Mundo

Incêndio na Amazônia está mais associado a queimadas agrícolas e desmatamento do que à seca
Um estudo brasileiro mostra que o número de incêndios detectados em toda a região amazônica entre 2003 e 2020 foi influenciado mais pelo uso humano descontrolado do fogo do que pela seca. Segundo os pesquisadores, a queima de vegetação...
Por Luciana Constantino - 04/11/2022


Estudo brasileiro analisou ocorrências de incêndios ativos entre 2003 e 2020 nos nove países com áreas de Floresta Amazônica. O Brasil respondeu, em média, por 73% dos incêndios detectados no período. Crédito: Liana Anderson/CEMADEN

Um estudo brasileiro mostra que o número de incêndios detectados em toda a região amazônica entre 2003 e 2020 foi influenciado mais pelo uso humano descontrolado do fogo do que pela seca. Segundo os pesquisadores, a queima de vegetação para preparar áreas para pastagem e desmatamento, em vez de déficits hídricos extremos, foi a principal causa de incêndio na maioria dos anos com grande número de incêndios.

Em média, pastagens e outras terras agrícolas representaram 32% das áreas queimadas anuais na Amazônia, seguidas por pastagens naturais com 29% e florestas antigas com 16%.

Dos nove países com áreas de Floresta Amazônica, Brasil e Bolívia respondem juntos pela maioria dos incêndios detectados na região anualmente, com mais da metade e cerca de um terço, respectivamente.

A maior parte da Amazônia está no Brasil (63%), mas o bioma de floresta tropical de várzea também se estende pela Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela, cada um com entre 9% e 6,5% da área área total, que é de 6,67 milhões de quilômetros quadrados.

Um artigo sobre o estudo foi publicado em uma edição especial da Global Ecology and Biogeography sobre a crescente ameaça que o fogo representa para as florestas do mundo.

Os autores são cientistas afiliados ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ao Centro Nacional de Vigilância e Alerta Precoce de Desastres (CEMADEN) e à Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

O número de incêndios na Amazônia brasileira está aumentando novamente. Nos primeiros nove meses de 2022, principalmente em agosto e setembro, foi a maior desde 2010, quando foram detectados 102.409 focos de incêndio, segundo o INPE. Ao mesmo tempo, desde 2019 o desmatamento no bioma atingiu os níveis mais altos desde 2009, ultrapassando 10.000 quilômetros quadrados por ano. A tendência continua, a julgar pelas estatísticas disponibilizadas pelo DETER, plataforma de alerta de desmatamento do INPE.

“A literatura científica sobre o fogo na Amazônia tende a se concentrar na porção brasileira do bioma. Estendemos o escopo para os demais países para descobrir onde o fogo é mais crítico e merece atenção, principalmente à luz das diferentes terras Nós concluímos que o fogo é usado na agricultura para renovar a vegetação, principalmente nas pastagens e principalmente no Brasil, mas sem o manejo adequado do fogo, aumentando o risco de o fogo escapar para a floresta adjacente e causar incêndios florestais", disse Marcus Vinicius de Freitas Silveira, Ph.D. candidato da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do INPE (DIOTG) e primeiro autor do artigo.

Para Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, chefe do DIOTG-INPE e último autor do artigo, o estudo inova ao tomar como escopo toda a Amazônia e quase 20 anos de dados. "Analisando esse longo período, conseguimos identificar anomalias na série temporal, como 2020. Os resultados mostram a disseminação do uso do fogo em toda a Amazônia, tanto na derrubada e queimada da floresta quanto na continuidade do manejo das pastagens", ele disse.

Aragão é líder do Laboratório de Ecossistemas Tropicais e Ciências Ambientais (TREES) e participante do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (RPGCC).

Conforme observado por Aragão, 2020 é uma “anomalia na série temporal”. De acordo com o estudo, as operações de controle ambiental na região enfraqueceram em 2020, que se seguiu à infame temporada de incêndios na Amazônia de 2019 e também foi um período em que a pandemia de COVID-19 estava em alta.

Em 2020, a área total queimada na Amazônia foi a maior desde 2010, e a área queimada por fogo ativo foi a segunda maior da série histórica, apesar de uma área muito menor com déficit hídrico anormalmente agudo em comparação com a mega-área de 2015-16. seca, escrevem os autores.

Outro importante bioma brasileiro, o Pantanal – a maior área úmida do mundo, com área de 250 mil quilômetros quadrados, parte deles na Argentina e no Paraguai – também foi devastado por queimadas sem precedentes em 2020. A superfície da água caiu 34% a mais do que a anual média em 2020, segundo matéria publicada em julho de 2022. Além de Aragão, seus autores incluem Liana Anderson, penúltima autora do artigo sobre o fogo na Amazônia.

