode comentar sobre como surgiu o tema e como foi o processo? Já havia uma seleção das mulheres que seriam retratadas na pesquisa ou a escolha foi realizada posteriormente?

Ana Paula Cavalcanti Simioni: Em meu doutorado (Profissão Artista: Pintoras e Escultoras Acadaªmicas Brasileiras, 1884-1922, Edusp, 2008), eu abordei o caso das mulheres artistas anteriores a s modernistas. Para mim, parecia difa­cil entender que, de repente, algumas poucas mulheres tivessem tanta centralidade e antes delas inexistissem artistas do sexo feminino. Então, de algum modo, hános essa presença tão reconhecida de algumas modernistas, em especial de Anita e Tarsila, já era uma questãoque me incomodava (no bom sentido; algo que me chamava a atenção), desde 1999. Mas eu passei a me dedicar de fato a s modernistas em função de minha trajeta³ria dentro da USP. Em 2005, eu fui aprovada em um concurso como docente na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, no curso de Taªxtil e Moda, e propus que minha pesquisa fosse sobre uma artista taªxtil pouco conhecida, Regina Gomide Graz. Entre 2005 e 2009 minhas pesquisas e reflexões giraram primordialmente sobre o caso dela, detendo-me na relação entre Modernismo, artes decorativas (especialmente taªxteis) e relações de gaªnero. Em 2009 eu fiz um novo concurso, agora para ser docente do IEB, onde permanea§o. Como se sabe, o IEB possui um acervo nota¡vel do Modernismo, detendo, entre tantas outras riquezas, um arquivo de Anita Malfatti, diversas produções de Tarsila e cartas de ambas, entre outras coisas. Foi a partir de então que passei a me dedicar a essas duas outras artistas, Anita e Tarsila. Elas sim, já muito estudadas, e que me exigiram novos tipos de caminhos interpretativos e metodola³gicos, diferentes das artistas que atéentão eu havia estudado, para as quais o termo exclusão, fundamental nos estudos feministas, era de fato um mote. Para ambas foi preciso mobilizar outras estratanãgias, em especial como épossí­vel pensar em termos de inserção, consagração, visibilidade como processos também, de certo modo, generificados.

O processo hista³rico de desigualdades de gaªnero sempre foi motivo de pesquisas e discussaµes. Qual o papel feminino no Modernismo brasileiro?

Ana Paula: Nãosei se sempre se estudou ou se percebeu que existem processos hista³ricos de desigualdade de gaªnero. Por muito tempo acreditou-se que a diferença entre homens e mulheres derivava de uma natureza assimanãtrica ou era fruto de uma escolha divina, o que era um modo de naturalizar o que evidentemente éuma construção hista³rica e social. Em especial, como e quando e por que as diferenças se tornam desigualdades éevidentemente um processo hista³rico, cultural e social. Mas éfato que, ao menos desde o século 19, diversas figuras femininas vão questionando tanto a naturalização da diferença, e especialmente a transformação da diferença em desigualdade, e isso tomou força a partir de autoras como Simone de Beauvoir e, pouco depois, com a “explosão” feminista a partir dos anos 1960, a qual teve suas “ondas”, mas com impactos claros no Brasil nas últimas décadas.

Dito isso, diversas mulheres participaram dos circuitos modernistas internacionais, mas no Brasil, de um modo singular, elas tiveram bastante centralidade já reconhecida por seus pares em momentos iniciais de suas trajeta³rias. Ou seja, elas não foram ala§adas a  centralidade em função do revisionismo hista³rico feminista (tal como éo caso de Frida Kahlo, por exemplo). Nãose pode negar a importa¢ncia da exposição de Anita Malfatti em 1917, tanto pelas obras que trouxe quanto pelo debate em torno dela e da canãlebre cra­tica de Lobato na imprensa da anãpoca. Assim como não se pode negar que, na Semana de 1922, a presença feminina era clara: Anita, Zina Aita, Regina Graz e Guiomar Novaes, que não era uma musicista modernista necessariamente, mas uma intanãrprete muito importante, de renome internacional, que atraiu um paºblico para vaª-la e ouvi-la. Pouco depois, desponta Tarsila como uma artista capaz de sintetizar em suas obras dos anos 20 a plataforma de uma geração, de realização de uma produção internacional-nacional, ou seja, um modernismo “nacional” em dia¡logo com as vanguardas especialmente francesas.

