Mundo

Um dia de acerto de contas
Empurrando para acabar com o mito de Colombo e homenagear a história dos povos inda­genas
Por Liz Mineo - 10/10/2020


Em junho, uma esta¡tua danificada de Crista³va£o Colombo no bairro North End de Boston foi removida. Em 6 de outubro, o prefeito de Boston, Martin Walsh, anunciou que a esta¡tua não voltaria ao seu local original no parque a  beira-mar da área. Foto de arquivo AP / Steven Senne

Comemorado pelos imigrantes italianos nos Estados Unidos desde 1792, o Dia de Colombo se tornou um feriado federal em 1937 para comemorar a “chegada de Crista³va£o Colombo a s Amanãricas”. A reputação do explorador escureceu nos últimos anos, a  medida que os estudiosos passaram a dar mais atenção aos assassinatos e outras atrocidades que ele cometeu contra os povos inda­genas do Caribe. Este ano, em meio a um reconhecimento nacional da injustia§a racial, manifestantes derrubaram e decapitaram esta¡tuas de Colombo em várias cidades, enquanto cresce a pressão para abolir o feriado nacional e substitua­-lo por um que celebra as pessoas que povoaram as Amanãricas muito antes de o explorador “zarpar o oceano azul. ” Perguntamos a alguns membros da comunidade de Harvard: "Este éo fim do Dia de Colombo e como a Amanãrica pode substitua­-lo da melhor maneira?"


Megan Hill
Cidada£o da Oneida Nation of Wisconsin
Diretor do Programa, Projeto Harvard sobre o Desenvolvimento Econa´mico dos andios Americanos

Na quarta sanãrie, voltei da escola e meu pai me perguntou o que eu aprendi. Eu disse a ele com entusiasmo que a Sra. Brennan nos ensinou: “Em 1492, Colombo navegou no oceano azul”. Como cidada£o Oneida e lider nacional na educação dos a­ndios americanos, não consigo imaginar o que deve ter passado por sua cabea§a, mas no dia seguinte ele dirigiu atéminha escola (predominantemente branca e abastada) e convocou uma reunia£o de emergaªncia com meu professor. Naquele dia, ela revisou seu plano de aula.

Para os povos nativos nos EUA, o Dia de Colombo representa uma celebração do genoca­dio e da expropriação. A ironia éque Colombo não descobriu nada. Ele não apenas se perdeu, pensando que havia pousado na andia, mas háevidaªncias significativas de contato transocea¢nico antes de 1492. O dia celebra uma versão ficcionalizada e higienizada do colonialismo, encobrindo gerações de brutalidade que muitos europeus trouxeram para essas costas.

Em cidades por todo opaís, háuma consciência crescente de nossa história coletiva e violenta - e dos legados que reverberam em nossos sistemas de justia§a, saúde e educação. As esta¡tuas de Crista³va£o Colombo desabam e soam os apelos para substituir o Dia de Colombo pelo Dia dos Povos Inda­genas. Para mim, não étão simples quanto substituir um dia de fanãrias no calenda¡rio por outro. Se esses apelos forem sinceros, qualquer mudança no Dia dos Povos Inda­genas deve ser respaldada por ações e um reconhecimento ativo da sobrevivaªncia e resiliencia conta­nuas dos povos inda­genas.

O investimento na educação ca­vica precisa ser feito em parceria com as nações tribais para ensinar a verdadeira história dos Estados Unidos e garantir que todos os americanos saibam que hoje as nações tribais estãoresolvendo desafios universais e inovações pioneiras que podem mudar e melhorar o mundo.

A Amanãrica poderia aprender muito com seus primeiros povos. Mas deve comea§ar com a verdade.