Assim como na floresta tropical, as queimadas no Pantanal foram consequência da intensificação das atividades humanas relacionadas ao fogo, com 70% ocorrendo em propriedades rurais, 5% em reservas indígenas e 10% em áreas protegidas, segundo o estudo.

Para Anderson, a principal ação de curto prazo necessária para reduzir o risco de incêndios florestais na Amazônia é erradicar o desmatamento ilegal na região e combater o problema da grilagem. “Além disso, o treinamento e a divulgação de técnicas de manejo de terras livres de fogo são cruciais para minimizar o risco crescente de grandes incêndios. Tanto a paisagem cada vez mais fragmentada quanto o clima mais quente com menos chuva levam ao aumento da inflamabilidade”, disse ela.

Os incêndios aumentaram 18% entre janeiro e setembro em comparação com os primeiros nove meses de 2021 no Maranhão, estado brasileiro localizado na zona de transição entre a Amazônia e o Cerrado, o segundo maior bioma do país e também ameaçado de várias maneiras.

“Como observado em nosso artigo, a atividade recente de incêndios na região está intimamente ligada ao desmatamento, que aumentou devido ao enfraquecimento dos controles ambientais federais e estaduais”, disse Celso Silva-Junior, afiliado à Universidade Estadual do Maranhão (UEMA ) e segundo autor do artigo.

Impactos

O fogo é um dos principais tipos de distúrbios responsáveis ??pela degradação na Amazônia, com impactos negativos na estrutura e dinâmica da floresta, principalmente por prejudicar a capacidade da floresta de capturar carbono e liberar carbono armazenado.

O fogo também prejudica a saúde das pessoas que vivem na região ao intensificar a poluição do ar e aumentar as internações por doenças respiratórias. Segundo relatório do Instituto de Pesquisa em Políticas de Saúde (IEPS) em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e a Human Rights Watch, as queimadas associadas ao desmatamento na Amazônia levaram a 2.195 internações para tratamento de doenças respiratórias em 2019, com 49% envolvendo pessoas com 60 anos ou mais e 21% envolvendo bebês até um ano de idade.

A poluição por fumaça de incêndios florestais na Amazônia, somada à sujeira já no ar nas grandes cidades e nuvens baixas, foi responsável por transformar o dia em noite em São Paulo em 19 de agosto de 2019, apesar da distância de 2.700 km até Manaus, capital do estado do Amazonas.

Dados

No artigo mais recente da Global Ecology and Biogeography , os pesquisadores descrevem sua análise de séries temporais para 2003-2020 compiladas a partir de registros de incêndios ativos e áreas queimadas, cruzando-os com dados anuais de uso e cobertura da terra, medindo as áreas com anomalias níveis de incêndio, seca e desmatamento para cada ano e identificar a distribuição espacial dessas anomalias em 2020, tudo com base em uma grade de 10 km x 10 km cobrindo toda a região amazônica.

Os resultados mostraram que o Brasil sozinho respondeu em média por 73% das detecções anuais de incêndios ativos na Amazônia entre 2003 e 2020, seguido pela Bolívia com 14,5% e Peru com 5,3%.

Quando as detecções anuais de incêndios ativos em cada região amazônica foram divididas pela área total da região, os autores constataram que a maior densidade ocorreu na Bolívia, com uma média de seis incêndios ativos por 100 quilômetros quadrados por ano, seguido pelo Brasil com três.

No Brasil e na Bolívia, os incêndios ativos foram mais numerosos na década de 2000 e depois caíram, chegando ao fundo do poço em 2013-14 e subindo novamente depois.

O Brasil contribuiu com 56% da área total anual queimada na Amazônia em média em todo o período, enquanto a participação da Bolívia foi de 33%. Venezuela e Colômbia responderam por 4%. Embora o Peru tenha sido a terceira região em número de incêndios, contribuiu com apenas 0,63% do total anual de área queimada.

As áreas de lavoura e pastagem, campos naturais, florestas primárias e áreas úmidas que não florestas alagadas foram os tipos de uso e cobertura da terra que mais queimaram em toda a Amazônia no período, respondendo respectivamente por 32%, 29%, 16% e 13 % da área total anual queimada em média.

As terras agrícolas também foram responsáveis ??pela maior proporção da área total anual queimada no Brasil (48%) e no Peru (51%). Florestas antigas queimaram mais no Equador (76%), áreas úmidas que não florestas inundadas na Guiana Francesa (46,5%) e pastagens naturais nas demais regiões amazônicas (40% ou mais).

“O fogo é usado para preparar áreas para lavouras ou pastagens, mas o fogo é um perigo não só para a floresta e sua biodiversidade, mas também para a sustentabilidade da própria agricultura”, disse Aragão. "A solução seria desenvolver um planejamento estratégico do uso do solo em todas as esferas de governo e setores da sociedade, com treinamento e auxílio para o uso de técnicas mais avançadas."

 

.
.

Leia mais a seguir