Mundo

Reportagem sobre o mundo entre as guerras
A historiadora Nancy F. Cott conta a história do período na vida de quatro correspondentes americanos estrangeiros
Por Juan Siliezar - 15/04/2020

Cortesia da Administração Nacional de Arquivos e Registros, College Park
Dorothy Thompson éuma das quatro jornalistas escritas no novo livro de Nancy Cott.
Thompson éretratado por volta de 1940. A imagem émantida pelo Museu Memorial do
Holocausto dos Estados Unidos.

Os anos seguintes a  Primeira Guerra Mundial foram um período de incerteza, convulsão, desilusão. Muitos jovens americanos deixaram para trás o conforto do lar em busca de aventuras e respostas no exterior. Entre eles estavam os jornalistas que tentaram entender um mundo tão completamente alterado, mesmo as fronteiras de grande parte dele não eram mais familiares. Sa£o esses jornalistas em quem a historiadora Nancy F. Cott se concentra em seu novo livro, "Fighting Words: The Bold American Journalists Who Traz the World Home Between the Wars". Cott, o professor de história americana Jonathan Trumbull, estuda o trabalho e a vida de quatro deles em um momento em que o autoritarismo e o facismo começam a rastejar pelas rua­nas da antiga ordem internacional. O ex-diretor da Biblioteca Schlesinger no Instituto Radcliffe, Cott éautor de seis livros anteriores, incluindo “Votos Paºblicos: Uma história do casamento e da nação. Ela falou com a Gazeta sobre as últimas nota­cias e sobre os paralelos que vaª entre então e agora. 

Perguntas e Respostas
Nancy Cott


O livro centra-se no trabalho de quatro jornalistas americanos no exterior entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial. Vocaª pode nos dizer quem eles eram e um pouco sobre cada um deles?

A versão curta éque eles eram americanos jovens e inquietos, que cada um foi imprudentemente ao exterior e se reinventaram como jornalistas internacionais enquanto viviam vidas pessoais muito tumultuadas. Dorothy Thompson era uma mulher que viajava para o exterior com objetivos vagos, mas com uma clara esperana§a de que ela entraria no jornalismo. Ela rapidamente se tornou correspondente estrangeira e se tornou bastante conhecida na Europa Central. De fato, Thompson foi o primeiro jornalista americano expulso da Alemanha nazista por suas reportagens e voltou para casa para se tornar um dos primeiros "colunistas de opinia£o" dopaís para o New York Herald Tribune. Ela era provavelmente a voz antifascista mais consistente da Amanãrica nos anos 30.

Havia também Vincent Sheean, que se tornou amigo dela porque se conheceram na Europa, mas era um tipo diferente de pessoa: um garoto cata³lico de roda livre que falava várias la­nguas estrangeiras e foi para Paris, onde conseguiu um emprego em um jornal americano . Nãodurou. Ele se tornou tão politicamente apaixonado por se opor ao imperialismo europeu que o abandonou porque não queria ser um jornalista objetivo, por isso se tornou um freelancer mais opinativo no final dos anos 20, 30 e 40.

Seu amigo John Gunther [também de Chicago] teve uma carreira similar. Gunther se interessou nos jornais de casa primeiro e, em seguida, conseguiu dar um jeito de se tornar um correspondente estrangeiro quando tinha cerca de 24 anos no Chicago Daily News, que tinha um serviço internacional muito importante, e fez isso atéos 36 anos. ele ganhou ainda mais renome como escritor de livros sobre assuntos estrangeiros. Ele, Sheean e Thompson tiveram muitos altos e baixos em suas vidas pessoais, conjugais e sexuais.

Finalmente, meu quarto personagem éuma mulher ainda menos conhecida, Rayna Raphaelson, que deixou os Estados Unidos depois que seu casamento se desfez. A carreira de Raphaelson foi diferente, pois ela foi para a China, não para a Europa, onde se envolveu na luta dos nacionalistas chineses e trabalhou para o revoluciona¡rio Guomindang [partido nacionalista].

O que o levou a escrever um relato hista³rico de jornalistas internacionais durante as décadas de 1920, 1930 e parte dos anos 40?

Comecei querendo escrever um livro sobre a geração jovem da década de 1920. Meu livro anterior tinha sido sobre casamento e estado, envolvendo muitos casos legais e muitos documentos do governo. Desta vez, eu queria escrever um livro dirigido pelas narrativas de indivíduos reais. Comecei a ler um grande número de biografias e autobiografias de pessoas jovens na década de 1920 e fiquei impressionado com quantas delas foram para o exterior. Nãoera algo que eu esperava encontrar, e éum ponto que quero que as pessoas tirem do meu livro: houve muita pesquisa global por essa geração que herdou um mundo destrua­do após a Primeira Guerra Mundial. Então, comecei a procurar mais e mais detalhadamente em algumas de suas vidas e decidi que, para levar meu livro aonde queria, precisava ter um tema de organização. Eu escolhi o jornalismo porque, 

No livro, vocêexplora como Thompson, Sheean, Gunther e Raphaelson alcana§aram as manchetes internacionais enquanto faz questãode aprofundar suas vidas pessoais, incluindo seus casamentos e muitos casos roma¢nticos e sexuais fora deles. Por que isso era importante?

