Humanidades

Estudo sugere identidade secta¡ria no Oriente Manãdio ligada a questões domésticas, não a uma divisão religiosa maior e transnacional
Como diz o velho ditado, toda pola­tica élocal. Isso pode parecer uma ideia pitoresca em uma era de ma­dia social e conectividade global. E, no entanto, como um estudo coliderado por um cientista pola­tico do MIT descobriu, pode descrever a...
Por Peter Dizikes - 02/06/2022


Um estudo no local sugere que a identidade secta¡ria no Oriente Manãdio estãoligada a questões domésticas e não faz parte de uma divisão religiosa transnacional maior. Para conduzir o estudo, os estudiosos projetaram uma pesquisa de peregrinos xiitas caminhando para Karbala para o dia sagrado de Arba'een. Na foto, pessoas caminhando durante a peregrinação anual em 2015. Crédito: MIT

Como diz o velho ditado, toda pola­tica élocal. Isso pode parecer uma ideia pitoresca em uma era de ma­dia social e conectividade global. E, no entanto, como um estudo coliderado por um cientista pola­tico do MIT descobriu, pode descrever a pola­tica do Oriente Manãdio com mais precisão do que muitas pessoas imaginam.

Mais especificamente, a identidade secta¡ria no mundo mua§ulmano - especialmente a divisão entre as seitas xiitas e sunitas do Isla£ - éfrequentemente descrita como uma questãotransnacional, na qual as pessoas se entendem como parte de uma grande divisão que abrange as regiaµes do Oriente Manãdio e Norte da áfrica .

Mas uma pesquisa de campo de mua§ulmanos xiitas (aqueles que são xiitas) engajados em uma peregrinação anual macia§a a  cidade iraquiana de Karbala revela algo diferente: a identidade secta¡ria émuitas vezes entrelaa§ada com a pola­tica doméstica e moldada em conexão com as interações sociais locais.

“Encontramos um tipo diferente de identidade secta¡ria que definitivamente não estava tão focada na dimensão transnacional”, diz o professor Fotini Christia, que dirigiu o estudo.

Entre outras coisas, a identidade secta¡ria mua§ulmana para os participantes do estudo não éuma questãodoutrina¡ria, emergindo do estudo religioso. Além disso, também parece que homens e mulheres muitas vezes desenvolvem identidades secta¡rias de maneiras diferentes.

“Parece que na verdade éa pola­tica local se infiltrando em uma interpretação da féou da identidade secta¡ria, e não o contra¡rio, com a religia£o afetando o engajamento das pessoas”, diz Christia. "Ha¡ também uma dimensão de gaªnero nisso que foi negligenciada."

O artigo, "Evidence on the Nature of Sectarian Animosity: The Shia Case", foi publicado hoje na Nature Human Behavior . Os autores são Christia, que dirige o MIT Sociotechnical Systems Research Center; Elizabeth Dekeyser, pa³s-doutoranda no Institute for Danced Study em Toulouse, Frana§a; e Dean Knox, professor assistente da Wharton School da Universidade da Pensilva¢nia.

Pesquisa na estrada para Karbala

Para conduzir o estudo, os estudiosos projetaram uma pesquisa de peregrinos xiitas caminhando para Karbala para o dia sagrado de Arba'een - um ritual de luto coletivo no santua¡rio do Imam Husayn, um dos netos do profeta Maomanã. Esta peregrinação anual, proibida por Saddam Hussein, éagora um dos maiores eventos anuais do mundo, atraindo xiitas de muitos lugares.

De fato, a estrutura da peregrinação ajudou os pesquisadores a conduzir o estudo. A estrada de Najaf a Karbala, um trecho de 80 quila´metros que éa parte mais percorrida da peregrinação, possui tendas de serviço organizadas em torno das áreas de origem das pessoas. Essa estrutura permitiu que Christia, trabalhando no Iraque com uma equipe de pesquisa local, desenvolvesse uma pesquisa sofisticada de um grupo geograficamente diversificado de mais de 4.000 pessoas na seita xiita. Cerca de 60 por cento dos participantes eram do Iraque e 40 por cento eram do Ira£; a pesquisa foi dividida aproximadamente igualmente por gaªnero.
 
No geral, os xiitas representam apenas cerca de 20% dos mua§ulmanos em todo o mundo; eles são predominantes no Ira£, mas uma minoria em quase todos os outrospaíses de maioria mua§ulmana e receberam relativamente menos atenção de cientistas sociais e outros acadaªmicos.

"Quando pensamos no mundo mua§ulmano, hámuito mais foco no lado sunita", diz Christia. "Parecia uma grande pea§a que faltava por não ter engajado a população xiita nesse tipo de pesquisa."

Devido a s complexidades da realização de pesquisas no Ira£, ela acrescenta: "Esta érealmente uma chance de envolver uma população religiosa do Ira£ que nunca podera­amos acessar no Ira£".

