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Como o Dia da Terra deu origem ao movimento ambiental
Denis Hayes, um dos fundadores do evento, lembra o primeiro e como sua influaªncia se espalhou
Por Christina Pazzanese - 18/04/2020


Denis Hayes discursa no primeiro Dia da Terra. Hayes coordena as atividades do Dia da
Terra em 1970. Imagem cortesia de Denis Hayes

Denis Hayes era um estudante de 25 anos na Harvard Kennedy School em 1969, mas desistiu após um semestre para se tornar o principal organizador de uma organização sem fins lucrativos que planejava uma manifestação nacional em 22 de abril de 1970, um evento que eles chamariam de Terra dia . A reunia£o de um dia para conscientizar sobre as ameaa§as ao meio ambiente, realizada em centenas de cidades dopaís, atraiu 20 milhões de pessoas. Agora CEO da Bullitt Foundation, uma organização sem fins lucrativos de Seattle que promove e apa³ia os esforços de proteção ambiental e climática no Noroeste do Paca­fico, Hayes conversou com o Gazette, quando o 50º aniversa¡rio do Dia da Terra se aproxima na quarta-feira, sobre o nascimento do evento, como ele assumiu um papel de liderana§a como estudante da Kennedy School, e A influaªncia duradoura do Dia da Terra na pola­tica ambiental.

Perguntas e Respostas

Denis Hayes


Como vocêse interessou pelo ambientalismo?

Quando eu cresci, em uma comunidade de fa¡bricas de papel [do estado de Washington], não havia nenhuma forma de controle de poluição nas chaminanãs. O mau cheiro do dia³xido de enxofre e do sulfeto de hidrogaªnio foi generalizado. A imagem dominante que todo mundo tinha da minha cidade por 40 quila´metros em todas as direções era "Esse éo lugar que fede". A usina despejou poluição descontrolada da águano rio Columbia. Ocasionalmente, a­amos atéla¡ e nos depara¡vamos com enormes mortes de peixes. O papel, éclaro, éfeito de madeira, e a extração de madeira foi o mais rápido possí­vel. Eu estaria acampando em um vera£o em um lugar bonito e voltaria no vera£o seguinte, e seria uma paisagem lunar. Quando eu era muito jovem, tudo isso realmente não me transformou em um ativista raivoso. Mas eu tinha a sensação de que "Meu Deus, devera­amos ser capazes de criar papel sem destruir o mundo".

Vocaª entrou na Harvard Law School, mas se atrasou por um ano e depois acabou na Harvard Kennedy School no outono de 1969. O que a trouxe atéla¡?

Parti depois do segundo ano da faculdade e viajei de carona pelo mundo por três anos, meio que a  procura de mim. Eu queria ver em primeira ma£o todas as diferentes filosofias ba¡sicas e sistemas econa´micos do mundo, procurando alguma contribuição única que eu pudesse dar. Quando voltei, decidi que o que queria fazer da minha vida era buscar maneiras de integrar os princa­pios da ecologia nos assuntos humanos. Então eu voltei, terminei minha graduação. Foi o primeiro ano do programa MPP na Kennedy School. A maneira como eles fizeram isso foi convidar 12 presidentes de universidades para cada um nomear um aluno para esta aula piloto. Stanford me indicou. Aceitei porque 1) eu pensei que haveria coisas ensinadas la¡ das quais eu poderia lucrar e 2) apenas a honra. Além disso, sinceramente, Harvard forneceu algum apoio financeiro e isso era algo que eu realmente precisava. Então, todas essas coisas se uniram.

Havia um amplo interesse em questões ambientais em Harvard na anãpoca, ou vocêesperava ser o aºnico a trazer isso a  tona?

Tivemos uma guerra no sudeste asia¡tico e o Movimento dos Direitos Civis havia se mudado para um novo estado de nacionalismo negro. O ambiente não era, naquele momento, uma questãode faculdade, certamente não em Cambridge, mas realmente, não havia muito lugar. Nãome via como uma pessoa que tentava levar isso para Harvard particularmente - pelo menos não quando cheguei.