 No livro são retratadas três mulheres modernistas: Regina Gomide Graz, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. Por que a escolha dessas três artistas? Quais as contribuições delas para o Modernismo e para a arte?

Ana Paula: Regina Graz foi a introdutora das artes decorativas, especialmente no campo taªxtil, no Brasil. Por muito tempo ela foi pouco notada, estudada. Creio que ressaltar sua atuação, ao lado de John Graz, ébastante importante para entender o Modernismo brasileiro em sua complexidade, atentando, por exemplo, para um partido em sintonia com o tema da “arte total”, pouco absorvido entre nós. Além disso, éfundamental lembrar que, para muitas mulheres de vanguarda, a opção pelas materialidades taªxteis tinha uma carga revoluciona¡ria oselas pensavam contribuir para a construção de um novo vestua¡rio, uma nova casa, um novo modo de estar no mundo, compata­vel com a experiência da modernidade. Ou seja, tratava-se de levar a dimensão estanãtica para as ruas, moldar uma mulher moderna.

Já no caso de Anita e Tarsila a escolha foi mais evidente: são duas figuras profundamente solares, centrais, nas narrativas modernistas brasileiras. Junte-se a isso, como eu pontuei, a possibilidade de acessar seus arquivos, cartas, e algumas das obras no Instituto de Estudos Brasileiros. Entendo que o estudo dos acervos faz parte de nossas atividades como docentes e pesquisadores da USP, especialmente do IEB, e acredito que estuda¡-los por meio do recorte de gaªnero éuma contribuição importante.

a‰ difa­cil ter uma única resposta sobre a contribuição delas para o Modernismo e para a arte em geral. No caso de Anita, éinega¡vel que suas obras expressionistas tiveram um impacto de renovação das linguagens em Sa£o Paulo, ao menos, nos anos 1910, e de ampliação de uma consciência sobre diversos modos de produzir arte para além dos ca¢nones mais comuns naquele momento (realismo/naturalismo e pa³s-impressionismo). Além disso, nas décadas posteriores, Anita foi alguém empenhada na institucionalização das artes no Brasil, ela participou da Sociedade Pra³-Arte Moderna (Spam), dos sindicatos dos artistas pla¡sticos, promoveu exposições coletivas e foi professora, formando outros artistas. Tarsila, além de figura emblema¡tica para dois momentos-chave da pintura brasileira (Pau-Brasil e Antropofagia), e ainda para a “pintura social” dos anos 1930, posteriormente, foi também cronista e ilustradora de livros. Essas atividades são fundamentais para um processo de institucionalização da arte moderna, ou mesmo de consolidação de um campo artistico mais esta¡vel e profissional. Elas não o fizeram sozinhas, claro, mas junto com diversos outros agentes. Mas elas não foram certamente as únicas, e meu estudo não pretende de modo algum esgotar a participação feminina na arte moderna brasileira.

A artista taªxtil Regina Gomide Graz, ao lado do marido John Graz, participou da renovação da decoração no Brasil, e no livro ganha uma biografia. Pode comentar sobre a escolha do seu nome e como essa área das artes surge no Modernismo? Qual o legado da artista?