Joseph P. Gone, Ph.D. 92
Professor de antropologia e de saúde global e
diretor do corpo docente do programa de nativos americanos da Universidade de Harvard

Respostas recentes a tiroteios e mortes pela pola­cia de negros desarmados nos EUA forçaram um ajuste de contas nacional sobre o legado racial monstruoso da Amanãrica. Uma consequaªncia foi um repensar radical de quem escolhemos para comemorar publicamente por meio de esta¡tuas, monumentos e celebrações. Sob esta luz, a observa¢ncia pública do Dia de Colombo deve terminar. Para os mais de 5 milhões de cidada£os inda­genas americanos, nativos do Alasca e havaianos desta nação, as viagens de Colombo ao chamado Novo Mundo inauguraram uma longa história de exploração, escravida£o, erradicação e eliminação (e ele mesmo iniciou e sancionou tais ações) .

Assim, comemorar Colombo écomemorar a colonização europeia dos povos inda­genas. Em vez de relembrar e recontar aquelas histórias de mau gosto, vamos citar e celebrar um resultado mais improva¡vel desta história: a sobrevivaªncia inda­gena. Hista³rias de sobrevivaªncia inda­gena, resiliencia e resistência permanecem em falta na Amanãrica dominante, mas não porque elas não existam; em vez disso, eles foram eclipsados ​​por um projeto nacionalista de eliminação inda­gena. Podemos mudar isso substituindo o feriado federal de outubro pelo Dia dos Povos Inda­genas. A cidade de Cambridge já o fez, e embora Harvard não tenha adotado nenhuma pola­tica formal que reconhea§a oficialmente o Dia de Colombo, também não o fez de maneira uniforme em seus calenda¡rios acadaªmicos ou reconheceu formalmente o Dia dos Povos Inda­genas em toda a universidade. O tempo do ajuste de contas estãopra³ximo. Vamos demonstrar juntos nossa solidariedade coletiva com os povos inda­genas, abandonando a comemoração pública de Colombo em troca da celebração da sobrevivaªncia inda­gena.

Jaidyn Probst, 23 anos
Comunidade inda­gena sioux inferior

Para os povos inda­genas na Amanãrica, o fato de muitas instituições e governos ainda reconhecerem o Dia dos Povos Inda­genas com um nome diferente (Dia de Colombo) édoloroso. Esta¡ apenas contribuindo para o conta­nuo apagamento dos povos inda­genas. Nãodeveria haver razãopara celebrar um homem que apenas trouxe doena§as, genoca­dios e vários ataques a s comunidades inda­genas. Ele não deve ser uma figura mantida na sociedade moderna. Francamente, ele não descobriu nada, então o que hápara comemorar? A melhor maneira de substituir este dia pela Amanãrica éreconhecaª-lo universalmente como o Dia dos Povos Inda­genas. Este feriado não apenas permite que opaís se aprenda sobre a história carregada em torno do feriado, mas também celebra a perseverana§a e o poder que as comunidades inda­genas continuam a ter no mundo. Muito frequentemente, Os povos inda­genas são considerados uma coisa do passado e, ao designar o dia como Dia dos Povos Inda­genas, da¡ aos povos inda­genas uma folga de ter que defender constantemente nossa existaªncia para a sociedade. Nãoéapenas uma celebração de nosso povo, étambém uma celebração de nossa cultura, nossa comida e nossa arte.

Robert Anderson
Bois Forte Band da Minnesota Chippewa Tribe
Oneida Indian Nation Professor visitante de direito na Harvard Law School

a‰hora do Dia de Colombo ir embora e ser substitua­do pelo Dia dos Povos Inda­genas como feriado nacional. Essa mudança exigiria que as pessoas pensassem no fato de que estepaís foi fundado na conquista de um territa³rio que pertencia aos povos inda­genas que ainda estãoaqui e cujos ancestrais viveram aqui por milhares de anos e tiveram suas próprias sociedades, sua própria cultura e sua próprias instituições políticas.

a‰ importante reconhecer as raa­zes inda­genas destepaís que chamamos de Estados Unidos. Tambanãm temos que respeitar o fato de que as tribos inda­genas modernas nos Estados Unidos são governos; eles tem soberania; eles tem terras; e ainda temos o direito a  independaªncia dentro dos Estados Unidos. Este éum territa³rio onde meus ancestrais viveram, e eu aprecio o fato de que as pessoas em algumas áreas entendem que estãovivendo em terras que pertenciam a outra pessoa e ainda pertence a eles de várias maneiras .

