Humanidades

Trazendo 'diplomacia cultural' para os cla¡ssicos
Wiebke Denecke, especialista em literatura do Leste Asia¡tico, quer contribuir para o estudo internacional e interdisciplinar das humanidades no MIT.
Por Pedro Dizikes - 16/04/2022


“Vim para o MIT porque éum lugar tão distinto em termos de humanidades”, diz Wiebke Denecke, professor do programa de literatura do MIT e especialista em Leste Asia¡tico pré-moderno. Foto: Bryce Vickmark

As pessoas muitas vezes colocam fronteiras nacionais em torno da palavra escrita. Se vocêlaª poesia francesa ou romances vitorianos, étentador entender esses textos estritamente em relação a  história e cultura da Frana§a ou da Gra£-Bretanha. No entanto, muitas vezes ajuda a ter uma visão mais ampla sobre a produção litera¡ria.

Considere que, por muitos séculos, o chinaªs forneceu uma la­ngua comum a s elites litera¡rias da China, Japa£o, Coranãia e Vietna£. No século 19, escritores em todo o leste da asia estavam produzindo seu trabalho especificamente em chinaªs cla¡ssico, uma antiga forma de escrita em que cada caractere denota uma palavra, não um som.

Então, com a maréglobal do nacionalismo moderno, muitas dessas obras mais antigas foram marginalizadas na esfera pública. Mas nos últimos anos, essa tendaªncia começou a mudar, de acordo com Wiebke Denecke, professor do programa de literatura do MIT e especialista em asia Oriental pré-moderna. Mais estudiosos estãonovamente mergulhando em obras mais antigas escritas em chinaªs cla¡ssico.

“Com a reabilitação do chinaªs litera¡rio, todo um campo surgiu, uma mudança de paradigma nos estudos japoneses [entre outros] agora”, diz Denecke.

Certamente, se Denecke tiver algo a ver com isso, essa mudança de paradigma continuara¡. Seu trabalho analisa esses períodos mais antigos da história do leste asia¡tico - em grande parte de 1200 aC a 1200 dC - e éde natureza altamente comparativa. Denecke publicou dois livros, muitos artigos acadaªmicos, editou vários volumes e trabalhou vigorosamente como editor para antologizar a literatura cla¡ssica do Leste Asia¡tico, tornando-a mais acessa­vel para muitos leitores.

“De muitas maneiras, minha missão éque eu espero que em algum momento, talvez em minha vida, quando as pessoas ouvirem: 'Ah, essa pessoa éum classicista', elas não pensara£o em Homero ou Ova­dio, mas possam pensar em Confaºcio, eles va£o pensar no 'Conto de Genji', a obra-prima da literatura japonesa, ou podem pensar em pessoas como [o poeta coreano] Kim Si-seup”, diz Denecke.

Denecke ingressou no MIT em tempo integral em 2021, tendo anteriormente feito parte do corpo docente da Boston University e, antes disso, do Barnard College/Columbia University. Ela traz para o Instituto projetos acadaªmicos que se encaixam na perspectiva global do MIT, juntamente com o objetivo claro de transmitir sua perspectiva internacional e hista³rica aos alunos do Instituto e ao paºblico em geral.

“Vim para o MIT porque éum lugar tão distinto em termos de humanidades”, diz Denecke.

Dominando a “Literatura de Mestres”

Ainda na graduação, Denecke frequentou a Universidade de Ga¶ttingen, em sua cidade natal na Alemanha, e começou a estudar medicina. Mas uma longa viagem a  China e ao Japa£o como estudante de medicina a ajudou a aprender chinaªs e japonaªs e deu o impulso para uma mudança. Já interessada no leste da asia, agora Denecke o tornou central em seus estudos. 

Denecke também recebeu um mestrado em Ga¶ttingen em várias disciplinas - sinologia, estudos japoneses, filosofia e história da medicina - e depois decidiu fazer doutorado, obtendo seu doutorado em 2004 na Universidade de Harvard, no Departamento de La­nguas e Civilizações do Leste Asia¡tico . Depois disso, Denecke passou dois anos como Mellon Fellow na Society of Fellows in the Humanities da Columbia University, antes de assumir seu primeiro cargo de professora, na Barnard.

Denecke tem sido um acadêmico altamente produtivo. Seu primeiro livro, “The Dynamics of Masters Literature: Early Chinese Throught from Confucius to Han Feizi”, publicado pela Harvard University Press, examina um rico corpo de textos chineses do 5º ao 2º séculos EC, argumentando que muitos estudiosos tem avaliou erroneamente essas obras como “filosofia” em um sentido ocidental familiar. Em vez disso, pensa Denecke, esses escritos estãomelhor colocados em uma tradição chinesa de “literatura de mestres” oso termo agora écomumente usado osorientado em torno da sabedoria de uma única figura.

“a‰ uma forma de literatura que fala sobre... filosofia pola­tica e anãtica, a boa vida, como vocêgoverna bem, ou como vocêse afasta dela, para a vida contemplativa”, diz Denecke. “Mas de muitas maneiras, [anã] muito diferente, [e] centrado em um tipo carisma¡tico de figura de mestre.”