Havia um senador de Wisconsin, Gaylord Nelson, que tinha uma crena§a pola­tica intuitiva de que era o momento certo para as questões ambientais comea§arem a alcana§ar um maior grau de tração pola­tica nopaís. Gaylord pensava que o progresso estava realmente levando a uma degradação em nosso padrãode vida e que uma raiva oculta estava se formando. Na³s meio que esquecemos agora, mas o ar em Gary, Indiana, em Pittsburgh, em Los Angeles então, era como o ar em Shenzhen ou Nova Danãlhi ou Cidade do Manãxico hoje. Ele viu rios pegando fogo, muitas espanãcies de aves (incluindo a a¡guia americana) ameaa§adas de extinção, o derramamento de a³leo de Santa Ba¡rbara, estradas urbanas cortando os vibrantes bairros do centro da cidade, e concluiu que o problema estava maduro, mesmo que ninguanãm estivesse falando a respeito. . Ele começou a fazer discursos pedindo ensinamentos no campus sobre o meio ambiente.

Então, por que seu mandato em Harvard foi tão curto?

Com a auda¡cia da juventude, voei para Washington, DC, para uma entrevista de cortesia de 15 minutos com o senador. Tornou-se uma conversa de mais de duas horas sobre como tentar organizar uma campanha desse tipo. Conversamos sobre o que alguém poderia fazer, e eu voltei com uma carta para organizar toda a cidade de Boston. E então, alguns dias depois, recebi uma ligação de seu chefe de gabinete perguntando se eu desistiria [do HKS] e desceria para organizar os Estados Unidos. Dentro de uma semana da minha conversa com o senador, eu estava fazendo as malas e saindo para Washington, DC

Como era o ativismo ambiental naquela anãpoca?

Sinceramente, não havia muito ativismo em torno do "meio ambiente" como um problema. A situação real na década de 1960 éque havia pessoas que se importavam com pa¡ssaros na Sociedade Audubon e no Fundo de Defesa Ambiental. Havia pessoas que moravam em Santa Barbara que se importavam com derramamentos de a³leo ou que viviam em Gary, Indiana, e se preocupavam com a poluição do ar. Havia coalizaµes anti-estradas em uma daºzia de cidades. Mas todos esses grupos, e dezenas de outros, se consideravam grupos de auto-estradas, grupos de poluição do ar, grupos de pa¡ssaros. Uma das coisas mais importantes - acho que a coisa mais importante - que o Dia da Terra fez foi pegar todos esses fios diferentes e transforma¡-los juntos nesse tecido do ambientalismo moderno, para ajuda¡-los a entender que estavam operando com conjuntos de valores semelhantes e que poderiam se apoiar e ser muito mais fortes como um todo do que eram individualmente. Lembro-me dessa conversa apaixonada com o então presidente da Sociedade Audubon. Ele basicamente disse: "O que diabos o ar limpo tem a ver com os pa¡ssaros?" Apa³s o Dia da Terra, ninguanãm diria algo tão absurdo.

Quando vocêdeixou a HKS para esta nova organização em DC como um dos poucos funciona¡rios pagos em tempo integral do Dia da Terra, sua tarefa era fazer exatamente o que?

O senador Nelson estava absolutamente certo: opaís estava muito maduro e pronto para algo assim. Mas os ensinamentos do campus acabaram não sendo o ponto de partida. A primeira coisa que fizemos foi encontrar alguns organizadores regionais e envia¡-los para faculdades em todo opaís. Tudo isso começou na primeira semana de janeiro de 1970. E todo mundo voltou depois de uma semana ou duas e disse: “a‰ como correr contra uma parede de tijolos. Nãoéalgo que os alunos ativistas se preocupem. ” Por isso, analisamos as correspondaªncias que chegaram ao escrita³rio de Nelson como resultado da cobertura da imprensa de seus discursos. De maneira esmagadora, era de mulheres, a maioria delas de 25 a 35 anos, ma£es de criana§as pequenas com formação superior, principalmente em fama­lias com um aºnico sala¡rio, e elas querem saber o que poderiam fazer para se envolver. Atéo final de janeiro,

O que mais vocêfez para ajudar a divulgar?