Eu vejo isso como um princa­pio mais recente da escrita hista³rica, influenciado pela história das mulheres e pela análise de gaªnero, insistindo que a vida pessoal e pública das pessoas esteja sempre entrelaa§ada. Nãoéta­pico na escrita hista³rica, exceto na biografia. Eu acho que épreciso olhar para as realizações públicas em vista da vida pessoal. Em parte, isso ocorre porque ninguanãm realiza o que realiza sozinho. As outras pessoas na vida desse indiva­duo sempre contribuem. a€s vezes, eles são colaboradores positivos. a€s vezes, eles são colaboradores negativos. Acho que as dificuldades de Dorothy Thompson com o marido, Sinclair Lewis [que era um dos romancistas mais famosos da anãpoca], por causa de seu alcoolismo, não avana§aram em seus objetivos profissionais. No entanto, havia outras caracteri­sticas de sua associação com ele, especialmente sua grande fama, que o faziam. Essas coisas tem que ser reconhecidas. Eu também acho que as opiniaµes daqueles que estãointimamente, ou nas redes de amizade e nas redes sociais, são influentes em termos de opiniaµes que podem ser expressas profissionalmente. Eles certamente eram para essas pessoas. Essas coisas são relevantes; eles fazem parte dos dados hista³ricos que se deve consultar ao escrever sobre qualquer indiva­duo. Reunir os dois éimportante.

“Havia muito mais sexo não matrimonial e adultanãrio nessa geração de jovens das décadas de 1920 e 1930 do que se reconhece; nunca foi realmente encarado como um fena´meno geracional. ”


Seus assuntos refletiram certas tendaªncias daquela geração jovem que vocêqueria ver? Se sim, quais eram eles?

Atécerto ponto. Em sua geração, havia uma minoria de pessoas cosmopolitas e internacionais que prestavam atenção a s emanações sociais, culturais e políticas de outras partes do mundo. Nesse sentido, acho que essas pessoas representam essa minoria muito importante e grande de sua geração; e também em suas vidas sexuais livres. Havia muito mais sexo não matrimonial e adultanãrio nessa geração de jovens das décadas de 1920 e 1930 do que se reconhece; nunca foi realmente encarado como um fena´meno geracional. Parece-me - embora eu esteja arriscando uma generalização aqui - que, no estrato da população socioecona´mica que meus saºditos representam (eles podem ser chamados de aspirante a classe média), houve muita experimentação sexual, pois a aventura sexual éparte do que era para ser moderno naquela anãpoca,

Nesse momento particular da história, por que o trabalho de correspondentes internacionais foi tão importante?

A participação dos EUA na Primeira Guerra Mundial mudou a orientação da nação em relação ao mundo. A pola­tica comercial americana, a indústria americana e os nega³cios americanos eram internacionais hápelo menos 100 anos naquele tempo, mas a posição dos EUA nas relações internacionais internacionais não era grande nem influente. A posição que os EUA assumiram durante a Primeira Guerra Mundial - salvando o lado aliado com seus suprimentos e soldados - foi muito, muito importante para tornar os Estados Unidos um ator no cena¡rio mundial de uma maneira que nunca havia sido antes, especialmente porque estava economicamente posicionado após a guerra muito melhor do que qualquer outro ex-beligerante. (Além disso, muita da­vida de guerra era devida aos EUA). Ficou claro que os EUA teriam uma posição nas relações internacionais que não poderia evitar, mas a grande questãoera se culturalmente e mesmo informativamente, a população dos EUA estava pronta para isso. Alguns eram, mas eu diria que provavelmente mais da metade não era, e assim levou a agaªncia de informações principal do dia, que era a imprensa, para levar o paºblico americano a ver que essa era uma era de transporte e comunicação rápidos, e que apenas ter um oceano de cada lado não nos isolou do envolvimento em brigas e potencialmente guerras que ocorreram em outros continentes. Os EUA tinham responsabilidades internacionais e precisavam descobrir como assumi-las. fazer com que o paºblico americano visse que era uma era de transporte e comunicação rápidos, e que apenas ter um oceano de cada lado não nos isolava do envolvimento em brigas e, potencialmente, guerras ocorridas em outros continentes. Os EUA tinham responsabilidades internacionais e precisavam descobrir como assumi-las. fazer com que o paºblico americano visse que era uma era de transporte e comunicação rápidos, e que apenas ter um oceano de cada lado não nos isolava do envolvimento em brigas e, potencialmente, guerras ocorridas em outros continentes. Os EUA tinham responsabilidades internacionais e precisavam descobrir como assumi-las.

Isso ecoa um pouco hoje. De sua pesquisa e olhando para esse ponto especa­fico da história americana, existem outros paralelos estabelecidos no livro? 

Sim, o primeiro, que talvez seja o mais perturbador, éo que existe entre a situação pola­tica do mundo atual e agora em termos da capacidade dos lideres autorita¡rios que tem apoio popular de assumir o controle em muitospaíses importantes e destruir instituições democra¡ticas, especialmente parlamentos representativos . Quando comecei este livro, éclaro, eu estava ciente de Benito Mussolini e Adolf Hitler, mas realmente não sabia quantospaíses da Europa Central haviam sido assumidos por lideres autorita¡rios - alguns que na década de 1930 eram fascistas. Foi realmente impressionante que, em meados da década de 1930, muitospaíses europeus tivessem um lider autorita¡rio ou fascista. Nãoera são a Ita¡lia. Foi a austria. Foi a Hungria. Era a Iugosla¡via. Foi a Pola´nia. a‰ tudo a dizer, a pergunta - a democracia sobrevivera¡? - estava sobre a mesa do final da década de 1920 atéa década de 1930. Hoje,

Em segundo lugar, os jornalistas internacionais, inclusive os deste livro, ao tornarem uma questãoimportante que os americanos deveriam se preocupar com essas falhas, mostraram que os americanos não podiam tomar seu sistema constitucional e sua continuação como garantidos. Eu acho que isso éverdade hoje também.

 

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