Humanidades

Como a invasão pode atingir os EUA e as economias globais
Kenneth Rogoff vaª possa­veis consequaªncias em aa§aµes, mercados de energia, piora da inflaa§a£o, aumento nos gastos militares
Por Cristina Pazzanese - 26/02/2022


Um conselho em Ta³quio captura os prea§os globais do mercado de ações em queda com a nota­cia de que a Raºssia invadiu a Ucra¢nia. O Yomiuri Shimbun via AP Images


A invasão da Ucra¢nia pela Raºssia desencadeou uma crise pola­tica global, com uma humanita¡ria que se espera seguir a  medida que as baixas civis e militares aumentam e os ucranianos que fogem da violência criam um fluxo drama¡tico de refugiados para a Europa Central.

O ataque também ameaça causar dificuldades econa´micas dolorosas. Os mercados globais de ações e energia caa­ram na quinta-feira, com a invasão e a ampliação da lista de sanções econa´micas de retaliação do Ocidente (as mais recentes anunciadas pelo presidente Biden na tarde de quinta-feira) devem afetar commodities, suprimentos de energia em particular. A Raºssia éuma importante fonte de petra³leo e gás natural para a Europa. O conflito também deve piorar a inflação relacionada a  pandemia existente, atrasos na cadeia de suprimentos e escassez de ma£o de obra nos EUA e em várias nações ao redor do mundo.

Kenneth Rogoff , Thomas D. Cabot Professor de Pola­ticas Paºblicas e Professor de Economia em Harvard, escreveu extensivamente sobre crises financeiras globais. Rogoff conversou sobre como a invasão russa e a probabilidade de uma longa guerra na Europa podem afetar os EUA e as economias globais. A entrevista foi editada para maior clareza e duração.

Perguntas e respostas
Kenneth Rogoff


Que riscos uma guerra na Europa entre a Raºssia e a Ucra¢nia representa para a economia global, que ainda estãolidando com inflação recorde e problemas na cadeia de suprimentos da pandemia?

ROGOFF: A Raºssia tem menos de um danãcimo do tamanho dos Estados Unidos como economia. Por outro lado, seu potencial para causar estragos éenorme. Uma guerra na Europa osuma situação em aberto de volatilidade de longo prazo e uma completa ruptura do equila­brio pa³s-Guerra Fria osésimplesmente catastra³fica. A Europa já enfrentava aumentos macia§os nos prea§os da energia. Na Alemanha, os prea§os do gás natural foram 10 vezes mais altos neste inverno do que antes. Isso tem sido um grande impulsionador da inflação na Europa. A Raºssia fornece um tera§o do gás natural para a Europa; A Raºssia envia mais de 10 milhões de barris de petra³leo por dia. Isso não vai sair de circulação, mas certamente estãoelevando os prea§os do petra³leo para mais de US$ 100 o barril, e eles podem subir muito mais. Então, definitivamente háum efeito sobre os prea§os da energia osesse éo grande problema.

a‰ uma boa aposta que isso seráuma ma¡ nota­cia para os prea§os dos alimentos, se nada mais, porque estãoelevando os prea§os da energia e os prea§os da energia são um grande componente dos prea§os dos alimentos. Mais diretamente, a Ucra¢nia éum grande produtor de gra£os, embora obviamente agora seja inverno, e esse efeito ainda estãopor vir.

A Raºssia também éum fornecedor muito importante de muitos minerais; hámuitas rotas aanãreas que passam pela Raºssia. Mas essas considerações econa´micas são pequenas em comparação com os riscos e incertezas que estãosendo criados para a Europa. Onde Putin vai parar? Ele estãoindo para o Ba¡ltico? Se ele ameaa§ar o Ba¡ltico, o que faremos? Que outras sanções vamos aplicar e o que a Raºssia vai fazer de volta para nós?

Onde certamente atinge éo mercado de ações, que provavelmente continuara¡ caindo a  medida que isso continua piorando. Amedida que o mercado cai e a incerteza aumenta, pode desacelerar a contratação, o investimento e o consumo. As empresas não gostam de incerteza; os consumidores também não gostam de incerteza. Os efeitos macroecona´micos apenas começam a se manifestar. Claramente, o mercado, embora nervoso, ainda aposta que isso se estabilize. No momento, isso émuito pior para a Europa do que para os Estados Unidos. Mas, novamente, assim foi a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, e acabamos sendo atraa­dos para ambas.

Kenneth Rogoff.
“Provavelmente a maior desvantagem para os americanos éo risco de uma guerra
cibernanãtica se a Raºssia recuar em nossas sanções”, disse Kenneth Rogoff, Thomas D. Cabot
Professor de Pola­ticas Paºblicas e Professor de Economia em Harvard. Foto de arquivo por
Stephanie Mitchell/fota³grafo da equipe de Harvard

O que isso faz com os mercados globais de energia? Existe potencial para uma crise de energia nonívelda década de 1970, como alguns temem?