Ana Paula: Eu não cheguei a realizar propriamente uma biografia, mas sim uma análise de partes de sua trajeta³ria e produção. Nãoéfa¡cil, no caso dela, realizar uma biografia. Nãoencontramos fotografias suas, e a curadora Maria Alice Milliet também se deparou com essa dificuldade recentemente. Nãolocalizei dia¡rios, cartas, nenhum tipo de documentação mais pessoal. Ainda hámuito o que fazer sobre ela, mas por enquanto as fontes não nos permitiram. Foi possí­vel entender o quanto a sua formação em Genebra foi decisiva para sua adesão a s artes decorativas, vista no a¢mbito de partido estanãtico modernista internacional, e assim penso ter podido restituir a lógica hista³rica dessa escolha. No Brasil, atémuito recentemente, via-se a arte decorativa, e em especial a taªxtil, como “menor”. Achava-se, por exemplo, que ela era menos artista que seu marido, pois ela apenas executava as coisas, enquanto ele as desenhava. Mas procuro mostrar que essa distinção entre desenhar e executar, pensar e fazer, éjustamente algo que parte das vanguardas quis superar. E que abraçar as artes decorativas era um modo particular de contribuir para a construção do novo homem e da nova mulher, uma utopia das vanguardas muito potente, que, em seu contexto, era vista como uma contribuição maior do que a do exerca­cio formal sobre as telas. Pois tratava-se de levar a experiência modernista para as ruas, para as casas, para os corpos. Regina participou, a seu modo, dessa utopia de certos grupos modernistas dos anos 1910-1930 e a trouxe para o Brasil. Além disso, como Aracy Amaral já havia pontuado, em suas produções adotou linguagens abstratas muito antes de seu “apogeu” em finais dos anos 1940. Assim, se trouxermos as artes aplicadas para dentro da história da arte, ela (assim como as decorações de Lasar Segall) permitem retrazr a cronologia da abstração entre nós; o que éalgo bastante instigante.

As outras duas artistas, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, tiveram reconhecimento em vida, algo incomum na história da arte moderna brasileira. Como elas conseguiram esse reconhecimento em vida? O livro mostra ainda que esse reconhecimento oscilou. Pode comentar como e por que isso aconteceu?

Ana Paula: Esse reconhecimento anã, na verdade, incomum num panorama internacional. Pense: quantas artistas fauvistas mulheres são hoje conhecidas? E mesmo cubistas? Sa£o pouqua­ssimos nomes que são conhecidos de um paºblico mais geral. No Brasil, antes delas podemos contar Nicolina Vaz, escultora, como artista reconhecida em vida, e contemporâneaa elas Georgina de Albuquerque. Elas não foram, assim, as únicas reconhecidas. Mas a centralidade que foram conquistando ao longo do século 20 éde fato impressionante.

Mas não foi um processo cumulativo e progressivo. Exatamente como vocêpergunta, foi algo que oscilou. Durante a era Vargas, elas não tiveram muita centralidade. Importante notar que não foram agraciadas com encomendas públicas justamente por um Estado que se firmou no imagina¡rio como “promotor” da arte moderna. Tarsila recebeu encomendas oficiais apenas de Taunay, diretor do Museu Paulista, e para fazer retratos bem conservadores. Anita não recebeu nenhuma encomenda. Nos anos 1950 elas comea§am a ter sua produção reavaliada, inclusive por meio de reconhecimento de museus como o Museu de Arte de Sa£o Paulo (Masp) e salas nas bienais (isso um pouco depois, em 1963, na 7ª Bienal, ao lado de outros nomes pertencentes ao Modernismo). Pode-se dizer que a partir dos anos 1960, por uma conjunção de fatores osinteresse acadaªmico, interesse paºblico (Estado), interesse do mercado de arte, interesse do circuito artistico –, foi-se ala§ando Anita e Tarsila a Espaços a­mpares de consagração na arte brasileira. Mas vale lembrar que, durante os anos 30,40 e 50, elas estavam la¡ trabalhando, atuando, e sem esse reconhecimento tão grande assim, que veio um pouco depois.

Tarsila do Amaral, tida como uma das mais importantes artistas do movimento modernista, formou, ao lado da própria Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Ma¡rio de Andrade e Menotti del Picchia, o “Grupo dos 5”, que seria responsável por tentar mudar o cena¡rio hista³rico-cultural e artistico do Paa­s, assim como trazer a  cultura brasileira influaªncias das vanguardas europeias. No seu livro, Paris éuma constante na vida das duas artistas, já que foi la¡ que passaram longos períodos nos anos 1920. Pode comentar sobre como isso influenciou suas obras e como isso as insere no cena¡rio internacional do Modernismo?

