Modelo calcula risco com base no desenho das pistas e em bancos de dados sobre ocorrências
Trecho de serra da Rodoviária Rio-Teresópolis (BR 116)
Em junho de 2016, um grave acidente na estrada que liga Mogi das Cruzes a Bertioga (SP-98), no Estado de São Paulo, matou 18 jovens, passageiros de um ônibus que tombou em um trecho de descida da serra marcado por curvas acentuadas. Esse trágico evento motivou o engenheiro Creso de Franco Peixoto, professor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (Fecfau) da Unicamp, a investigar a relação entre a geometria rodoviária e a ocorrência de acidentes. Em sua tese de doutorado, Peixoto criou um modelo matemático para cálculo de risco de acidentes viários associados aos traçados das rodovias.
Trata-se de um modelo inovador – batizado de arco-íris – voltado para a análise de trechos de rodovias serranas, de desenho sinuoso, com o objetivo de estabelecer critérios na hora de determinar o traçado da via e também de tomar medidas para majorar a segurança nos percursos já existentes. O engenheiro criou ainda o Índice de Risco Viário (IRV).
A visão integrada do modelo correlaciona bancos de dados de acidentes com características do traçado da rodovia. “A tese tinha uma hipótese para ser provada com a pesquisa: qual é a influência da geometria na ocorrência desses acidentes?”, lembra o pesquisador. “Eu queria poder diminuir o índice de mortalidade nas rodovias ou produzir alguma coisa que contribuísse nesse sentido. Agora temos condições de propor, cientificamente, possíveis melhorias em padrões viários bem como mudanças no Código [de Trânsito Brasileiro] a fim de aumentar a segurança viária.”
A pergunta de pesquisa de Peixoto veio acompanhada de outros questionamentos, como: o que induz o motorista a aumentar a velocidade? O professor concluiu que há, pelo menos, dois fatores nos padrões de rodovias serranas analisados: declividade e extensão das rampas. Outra pergunta surgiu à medida que a pesquisa avançou: o que obriga o motorista a frear de maneira forte e brusca? Mais uma resposta: as curvas em sequência às descidas. Ao longo do trabalho, os elementos foram correlacionados para calcular os índices de risco viário.
“Quando veículos sofrem acidentes em curva, a aceleração centrípeta é o ator principal. Quanto maior a inclinação da rampa, maior a indução de ganho de velocidade do veículo, levando-o à condição de desequilíbrio iminente”, afirmou Peixoto. “Um dos meus pontos de partida consistiu em relacionar de forma indireta aquilo que induz o motorista ao excesso de velocidade com aquilo que o obriga a tentar reduzir [a velocidade] – muitas vezes, sem sucesso.”
Visão integrada
Na acidentologia rodoviária – linha de pesquisa defendida por Ruedger Lamm, do Instituto de Engenharias Rodoviária e Ferroviária, ligado à Universidade de Karlsruhe (Alemanha) –, Peixoto encontrou a base para seu trabalho. “Essa linha de estudo busca encontrar os locais com maior risco operacional a fim de desenvolver propostas de melhorias, associando acidentes com elementos físicos da rodovia em vez de simplesmente verificar se os elementos físicos do projeto ou da via atendem aos valores críticos citados em normas. Esse tipo de projeto não é praticado usualmente no Brasil”, afirma o pesquisador.
A partir daí, Peixoto desenvolveu o modelo arco-íris, que adota uma visão integrada das grandezas consideradas. Em sua pesquisa, o especialista associou o excesso de velocidade com elementos espaciais de trechos rodoviários, segundo um perfil de movimento rítmico. “Como projetista de estradas, eu me sentia incomodado ao observar trechos rodoviários indutores de altas velocidades e que estavam associados a graves acidentes, como o trecho do acidente de 2016 em Bertioga (na SP-98)”, relembra. A segurança viária é uma linha de pesquisa muito antiga, diz, mas até hoje não havia um modelo que integrasse grandezas físicas associadas a bancos de dados de acidentes.
O modelo arco-íris tem como objeto pistas simples, sinuosas e com longos declives. Peixoto elaborou antes outros dois modelos, batizados como cabo de guarda-chuva e cabo de guarda-chuva modificado. “Ambos serviram de ferramental para conceber o modelo arco-íris.”
Traçados antigos
De acordo com o orientador da tese, o professor Diógenes Cortijo Costa, da Fecfau, uma parte considerável das rodovias brasileiras possui traçados inadequados do ponto de vista da física aplicada, porque originalmente foram abertas por animais e carroças em seus percursos naturais. “Trata-se de trajetos antigos, como trilhas de tropeiros, mais tarde adaptados. Por esse motivo, há rodovias precárias, que se alternam com poucas de qualidade”, afirma Costa.
Com exceção de algumas grandes estradas, como as Rodovias Presidente Castello Branco e Presidente Dutra, por exemplo, a maior parte das vias presentes nas serras brasileiras não possui projeto nem desenho. “Quem sabe um dia possamos mudar o método de projetar rodovias usando essa ideia de associar acidentes com geometria estudada de forma integrada, além da nossa proposta de um índice para poder efetivar a análise”, idealiza Peixoto.
Existem muitos trechos de risco, principalmente em pistas simples de regiões serranas, diz o orientador. Costa, no entanto, destaca que, além da via, os principais fatores de um acidente de trânsito são o ser humano e o veículo. O fator humano figura como o principal, com um percentual de responsabilidade de 94% a 96%; o veículo responde por 2%; e a via, pelo restante – de 2% a 4%. “Entre esses fatores, podemos incluir variáveis como o álcool, a velocidade, o estado do veículo e dos pneus, o cansaço do condutor, a chuva e a visibilidade.”
A pesquisa iniciou-se em 2016, com foco em rodovias extensas, de longas descidas, em região serrana, como a BR-116, entre Teresópolis e o Rio de Janeiro (RJ), a SP-98, a SP-125 (Taubaté-São Luís do Paraitinga-Ubatuba) e a do acesso ao distrito de Trindade, em Paraty (RJ). “Encontramos trechos de rodovias com geometria precária, onde praticamente 100% dos veículos trafegavam acima da velocidade permitida. No Brasil não se costuma trafegar na velocidade permitida”, lamenta Peixoto.
Segundo o pesquisador, o modelo proposto consiste em uma abordagem cinemática aplicada a traçados espaciais de rodovias. O rol de equações resultantes do modelo permite identificar a porcentagem de excesso de velocidade em que os veículos – incluindo motocicletas – trafegavam antes de tombar ou capotar em curvas que se sucedem a longas e acentuadas rampas de descida. “Essa abordagem cinemática do modelo arco-íris, eu chamo de visão orgânica”, diz o autor da tese, cujo Índice de Risco Viário (IRV) associa bancos de dados de acidentes, com ou sem vítimas, a elementos viários de trechos previamente selecionados.