Humanidades

Mundos virtuais separados
O novo livro de Paul Roquet traz as trajeta³rias muito diferentes da realidade virtual nos EUA e no Japa£o.
Por Pedro Dizikes - 28/05/2022


O novo livro de Paul Roquet traz as trajeta³rias muito diferentes da realidade virtual nos EUA e no Japa£o, mostrando como as inovações encontram a cultura. Créditos: Imagem: Cortesia de Paul Roquet e da Columbia University Press

O que érealidade virtual? Em umníveltanãcnico, éum sistema habilitado para fone de ouvido usando imagens e sons para fazer o usua¡rio se sentir como se estivesse em outro lugar. Mas em termos de conteaºdo e essaªncia da realidade virtual osbem, isso pode depender de onde vocêesta¡.

Nos EUA, por exemplo, a realidade virtual (VR) tem suas raa­zes profundas como uma forma de tecnologia de treinamento militar. Mais tarde, assumiu um ar “tecno-uta³pico” quando começou a receber mais atenção nas décadas de 1980 e 1990, como observa o professor do MIT Paul Roquet em um novo livro sobre o assunto. Mas no Japa£o, a realidade virtual tornou-se fortemente orientada para fantasias de “isekai”, ou “outro mundo”, incluindo cenários em que o usua¡rio de RV entra em um portal para outro mundo e deve encontrar o caminho de volta.

“Parte do meu objetivo, ao extrair esses diferentes sentidos da realidade virtual, éque ela pode significar coisas diferentes em diferentes partes do mundo e estãomudando muito ao longo do tempo”, diz Roquet, professor associado de estudos de ma­dia e Japa£o. estudos no programa Comparative Media Studies/Writing do MIT.

Como tal, a RV constitui um estudo de caso útil nas interações da sociedade e tecnologia, e a forma como as inovações podem evoluir em relação a s culturas que as adotam. Roquet detalha essas diferenças no novo livro, “The Immersive Enclosure: Virtual reality in Japan”, publicado esta semana pela Columbia University Press.

Diferentes linhagens

Como Roquet observa no livro, a realidade virtual tem uma longa linhagem de inovações precursoras, datando pelo menos dos simuladores de voo militares do ini­cio do século XX. Uma ma¡quina de arcade estereosca³pica da década de 1960, a Sensorama, éconsiderada o primeiro dispositivo comercial de RV. Mais tarde na década, Ivan Sutherland, um cientista da computação com doutorado no MIT, desenvolveu um monitor computadorizado pioneiro montado na cabea§a.

Na década de 1980, nos EUA, no entanto, a realidade virtual, muitas vezes ligada ao tecna³logo Jaron Lanier, tomou uma direção diferente, sendo lana§ada como uma ferramenta libertadora, “mais pura do que o que veio antes”, como Roquet coloca. Ele acrescenta: “Isso remonta ao ideal plata´nico do mundo que pode ser separado da materialidade cotidiana. E na imaginação popular, a RV se torna esse espaço onde podemos consertar coisas como sexismo, racismo, discriminação e desigualdade. Ha¡ muitas promessas sendo feitas no contexto dos EUA.”

No Japa£o, poranãm, a RV tem uma trajeta³ria diferente. Em parte porque a constituição do pa³s-guerra do Japa£o proibiu a maioria das atividades militares, a realidade virtual se desenvolveu mais em relação a formas de entretenimento popular, como manga¡, anime e videogame. Roquet acredita que sua linhagem tecnologiica japonesa também inclui o Sony Walkman, que criou um espaço privado para consumo de ma­dia.

“Esta¡ indo em direções diferentes”, diz Roquet. “A tecnologia se afasta do tipo de uso militar e industrial prometido nos EUA”

Como Roquet detalha no livro, diferentes frases japonesas para realidade virtual refletem isso. Um termo, “bacharu riariti”, reflete a noção mais idealista de que um espaço virtual poderia substituir funcionalmente um espaço real; outro, “kaso genjitsu”, situa a realidade virtual mais como entretenimento onde “o sentimento importa tanto quanto a própria tecnologia”.

O conteaºdo real do entretenimento VR pode variar, desde jogos de batalha multiplayer atéoutros tipos de atividades no mundo da fantasia. Como Roquet examina no livro, a realidade virtual japonesa também tem um perfil de gaªnero distinto: uma pesquisa no Japa£o mostrou que 87% dos usuários de realidade virtual social eram homens, mas 88% deles incorporavam personagens femininas, e não necessariamente em cenários que são empoderadores para as mulheres. Os homens estão, portanto, “em todos os lugares no controle, mas não são vistos em nenhum lugar”, escreve Roquet, enquanto “reinscrevem secretamente as normas de gaªnero”.

Uma aplicação potencial bastante diferente para a realidade virtual éo teletrabalho. Como Roquet também detalha, pesquisas considera¡veis ​​foram aplicadas a  ideia de usar VR para controlar robôs para uso em vários ambientes, desde cuidados de saúde atétarefas industriais. Isso éalgo que os tecna³logos japoneses compartilham com, digamos, Mark Zuckerberg, da Meta, cuja empresa se tornou a principal patrocinadora da realidade virtual nos EUA.

“Nãoétanto que haja uma divisão absoluta [entre os EUA e o Japa£o], diz Roquet; em vez disso, ele observa, háuma aªnfase diferente em termos de “o que éa realidade virtual”.

O que o escapismo não pode escapar

Outros estudiosos elogiaram “The Immersive Enclosure”. Yuriko Furuhata, professora associada da Universidade McGill, chamou o livro de “uma nova e refrescante visão da realidade virtual como tecnologia de consumo”. James J. Hodge, professor associado da Northwestern University, chamou o livro de “leitura obrigata³ria para acadaªmicos em estudos de ma­dia e leitores em geral fascinados pelo potencial revoluciona¡rio falho da RV”.

Em última análise, como Roquet conclui no final do livro, a realidade virtual ainda enfrenta questões políticas, comerciais e sociais importantes. Um deles, ele escreve, é“como imaginar um futuro de realidade virtual governado por algo diferente de um pequeno conjunto de proprieta¡rios corporativos e as mesmas velhas lutas geopolíticas”. Outra, como observa o livro, é“o que significa para uma interface de ma­dia afirmar o controle sobre a consciência espacial de alguém ”.

Em ambos os assuntos, isso significa entender a realidade virtual ose a tecnologia de forma ampla osa  medida que ela émoldada pela sociedade. A realidade virtual muitas vezes pode se apresentar como uma forma de escapismo, mas não hácomo escapar das circunsta¢ncias em que foi desenvolvida e refinada.

“Vocaª pode criar um espaço que estãofora do mundo social, mas acaba sendo altamente moldado por quem estãofazendo a criação”, diz Roquet.

 

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