Ana Paula: O “Grupo dos 5” foi especialmente um grupo de amigos. Eles certamente tinham ideais comuns, como compassar o Brasil com o que entendiam por arte moderna, dedicar-se a s artes, literatura e cultura e promover um ambiente artistico mais ativo especialmente em Sa£o Paulo. Vamos lembrar que, embora o sistema artistico da cidade estivesse crescendo, estava longe de ser uma grande metra³pole. Basta ler o livro Salas de Exposição em Sa£o Paulo, de Rejane Cintra£o, para ver que esta¡vamos longe de ter Espaços mais institucionalizados para a arte, em especial arte moderna. Hoje vemos “o Grupo dos 5” como uma “vanguarda” com princa­pios e estratanãgias claras, mas isso éum pouco de ilusão retrospectiva.

Ir para Paris era algo importante para os artistas, maºsicos e intelectuais se atualizarem. a‰ verdade que as revistas e os livros chegavam aqui, e a Biblioteca de Ma¡rio de Andrade explicita muito bem isso, a possibilidade de acompanhar os debates estanãticos, mesmo a partir daqui. Mas estar em Paris era fundamental para ver as exposições, ter contato com os grandes mestres e, ademais, era um “trunfo” no curra­culo dos artistas, algo que lhes dava prestígio em seus pra³priospaíses. O período parisiense de Anita e Tarsila éparticularmente importante porque, como eu argumento, o fato de cada uma delas ter desenvolvido um percurso diferente, ter aderido de modos diversos ao que entendiam por “primitivismo”, significou um modo de inserção igualmente diverso entre elas. Tarsila foi ala§ada a paradigma de uma trajeta³ria ascendente e Anita, descendente. E isso perdurou em suas trajeta³rias e na recepção de suas obras após terem retornado de Paris. Por isso anã, sim, um momento significativo.

Tarsila foi uma das artistas com maior reconhecimento dentro e fora do Brasil, aªxito proporcionado por uma “arte nacional-estrangeira”, evidenciando a apropriação das linguagens modernistas internacionais, como vocêmenciona no seu livro. Por que isso acontece? Pode descrever as obras dessa fase da artista?

Ana Paula: Na realidade devemos ver com cautela esse “sucesso” de Tarsila. Nem sempre foi assim. Acabo de falar que ela não recebeu encomendas do Estado Novo. O Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMa, nos anos 40 não adquiriu suas obras. Sa£o coisas que evidenciam que ela não tinha tanta centralidade assim naquele momento. Esse lugar foi sendo construa­do um pouco mais para frente, a partir dos anos 50, mas o boom, digamos, foi entre 1962 e 1972, nas comemorações dos 40 e 50 anos da Semana, que coincidiram com uma sanãrie de coisas, entre elas, um interesse do mercado pelos modernistas, por novas análises feitas por acadaªmicos de presta­gio, pela atuação do Masp, em especial de Pietro Maria Bardi, entre vários outros fena´menos. Foi a partir daa­ que Tarsila foi se tornando uma musa, com grande projeção. Sem daºvida a exposição do Art Institut of Chicago, que depois foi ao MoMA, a ala§ou a um lugar bastante alto, internacional. Antes disso, seu ingresso no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba) também deve ser visto como algo importante para a projeção internacional. Mas são processos hista³ricos e relativamente novos. Sa³ agora o MoMA comprou uma obra dela. A Frana§a já possua­a desde os anos 1920 a tela A Cuca, mas lembrando que foi uma doação da artista e não uma compra.

