Humanidades

Apesar dos ideais, as pessoas realmente não gostam de reduzir a desigualdade, segundo estudo
Um estudo de pesquisadores da Berkeley Haas oferece uma nova visão, identificando uma causa subjacente dessa oposia§a£o que atravessa ideologias: pessoas em posia§aµes de vantagem veem a própria igualdade como prejudicial e tendem a pensar
Por Laura Counts - 06/05/2022


Doma­nio paºblico

A maioria dos americanos diz que quer uma sociedade mais igualita¡ria , mas as políticas destinadas a aumentar a igualdade para grupos desfavorecidos no ensino superior, corporações, governo e outros lugares continuam a gerar reações negativas.

Essa reação foi atribua­da a uma sanãrie de causas - incluindo o medo da maioria dos americanos brancos de perder seu status, partidarismo pola­tico e preconceito manifesto.

Um estudo de pesquisadores da Berkeley Haas, publicado hoje na revista Science Advances , oferece uma nova visão, identificando uma causa subjacente dessa oposição que atravessa ideologias: pessoas em posições de vantagem veem a própria igualdade como prejudicial e tendem a pensar que a desigualdade os beneficia .

“Descobrimos que as pessoas pensam no mundo em termos de soma zero, de modo que um ganho para um grupo deve necessariamente ser uma perda para outro”, diz o coautor do estudo Derek Brown, um estudante de doutorado da Berkeley Haas. "Este parece ser um erro cognitivo ao qual todos são susceta­veis, não apenas uma minoria vociferante que tem antipatia por qualquer grupo."

O artigo, de coautoria do professor assistente de administração da Berkeley Haas, Drew Jacoby-Senghor, juntamente com o Ph.D. da Universidade de Columbia. estudante Isaac Raymundo, ajuda a explicar por que mesmo pessoas com fortes crena§as igualita¡rias ainda podem bloquear políticas que reduzam as disparidades. Além da ameaça de perda de status, as pessoas em grupos favorecidos são propensas a  percepção de que maior igualdade significa menos para elas osa ponto de votarem em políticas que lhes causem danos econa´micos e aumentem a desigualdade em vez de políticas que os beneficiem e reduzam a desigualdade , descobriu o estudo.

"Em nosso experimento, era mais importante para as pessoas o quanto bem elas estavam em relação a outros grupos do que como elas estavam se saindo em termos absolutos", diz Jacoby-Senghor. "Eles veem uma perda de vantagem relativa como uma perda absoluta, mesmo quando éum ganho material claro."

Além de raça e etnia

Em pesquisas anteriores, Brown descobriu que pessoas brancas e asia¡ticas não latinas osque compõem a maioria no ensino superior osveem políticas que aumentam a representação de minorias em um programa de pós-graduação como reduzindo suas chances de admissão, atémesmo políticas explicitamente ganha-ganha que também aumentam o número de vagas para a maioria.
 
No novo artigo, Brown e seus colegas va£o além de raça e etnia para outros tipos de desigualdades do mundo real, como a diferença salarial de gaªnero e a diferença de contratação para pessoas com deficiência ou antecedentes criminais. Eles também estudaram as percepções dos eleitores de uma iniciativa de votação na Califórnia em 2020 para derrubar a proibição do estado de ações afirmativas e atémesmo inventaram cenários envolvendo disparidades entre equipes ficta­cias com nomes aleata³rios. Repetidamente, em todas as ideologias, os participantes do estudo em grupos favorecidos rejeitaram políticas para reduzir a desigualdade com a falsa crena§a de que acabariam com menos acesso a recursos.

Jogo de soma zero

Pesquisas anteriores geralmente se concentravam em políticas de soma zero, como contratar menos pessoas brancas para contratar mais membros de grupos minorita¡rios, dificultando a análise das percepções do impacto real. Brown e Jacoby-Senghor pediram a s pessoas que avaliassem apenas as políticas de soma diferente de zero que ajudam os grupos desfavorecidos sem tirar nada ose atémesmo melhorar as coisas para osgrupos desfavorecidos. Em todos os experimentos, eles controlaram cinco formas bem estudadas de oposição ideola³gica a  igualdade: conservadorismo pola­tico, preferaªncia por estruturas sociais hiera¡rquicas, crena§a de que a sociedade ésoma zero, crena§as justificadoras do sistema e preconceito expla­cito. Embora eles tenham encontrado alguns deles correlacionados com percepções de políticas, variações na ideologia não explicam a visão negativa das pessoas de maior igualdade.

Em um cena¡rio, por exemplo, os participantes brancos não latinos do estudo foram informados: "Em 2018, os compradores brancos receberam cerca de US$ 386,4 bilhaµes em empréstimos hipoteca¡rios de bancos, enquanto os compradores latinos receberam apenas cerca de US$ 12,6 bilhaµes em empréstimos hipoteca¡rios em geral". Os participantes foram apresentados a propostas para os bancos aumentarem o valor dos empréstimos para latinos, diminuir o valor ou deixa¡-lo inalterado, mantendo os empréstimos para compradores de casas brancas. Mesmo assim, os participantes interpretaram erroneamente a proposta de aumentar o valor para compradores latinos como uma redução de suas próprias chances de obter um empréstimo, e pensaram que diminuir o valor dispona­vel para os latinos melhoraria suas chances.