Nesse ponto, esta¡vamos enviando organizadores para conversar com organizações comunita¡rias e grupos ca­vicos em todo opaís. Mas grande parte do que fizemos foi trabalhar com jornais, revistas, peria³dicos e várias associações para transmitir informações e chegar a s ma£os das pessoas. O nosso maior apoiador de longe foi o United Auto Workers. Tera­amos essas enchentes de correio depois que coloca¡ssemos algo em uma revista. No final, pedimos aos funciona¡rios da United Auto Workers que comea§assem a imprimir nossos boletins para nose a pagar pelos nossos selos. No final, ta­nhamos cerca de 60.000 nomes [em nossa lista de enderea§os]. Passa¡vamos os envelopes pela ma¡quina de enda³grafos; os voluntários os enchiam com os boletins, os carimbavam e os levavam para os correios. Nãota­nhamos computadores ou telefones celulares; não havia internet ou ma­dia social. E atéos últimos dois meses, não poda­amos nem pagar uma linha telefa´nica 1-800. Transmita­amos nossas mensagens, espera¡vamos que as pessoas interessadas respondessem e depois as acompanhavamos. Felizmente, algumas dessas jovens volunta¡rias se mostraram organizadoras de classe mundial.

Quando todos na organização começam a sentir um impulso ou perceberam que talvez isso fosse maior do que vocêpensava inicialmente?

Tivemos alguns sentimentos sobre isso no final de fevereiro ou no ini­cio de mara§o, apenas por causa do volume de correspondaªncia que chegava e do número de pessoas que estavam se inscrevendo para se tornarem organizadoras. Mas foi difa­cil para noscontar atéo evento em si quanto real isso seria.

A primeira vez que eu realmente sabia foi na cidade de Nova York. No Dia da Terra, um dos lugares que eu fui foi um grande coma­cio em Manhattan. O prefeito [John] Lindsay havia fechado a Quinta Avenida, barricando as ruas que normalmente passariam por ela, para o Dia da Terra. E subi na plataforma dos palestrantes várias histórias, e não pude ver o fim da multida£o. Estendeu-se por 40 ou 50 quarteiraµes da cidade. Era como olhar para o oceano!

Embora vocêtenhaATRAaDO grandes multidaµes em várias cidades, vocênão concorda que a cidade de Nova York se mostrou especialmente importante para sua organização?

Pensamos que sera­amos tão grandes quanto um coma­cio antiguerra ta­pico quando comea§a¡ssemos a ficar otimistas. Mas o que foi diferente no Dia da Terra foi, enquanto a Morata³ria do Vietna£ [demonstração em 15 de outubro de 1969] estava concentrada em talvez seis ou oito cidades, o Dia da Terra estava em basicamente todas as cidades, todas as cidades, todas as vilas, todas as encruzilhadas da Amanãrica. Naquela anãpoca, o New York Times, Time, Newsweek, NBC, CBS, ABC, AP, UPI eram todos [baseados] na cidade de Nova York, [então quando] olham pela janela e vaªem a multida£o, e estãorecebendo [relata] de todo opaís e de repente ... essa estimativa que agora se tornou a sabedoria revelada de 20 milhões de pessoas, tornou o maior evento organizado da história dopaís.

No final de 1969, vocêfez a pergunta: "O que vocêacha do meio ambiente?" Eu acho que a resposta mais comum teria sido: "O que éo meio ambiente?" Talvez alguém que fizesse um curso de psicologia soubesse, mas simplesmente não tinha nenhum tipo de conotação pola­tica. No meio de 1970, cerca de 80% dos americanos disseram ser ambientalistas.

A Lei de Proteção Ambiental (EPA) foi criada no final de 1970 e seguida pouco depois por uma sanãrie de leis ambientais importantes, como a Lei Nacional de Pola­tica Ambiental, a Lei de agua Limpa e Ar Limpo. Que papel o Dia da Terra teve no debate sobre políticas nacionais e na aprovação dessas leis?

Quando [o assessor do ex-presidente Richard Nixon] John Ehrlichman saiu do slammer, eu praticava direito e um de seus filhos era meu advogado. Então John parou e todos saa­mos para jantar. Segundo ele, em relação a  EPA, o efeito era claro. Nixon, ao iniciar a estratanãgia sulista de tentar transformar o Sul conservador, racista e solidamente democra¡tico no Partido Republicano, havia colocado em perigo todo o apoio republicano dos Romneys, Lindsays, Scrantons, McCloskeys, Brookes, Romneys, Lindsays, Scrantons, McCloskeys e Brookes. , os Chafees - a ala progressista do partido. Nixon estava particularmente preocupado com John Lindsay, que era tudo o que ele não era: Lindsay era alto, bonito e rico, atraente para as mulheres. Então Ehrlichman diz que estãola¡ com o presidente e Nixon olha para essa multida£o muito grande no shopping em Washington, DC, e ele olha para a televisão e vaª uma multida£o muito maior em Nova York, onde John Lindsay estãose dirigindo a ela. E ele disse: "De alguma forma, precisamos nos tornar jogadores nisso". Segundo Ehrlichman, ele disse a Nixon: “Lembra-se da comissão que vocêtinha na organização governamental que Roy Ash presidia para vocaª? Ele propa´s uma agaªncia de proteção ambiental. E a beleza disso, Dick, já estamos fazendo isso: poluição do ar? Temos isso em Saúde, Educação e Bem-Estar. Poluição da a¡gua? Isso acabou no interior. Resa­duos radioativos? Isso éda Comissão de Energia Ata´mica. Pesticidas? Isso acabou no Departamento de Agricultura. Vocaª pode tirar todas essas coisas desses departamentos, cola¡-las em uma agaªncia, chamar de EPA. Vocaª pode atéeconomizar um pouco de dinheiro e, de repente, éum jogador. ” E Ehrlichman diz que,