Eu precisaria de um espaço mais longo para falar das obras. Aqui corro o risco de fazer uma análise superficial. No livro eu abordo, no caso de Tarsila, especialmente duas osseu autorretrato com manteau rouge e A Negra. Ambas são do mesmo ano, 1923, e ao meu ver são a “cara e a coroa” de um projeto de Modernismo nacional-internacional, bem como da projeção de Tarsila como artista brasileira em uma Frana§a ansiosa pela contribuição dos estrangeiros como “outros” da modernidade. Assim, Tarsila, em A Negra, responde bem aos apelos por exotismo, primitivismo, mas em sua autoimagem não abre ma£o de uma afirmação de si como mulher culta, elegante, cosmopolita (e branca).

O nu feminino surgiu como uma estratanãgia empregada por diversas artistas para se inserir no cena¡rio da arte como modernas. Como estãodescrito no livro, no final dos anos 1910 e ini­cio dos anos 1920, Anita Malfatti realizou suas pinturas e desenhos mais valorizados, entre os quais vários exerca­cios de nus. Como a ousadia de Anita Malfatti com seus nus foi vista nas artes?

Ana Paula: Diversas artistas, desde o século 19, passaram a se exercitar no nu como gaªnero, primeiro porque éuma etapa necessa¡ria do aprendizado artistico (para a pintura de história, retrato, para simplesmente captar o corpo humano em movimento, etc.), mas elas também, ou melhor, muitas delas “subverteram” alguns elementos comuns na pintura de nus. Eu me refiro, por exemplo, a  captação de um modelo feminino passivo, feito para ser observado por um espectador masculino. Diversas artistas modernistas investiram na construção de nus que recusavam idealizações, e muitas ainda usaram seus pra³prios corpos para isso (Paulo Monderson Becker, Tarsila do Amaral, etc.).

Anita não foi tão longe, mas seus nus a carva£o, muitos deles masculinos, tem uma força pla¡stica incra­vel, reconhecidos na anãpoca por Ma¡rio de Andrade como portadores de “força ma¡scula”. Claro que essa linguagem de Ma¡rio hoje nos causa espanto, pois no fundo ela diz que os nus são bons porque fortes, e fortes porque masculinos, como se o feminino fosse sina´nimo de fra¡gil e ruim. Mas épreciso ver que os termos naquele contexto tinham outra intenção e esta¡vamos longe de um vocabula¡rio neutro, ou capaz de se ver como generificado. A consciência feminista émuito posterior. Realizar nus e especialmente nus masculinos já era algo inusual, ainda mais com o vigor e na escala que Anita faz, poranãm, e esse poranãm bem importante, ela não os expa´s em 1917 e mesmo depois. Por quaª? Possivelmente, como Marta Rossetti Batista bem assinalou, ela estivesse consciente de que o paºblico brasileiro não estava preparado para tanto.

Atualmente, qual a presença das musas modernistas no Brasil e no mundo?

Ana Paula: Tarsila agora já estãorepresentada, após a exposição canãlebre de 2018. Mas Anita ainda estãoausente. Com efeito, ela éum nome internacionalmente bem pouco conhecido ainda. E não apenas nos Estados Unidos. Mesmo na Frana§a, na Alemanha etc., não háo conhecimento que se possui sobre Tarsila do Amaral. O que falta? Bom, temos um problema: a³timos textos sobre Anita (como sobre Tarsila e outros), o que já inibe sua circulação. E, claro, ainda não houve uma exposição monogra¡fica sobre ela que a tenha projetado. Mas talvez isso seja mais difa­cil em seu caso, também, porque ela responde menos bem a s expectativas por uma arte “brasileira”, o que quer que isso venha a ser. Quero dizer, ela évista como uma artista em que a “brasilidade” estãomenos presente. Temos então o duplo desafio em seu caso: fazaª-la conhecida e desconstruir a noção de “brasilidade”. Ela nos convida a explicar ao mundo que não existe “uma brasilidade”, “uma” identidade e tampouco que todos os artistas tem de necessariamente responder a essa pauta, que não deixa de ser uma a¢nsia por um exotismo de nossa parte, do modo que ospaíses “centrais/ricos/civilizados” desejam.

 

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