ROGOFF: a‰ muito diferente. Os EUA tem uma capacidade enorme; somos um grande produtor de gás e petra³leo. Ao mesmo tempo, nos tornamos muito mais eficientes em termos de energia. Mas ao lidar com questões ambientais, o Ocidente, de certa forma, tornou-se mais vulnera¡vel. A decisão da Alemanha de fechar todos os seus reatores nucleares e depender mais do gás russo parece ser um erro deDimensões hista³ricas. A decisão do presidente Biden de fechar o oleoduto Keystone fez sentido ambientalmente, mas o momento acabou sendo estranho. Vamos precisar enviar mais gás natural liquefeito para a Europa a longo prazo, e eles estãocontando com alguma ajuda agora, o que afetara¡ os prea§os de aquecimento a gás aqui nos EUA O gás na bomba chegara¡ facilmente a US $ 4 e mais alto. Infelizmente, a  medida que a guerra se aprofunda e que os EUA e a Europa contra-atacam com sanções cada vez maiores, éprova¡vel que a sintamos ainda mais agudamente. Provavelmente, a maior desvantagem para os americanos éo risco de guerra cibernanãtica se a Raºssia recuar em nossas sanções.

Os EUA, o Reino Unido e a UE já anunciaram sanções e tomaram outras medidas punitivas contra bancos russos, propriedades de propriedade russa e russos pra³ximos a Putin. Mais são esperados. A Raºssia mostrou vontade de usar a guerra cibernanãtica para atacar não apenas governos, mas infraestrutura cra­tica, bancos e empresas privadas. As sanções pesadas podem acabar atingindo a Europa e os EUA?

ROGOFF: Já que nossos lideres falaram tanto sobre impor sanções, serápior se não fizermos isso. Eles precisam seguir adiante. Caso contra¡rio, Putin continuara¡ ignorando tudo o que eles dizem. Mas, por outro lado, não éum equila­brio esta¡vel para nostentarmos ter sanções permanentes e tratar a Raºssia como a Coreia do Norte. Eles são muito importantes. As sanções em si não são suficientes. Os russos tem que acreditar que havera¡ uma resposta militar determinada se eles entrarem nospaíses da OTAN.

“Pode não acontecer imediatamente, mas certamente o Ocidente, e especialmente a Europa, aumentara¡ radicalmente seus gastos militares”.


Quando e de que forma os consumidores americanos comea§ara£o a sentir as consequaªncias econa´micas?

ROGOFF: As coisas imediatas que eles sentira£o são o mercado de ações e os prea§os mais altos da energia. Mas a preocupação real seria que algo nos atinja muito mais rápido, algum tipo de desestabilização por meio da guerra cibernanãtica. Sentiremos a incerteza imediatamente. A incerteza pode desacelerar nosso consumo, embora nada parea§a ter feito isso ainda, nem mesmo a inflação. Pode desacelerar os nega³cios. A queda do mercado de ações certamente poderia desacelerar os planos de investimento. Então, vocêpode ter algum impacto macroecona´mico da incerteza, não hádaºvida sobre isso.

Essa situação afetara¡ o aumento planejado da taxa de juros do Federal Reserve no pra³ximo maªs?

ROGOFF: a‰ nota¡vel que a taxa euro/da³lar mal se alterou, caindo apenas um ou dois por cento atéagora, apesar da guerra na Europa. As taxas de juros também não mudaram muito. Vocaª tem a sensação de que os mercados, embora se fale muito em invasão, ainda estãomuito focados no Federal Reserve. Concordo com Larry Summers osque antes disso, o Fed estava muito otimista ao acreditar que um aumento de 1,5% a 2% nas taxas de juros seria suficiente para domar a inflação. Isso vai desacelerar os aumentos do Fed, mas não necessariamente a inflação. Agora éainda mais prova¡vel que a inflação dure mais porque a guerra na Europa tornara¡ o trabalho do Fed mais difa­cil, sem daºvida. Provavelmente estãoaumentando o lado positivo da inflação e o lado negativo do crescimento, então não éfa¡cil encarar isso.

Existem efeitos secunda¡rios ou tercia¡rios que podera­amos experimentar a longo prazo?

ROGOFF: Pode não acontecer imediatamente, mas certamente o Ocidente, e especialmente a Europa, aumentara¡ radicalmente seus gastos militares. Passamos por esse longo período de “dividendo da paz” em que os gastos militares vão caindo desde o fim da Guerra do Vietna£ e, de fato, desde a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Coranãia. Mesmo um percentual extra ou 2% do PIB a cada ano em gastos militares mais altos serácaro, e a Europa pode precisar fazer mais.

No momento, a Europa ainda estãose recuperando de todos os seus gastos com a pandemia, incluindo os amplos gastos em euros da próxima geração, que efetivamente subsidiaram as da­vidas da periferia da Europa. Imagino que serádifa­cil para eles digerir a realidade de precisar voltar e gastar o mesmo novamente na construção de suas forças armadas e na criação de uma estratanãgia de defesa europeia coerente. Este não éo tipo de gasto de infraestrutura produtiva que eles querem fazer, nem nós, mas as ações de Putin também podem derrubar o debate fiscal aqui.

 

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