Humanidades

A tecnologia digital estãonos ajudando a relembrar a pandemia, apesar do governo querer que sigamos em frente
Amedida que os avisos para “ ficar em casa ” desaparecem da memória e nos dizem que devemos “ aprender a viver com o COVID ”, éfa¡cil esquecer os primeiros dias cheios de pavor da pandemia hádois anos.
Por Mark Honigsbaum - 25/02/2022


Crédito: Unsplash

Amedida que os avisos para “ ficar em casa ” desaparecem da memória e nos dizem que devemos “ aprender a viver com o COVID ”, éfa¡cil esquecer os primeiros dias cheios de pavor da pandemia hádois anos. Então, beijos, abraa§os e apertos de ma£o foram carregados de perigo e, em pa¢nico com as imagens da Ita¡lia de enfermarias de terapia intensiva cheias de pacientes idosos, corremos para os supermercados para esvaziar os corredores de alvejante e desinfetante.

Claro, houve precedentes: em 1918, houve um pa¢nico semelhante quando os hospitais foram inundados com tropas aliadas cujos pulmaµes foram comprometidos pela "gripe espanhola". Em resposta, várias cidades dos EUA proibiram grandes reuniaµes públicas e aprovaram ordenana§as de máscaras públicas, enquanto a Austra¡lia impa´s quarentenas a soldados que retornavam da Europa. Mas essas medidas estavam longe de ser universais. Por exemplo, a Nova Zela¢ndia não tentou colocar em quarentena as tropas que retornavam.

O fato éque antes do COVID, cidades inteiras nunca haviam sido fechadas ao mesmo tempo e nunca antes o distanciamento social havia sido aplicado em tal escala ose por um período tão prolongado. Esta foi uma conquista nota¡vel, que poucos especialistas pensavam ser possí­vel antes da pandemia .

Mas a pandemia de coronava­rus também foi sem precedentes de outra maneira. Pois mesmo quando aprendemos a manter distância de outras pessoas, para que não se mostrem portadores involuntários do va­rus, também houve uma explosão de conexões sociais virtuais. Graças ao Zoom, Facebook e Twitter, pudemos “ver” amigos e familiares e oferecer palavras de consolo, mesmo que não pudanãssemos toca¡-los e enxugar as la¡grimas de seus olhos.

Como isso afetara¡ a lembrana§a da pandemia de coronava­rus édifa­cil dizer. Desde o momento em que o primeiro-ministro Boris Johnson percebeu que o COVID ameaa§ava sobrecarregar o NHS, ele se esforçou para apresentar a pandemia como uma crise compara¡vel a  guerra. Mas enquanto os memoriais de guerra podem se basear em um conjunto familiar de sa­mbolos e rituais, o mesmo não acontece com as pandemias.

Por exemplo, apesar de matar mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, não hámemoriais contempora¢neos da gripe espanhola de 1918-19 em nenhum lugar da Europa ou da Amanãrica do Norte. Nem, com uma ou duas exceções nota¡veis, aqueles que morreram na pandemia da Grande Gripe foram homenageados desde então. Como Guy Beiner, um historiador da memória moderna, coloca em uma nova coleção revisitando a pandemia de 1918-19, "a Grande Gripe éessencialmente um lieu d'oublie, um local de esquecimento social e cultural".
 
Tambanãm édifa­cil localizar significado em um fena´meno natural sem hera³is e vilaµes claros. "Quem são os perpetradores se a gripe for causada por mutações de uma cadeia de RNA?" pergunta a estudiosa de estudos da memória Astrid Erll na mesma coleção. "Qual poderia ser a moral da história se as vitimas fossem reivindicadas aleatoriamente?"

No entanto, para aqueles que perderam familiares pra³ximos para o COVID e que não esquecera£o tão cedo sua dor ose os erros do governo que contribua­ram para seu trauma osha¡ uma história moral urgente a ser contada, cheia de ação. Esta história estãoescrita em tinta vermelha no National COVID Memorial Wall , um "memorial do povo" não autorizado em Albert Embankment, estampado com 160.000 corações desenhados a  ma£o, um para cada va­tima brita¢nica do va­rus.

Organizado on-line

Concebido durante o confinamento pelo COVID-19 Bereaved Families for Justice, um grupo ativista de pacientes que se organizou on-line, o muro éum exemplo va­vido de como as ma­dias sociais e as tecnologias digitais conectadas estãopermitindo a lembrana§a da pandemia de maneiras que seriam inconceba­veis em séculos anteriores. E não éo aºnico exemplo. A igreja anglicana também estãotendo que adaptar seus rituais e tradições a  era digital: daa­ o projeto Remember Me da Catedral de Sa£o Paulo osum livro de recordação online contendo os nomes de milhares de vitimas do COVID.

O resultado éuma nova pola­tica de memória, na qual os ativistas, com o apoio de lideres religiosos e morais, são cada vez mais capazes de ditar a forma que os memoriais da pandemia devem ter e cujas memórias devem receber destaque.

Apesar das repetidas invocações de Johnson ao espa­rito de blitz, não esta¡vamos todos juntos nisso. De fato, quando a maioria de nosestava observando os regulamentos de distanciamento social, o primeiro-ministro e sua equipe de Downing Street estavam realizando reuniaµes sociais em uma aparente violação das regras de bloqueio.

A história sugere que as pandemias não terminam quando os pola­ticos nos dizem que acabaram, mas quando se tornam objetos de esquecimento cultural. No entanto, para muitos de nós, não pode haver fim para a pandemia enquanto as perguntas sobre a responsabilidade pelo número de mortos permanecerem sem resposta e o coronava­rus continuar a ceifar vidas.

 

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