Ao todo, como afirmam os estudiosos no artigo, os resultados da pesquisa mostram que a animosidade secta¡ria "estãoligada a  privação econa´mica, desilusão pola­tica, falta de contato com grupos externos e uma visão da pola­tica doméstica baseada em seitas". Em vez de representar uma visão transnacional e pan-mua§ulmana de solidariedade social, o sectarismo parece operar um pouco mais como etno-nacionalismo, derivado de experiências locais e se envolvendo em questões políticas nacionais.

Os dados da pesquisa mostram, por exemplo, que um aumento da riqueza das fama­lias leva a um decla­nio modesto na animosidade secta¡ria, enquanto uma maior desilusão com o governo democra¡tico leva a um aumento na animosidade secta¡ria. E as mulheres em áreas dominadas por xiitas, com menos contato social entre seitas, tem mais animosidade secta¡ria. Em cada caso, fatores econa´micos e pola­ticos domanãsticos influenciam a variação do sectarismo mais do que as questões transnacionais.

"Uma razãopela qual étão difa­cil estudar as origens e correlações da animosidade éporque os conceitos envolvidos são intrinsecamente difa­ceis de quantificar", diz Knox. "Levamos essas questões a sanãrio e validamos nossas medidas de várias maneiras. Por exemplo, quantificamos a animosidade por meio de várias abordagens, incluindo experimentos, e medimos o contato fora do grupo com tudo, desde informações autorrelatadas atérastreamento de localização baseado em smartphone. Em última análise, somos capazes de usar uma variedade de fontes de dados para testar as implicações observa¡veis ​​das teorias existentes sobre como e por que os indivíduos mantem essa animosidade."

A divisão de gaªnero e a experiência vivida

Ao mesmo tempo, os resultados da pesquisa também apresentam algumas diferenças distintas de gaªnero. Entre as mulheres iraquianas, por exemplo, os indivíduos mais religiosos tendem a ser mais secta¡rios, mas os homens mais religiosos tendem a ser menos secta¡rios. Por quaª? Os estudiosos sugerem que, enquanto a doutrina xiita desencoraja o sectarismo, as atividades sociais da prática religiosa o incentivam, reunindo pessoas de apenas uma seita. Para os homens que já trabalham fora de casa e possuem outros meios de socialização, isso pode ter pouco impacto em suas visaµes de mundo. Mas para as mulheres para quem as reuniaµes religiosas secta¡rias são uma forma prima¡ria de socialização, praticar a religia£o de forma mais ativa pode, assim, aumentar as visaµes secta¡rias.

Da mesma forma, a conexão entre a desilusão democra¡tica e o sectarismo na pesquisa éimpulsionada principalmente pelas mulheres (em contraste com a imagem pública de jovens mua§ulmanos que conduzem o conflito secta¡rio). Os pesquisadores levantam a hipa³tese de que isso também vem das maiores oportunidades para os homens absorverem pontos de vista variados na esfera pública, enquanto as oportunidades de socialização mais limitadas para as mulheres reforçam visaµes secta¡rias.

"Fornecer uma análise completa e diferenciada das maneiras divergentes que homens e mulheres entendem o sectarismo éfundamental", diz Dekeyser. “Para comportamentos e crena§as que são fortemente influenciados pela socialização , como relações intergrupais, ignorar as experiências vividas totalmente diferentes entre os gêneros pode deixar de examinar a variação cra­tica nas crena§as e levar a conclusaµes sociais e políticas incorretas”.

E o fato de que a própria experiência vivida éamplamente localizada, para a maioria das pessoas, por sua vez, significa que seus pontos de vista estãofundamentados nessas preocupações. Afinal, observa Christia, consideram que mesmo as pessoas engajadas na peregrinação de Karbala, um evento internacional, se organizam de acordo com seus locais de origem.

“Mesmo neste evento que étransnacional, porque háxiitas de todos os lugares, mesmo la¡, éde certa forma uma celebração de sua identidade local”, diz Christia.

Ao todo, o estudo minucioso da animosidade secta¡ria, em vez de confiar em noções recebidas sobre isso, énecessa¡rio para entender completamente as opiniaµes das pessoas ao redor do mundo mua§ulmano.

"Tantos outros lugares onde a pola­tica éproblema¡tica e nos[os EUA] nos envolvemos no Oriente Manãdio, como Iraque, Sa­ria, La­bano ou Iaªmen, tem essa dimensão secta¡ria", diz Christia. "Precisamos pensar sobre religia£o e pola­tica, e como isso realmente se manifesta. ... O fato de haver essa dimensão [pola­tica] nisso, mais do que essa dimensão religiosa transnacional, [e isso] éum ponto importante".

 

.
.

Leia mais a seguir