Então vocêteve algum momento pola­tico naquele momento, mas este foi um tempo de convulsaµes e distúrbios pola­ticos e sociais generalizados. Washington estava enfrentando pedidos de vários tipos de reformas de várias direções. Como vocêevitou que o Dia da Terra se perdesse no barulho?

Tivemos um número gigantesco de pessoas no Dia da Terra, que chamou a atenção de todos. Por um dia, tudo foi ambiental. Poucos dias depois, Nixon invadiu o Camboja e alguns dias depois, a Guarda Nacional matou quatro estudantes no estado de Kent. E o ambiente desapareceu completamente do radar.

Naquele outono, lana§amos uma campanha contra 12 membros do Congresso, congressistas que possua­am um hista³rico ruim de meio ambiente, que haviam vencido suas eleições anteriores por uma margem relativamente estreita, que tinham uma importante questãoambiental em seus distritos e em cujos distritos também tivemos uma boa organização forte do Dia da Terra. Com um ora§amento muito pequeno, como US $ 50.000, lana§amos esta campanha contra "The Dirty Dozen". No final, sete dos 12 foram derrotados, e mais do que a margem de vita³ria foi claramente composta por pessoas que votaram amplamente com base em seus registros ambientais para expulsa¡-los. Um deles foi o presidente do Comitaª de Obras Paºblicas da Ca¢mara - que realmente chamou a atenção do Congresso.

A Lei do Ar Limpo foi fortemente criticada pela indústria do carva£o, da indústria de servia§os paºblicos, da indústria de petra³leo, da indústria automobila­stica e da siderurgia. A Lei do Ar Limpo aprovou o Senado por voto de voz por unanimidade e aprovou a Ca¢mara dos Deputados com, penso, um voto dissidente. O Congresso estava assustado com a campanha "The Dirty Dozen". Levamos o momento da votação esmagadora do ar limpo para as campanhas de lobby da Lei da agua Limpa, da Lei de Espanãcies Ameaa§adas de Extinção, da Lei de Controle de Substa¢ncias Ta³xicas, da Lei de Proteção de Mama­feros Marinhos e assim por diante.

Qual foi o sinal mais animador de que o Dia da Terra fez uma diferença significativa no mundo nos últimos 50 anos?

Penso no amplo e quase universal respeito pelos valores ambientais. Aquela fa¡brica de papel que fedia além da crena§a, que enviava os a¡cidos que comiam atravanãs dos telhados das casas e perfuravam os telhados dos automa³veis sempre que chovia (e chovia o tempo todo em Camas, Washington., Uma comunidade de 5.000 pessoas na Columbia River) - hoje, algo assim seria literalmente inconceba­vel em qualquer lugar dos Estados Unidos. O que era normal em 1969 tornou-se impensa¡vel no ini­cio dos anos 1970, e manteve isso. a‰ mais forte em relação a s coisas que influenciam a saúde humana, e a maioria dessas leis tem a saúde humana incorporada diretamente a elas como o que deve ser protegido. Mas vai além disso. Envolve um respeito pela diversidade da vida e pela saúde do meio ambiente. E a necessidade de proteger este planeta como nosso aºnico lar. Todas essas coisas agora estãoconsagradas. Penso que, se alguém fizesse uma pesquisa hoje, haveria um apoio mais forte a  proposição de que os americanos deveriam ter um direito constitucional a um ambiente limpo e sauda¡vel do que para a maioria dos itens da atual Declaração de Direitos. Mudança bastante formida¡vel.

A entrevista foi editada para maior clareza e condensada por muito tempo.

 

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