Além disso, ela acrescenta: “Desde Platão háuma verdadeira luta secular entre fila³sofos e poetas na tradição greco-romana e europeia. Nãoéassim na China... como diz o antigo Confaºcio, vocêtem que estudar poesia, essa éa única maneira de se dar bem na vida. Ha¡ textos 'filosãoficos' desses antigos mestres que incluem poesia.”

Denecke logo seguiu com um livro de 2014, “Classical World Literatures: Sino-Japanese and Greco-Roman Comparisons”, publicado pela Oxford University Press. Este trabalho comparativo examina uma nota¡vel convergaªncia na história intelectual oriental e ocidental: ambas as literaturas japonesa e romana desenvolveram-se a  sombra de uma “cultura de referaªncia” mais antiga, ou seja, chinaªs para os escritores do Japa£o e grego para os escritores do mundo romano. Essa circunsta¢ncia colore o conteaºdo dos textos japoneses e romanos de muitas maneiras.

No entanto, apesar de alguns paralelos entre a produção cultural japonesa e romana, também existem muitas divergaªncias. Para comea§ar: Roma conquistou a Granãcia, em 146 aC, enquanto o Japa£o nunca ganhou controle sobre a China.

“Foi quando vocêcomeçou a ter uma disjunção entre o poder pola­tico, [dos] jovens romanos, e o poder cultural”, diz Denecke. “Porque ainda eram os grandes gregos, e os romanos tinham esse complexo de inferioridade, e vocêtinha esse fena´meno desconcertante [em] que vocêtinha escravos gregos ensinando as elites romanas. Agora, isso nunca aconteceu no caso da China e do Japa£o.”

Nova biblioteca de “literatura para todos”

Além de sua própria pesquisa, Denecke investe muito na edição de coleções de textos prima¡rios. Ela atuou como editora do Leste Asia¡tico de “The Norton Anthology of World Literature” e como editora de “The Norton Anthology of Western Literature”.

Denecke também éo editor geral da nova Hsu-Tang Library of Classical Chinese Literature , publicada pela Oxford University Press e estabelecida atravanãs de um presente de Agnes Hsu-Tang e Oscar Tang. A sanãrie ésemelhante a uma versão da literatura chinesa da Loeb Classical Library, a sanãrie da Harvard University Press que disponibilizou textos gregos e romanos em edições de bolso por mais de um século.

Denecke tem trabalhado extensivamente na Biblioteca Hsu-Tang de Literatura Cla¡ssica Chinesa, colaborando com tradutores para estabelecer um estilo de casa que torna os textos de forma acadaªmica e eminentemente lega­vel para o paºblico em geral.

“Acessibilidade, a ideia de que isso érealmente literatura para todo mundo e éprazeroso, isso éimportante”, diz Denecke.

Centrado nas humanidades

Um benefa­cio do trabalho de Denecke éque ele reaºne acadaªmicos depaíses com relações a s vezes ganãlidas, algo que ela chama de “diplomacia cultural” criada pela academia. Com um colega japonaªs, ela convocou dezenas de acadaªmicos do Japa£o, Coranãia e China para co-escrever a primeira história das literaturas do Leste Asia¡tico, um ato na corda bamba devido a s tensaµes na regia£o.

Reunir pessoas estãono radar de Denecke no MIT. Com colegas do MIT, juntamente com outras instituições da área de Boston e colaboradores em todo o mundo, Denecke estãoatualmente liderando uma Iniciativa Comparativa de Humanidades Globais no MIT, buscando estabelecer um centro que permita que acadaªmicos, estudantes, especialistas e o paºblico produzam trabalhos com profundidade e alcance global sobre temas e questões socialmente relevantes. Uma conferaªncia inicial, “ Worlds Enough and Time: Towards a Comparative Global Humanities ” ocorreu em novembro de 2021.

Essa iniciativa, diz Denecke, seria um “catalisador para formas profundas de criação colaborativa nas humanidades”, com uma orientação internacional e interdisciplinar. Para Denecke, que também se autodenomina “ativista da memória humana”, incluir projetos historicamente orientados nas atividades do centro éespecialmente crucial em um momento em que movimentos nacionalistas muitas vezes distorcem ou apagam a história a serviço da criação de narrativas políticas favoráveis .

Em um momento em que muitas crises globais exigem uma melhor compreensão de nossas sociedades, quando o financiamento de humanidades estãodiminuindo em muitos lugares, Denecke acha que somar aos pontos fortes do MIT em conhecimento humana­stico e adaptar as humanidades aos desafios de nossa anãpoca, especialmente na área de justia§a social, éum ideal digno.

“Para criar sociedades mais igualita¡rias no presente, precisamos criar mais igualdade para outros lugares e outros passados ​​ose aprender com todas as riquezas e lições que eles tem a oferecer”, diz Denecke.

“Para ouvir uma iniciativa que concebe as humanidades do futuro em uma das instituições mais orientadas para o futuro e visiona¡rias do mundo, acho que também foi por isso que vim para o MIT, para tentar”, diz Denecke, acrescentando: “As humanidades são mais importantes do que nunca.”

 

.
.

Leia mais a seguir