Essa percepção erra´nea também foi verdadeira quando os pesquisadores testaram políticas ganha-ganha que beneficiam grupos majorita¡rios e minorita¡rios. Uma menção aos benefa­cios sociais também não causou uma mudança: os participantes brancos de um estudo pensaram que uma pola­tica que reduziria a desigualdade oferecendo mais empréstimos para latinos e beneficiaria a sociedade ao estimular o investimento em hipotecas para todos os grupos reduziria sua capacidade de obter um empréstimo, enquanto eles perceberam que uma pola­tica que diminuiria os empréstimos aos latinos ospiorando a desigualdade ose diminuiria o investimento total em hipotecas não os prejudicaria.

Mesmo quando os participantes brancos foram informados diretamente de que qualquer pessoa que quisesse ter acesso a um empréstimo poderia obter um e não havia limite para o valor dispona­vel, eles continuaram acreditando que também aumentar os empréstimos para latinos reduziria ligeiramente suas chances de obter um empréstimo.

“As causas e soluções para a desigualdade são complexas, mas mesmo quando simplificamos e nos esforçamos para garantir que todos estejam melhor nesses cenários, as pessoas ainda encontraram uma maneira de acreditar que sera£o prejudicadas”, diz Jacoby-Senghor.

Na verdade, a única coisa que apagou as percepções erra´neas da maioria dos participantes foram propostas que aumentavam a igualdade entre os membros de seu pra³prio grupo oscomo quando um grupo de participantes do sexo masculino considerou reduzir a disparidade salarial entre homens, em vez de entre homens e mulheres.

Previsão de votação

Os pesquisadores examinaram essa dina¢mica em um estudo de campo do mundo real, pesquisando os eleitores da Califórnia sobre a Proposição 16, que teria derrubado a proibição do estado de considerar raça, sexo, cor, etnia ou origem nacional em empregos paºblicos, educação e contratação.

"Quera­amos ver se essa percepção erra´nea sobre igualdade previa como as pessoas votariam", disse Brown.

Ele fez. Eles descobriram que a maioria dos brancos e asia¡ticos acreditava que a medida reduziria seu acesso a  educação e oportunidades de trabalho. Quanto mais fortemente eles sustentavam essa crena§a, menos eles apoiavam a Prop.16. De fato, a crena§a de que a medida prejudicaria suas chances era um preditor mais forte de como as pessoas votariam do que seu partido pola­tico ou qualquer outra varia¡vel ideola³gica. Em uma pesquisa de acompanhamento duas semanas após a primeira, os pesquisadores descobriram que as pessoas que mudaram para um voto não relataram uma percepção crescente de que a medida as prejudicaria.

Cascavanãis vs aguias

Em seus experimentos finais, os pesquisadores testaram se membros majorita¡rios de grupos completamente ficta­cios rejeitariam resultados mais justos com base em uma percepção equivocada de danos. Em contraste com experimentos anteriores que envolveram apenas membros do grupo majorita¡rio, os pesquisadores recrutaram um grupo de sujeitos racial e etnicamente diversificado. Eles disseram que foram designados com base em um teste de personalidade para uma equipe chamada Rattlers, que competiria contra os Eagles em um desafio de resolução de problemas (na realidade, esse teste de personalidade não determinava a atribuição do grupo e os Eagles não existiam) . Os participantes foram informados de que os Rattlers receberam mais ba´nus do que os Eagles nas últimas semanas e, portanto, foram solicitados a considerar maneiras mais iguais de disputar ba´nus.

Mesmo com grupos inventados, a mesma dina¢mica se manteve: os membros dos Rattlers rejeitaram uma proposta ganha-ganha que daria ba´nus moneta¡rios a mais 5 Rattlers e mais 50 Eagles - ainda deixando os Rattlers a  frente - e, em vez disso, escolheram um plano perde-perde , perdendo 5 ba´nus e tirando 50 das a¡guias. "Essa pola­tica prejudicou a todos e tornou a distribuição de ba´nus mais desigual", apontam os pesquisadores.

Em uma reviravolta final, os pesquisadores apresentaram aos participantes do estudo cenários lado a lado que reduziriam ou aumentariam a desigualdade sem afetar seus ba´nus, para que pudessem comparar facilmente. Eles ainda percebiam que a pola­tica de aumento da equidade prejudicava suas chances.

Implicações

As descobertas lana§am uma nova luz sobre uma das teorias fundamentais da psicologia social, a teoria da identidade social, que postula que as pessoas tendem a preferir que quantidades relativamente maiores de recursos sejam alocadas para seu grupo interno do que para um grupo externo. Essa preferaªncia éprevista pela percepção equivocada de que reduções de vantagem relativa necessariamente prejudicam grupos favorecidos em termos absolutos, segundo os pesquisadores.

Além da teoria, as descobertas são preocupantes, dados os enormes custos sociais e econa´micos da desigualdade, diz Brown. O PIB perdido devido a  desigualdade racial foi estimado em US$ 16 trilhaµes, e estima-se que a disparidade salarial entre homens e mulheres reduza a economia global em cerca de US$ 160 trilhaµes. As pessoas podem fundamentalmente não entender o quanto as disparidades pesam na sociedade como um todo, sugerem os pesquisadores.

Essa visão de soma zero da igualdade éum obsta¡culo que os formuladores de políticas que buscam reduzir as disparidades precisara£o lidar, diz Brown.

"Nossa pesquisa sugere que vocênão pode esperar que todos estejam a bordo e vocêdeve sempre esperar que haja uma reação negativa", diz ele. "A mudança em si tem que ser a justificativa."

 

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