Chama¡-lo de Dia dos Povos Inda­genas chamaria a atenção para um fato tão esquecido. Eu lecionei direito indiano por 12 anos na Harvard Law School, e muitos alunos vão atémim para dizer: “Nunca nos ensinaram isso na escola prima¡ria ou secunda¡ria”, ou mesmo na faculdade em muitos casos. Eles ficam surpresos ao entender como funcionava o processo colonial. Digo aos meus alunos que esta éuma parte muito desconforta¡vel da história dos Estados Unidos, um sub-bosque muito podre que as pessoas não gostam de olhar. O movimento Black Lives Matter éum grande ana¡logo porque algumas pessoas querem ignorar o fato de que a pola­cia age de maneiras que são racialmente discriminata³rias. Da mesma forma, a maioria nos Estados Unidos prefere não pensar no fato de que grande parte destepaís foi tirado a  força das populações inda­genas. a‰ algo que as pessoas gostam de guardar no arma¡rio ou varrer para debaixo do tapete. Já era hora de acertar as contas com o tratamento injusto dos a­ndios americanos.


Anna Kate Cannon
Foto de Jillian Cheney - Co-presidente da Natives at Harvard College

Ha¡ alguma esperana§a neste ano de um reconhecimento do Dia dos Povos Inda­genas para substituir o Dia de Colombo, principalmente porque houve esse enorme acerto de contas com a raça impulsionado pelo movimento Black Lives Matter. Muitasmudanças que estãoacontecendo agora devemos aos manifestantes do Black Lives Matter. Isso realmente fora§ou muitas pessoas no poder e muitos cidada£os americanos comuns a reconhecer o fato de que nossopaís tem origens e estruturas muito racistas hoje.

Mas tenho muito mais esperana§a de mudança emnívelestadual do que emnívelnacional. Como co-presidente da Natives at Harvard College, gostaria de ver a universidade reconhecer apenas o Dia dos Povos Inda­genas, em vez de comemorar o Dia dos Povos Inda­genas e o Dia de Colombo. Todos os anos, nos reunimos em frente ao Matthews Hall e organizamos esta grande celebração do Dia dos Povos Inda­genas. Mas sempre dissemos que nosso encontro éem parte uma celebração aos povos inda­genas e em parte um protesto contra a comemoração do Dia de Colombo.

Dada a situação atual e o que sabemos sobre Colombo, não devemos celebra¡-lo. Muitas pessoas sabem que Colombo nunca pa´s os panãs nos Estados Unidos. Mesmo celebrar Colombo como aquele que descobriu a Amanãrica écompletamente falso. a‰ hora de reconhecer a história completa e verdadeira dos Estados Unidos, que foi fundada no roubo de terras inda­genas e na morte e privação de direitos dos povos inda­genas, que povoaram a Amanãrica do Norte e o resto do continente. Somos ensinados desde muito cedo, na escola prima¡ria, que a reivindicação da Amanãrica por terras deste continente era inteiramente lega­tima e que as pessoas que estavam aqui não eram "civilizadas" e suas sociedades não eram "avana§adas o suficiente". Isso faz parte do mito da Amanãrica, a ideia de que os colonos mereciam essa terra. Mas a verdade éque os a­ndios já estavam aqui antes dos colonos.

Joseph R. Zordan, 26 anos
Bad River Ojibwe
Ph.D. Estudante de Hista³ria da Arte e Arquitetura

Mesmo se o Dia de Colombo chegasse ao fim no nome, as coisas que ele representa - a doutrina da descoberta, destino manifesto, etc. - são fundamentais para o mito que éa Amanãrica. O espectro de Colombo não seráexorcizado tão facilmente da terra. Mas isso não torna o movimento de renomear este dia para o Dia dos Povos Inda­genas sem sentido. A cada ano tenho sido movido pela graça e dignidade que nós, inda­genas, demos a nosmesmos naquele dia.

Depois de séculos em que os governos dos Estados Unidos e do Canada¡ tentaram tornar nossa cultura, vida e soberania ilega­veis ou inexistentes, ainda somos capazes de nos encontrar onde quer que vamos. Tambanãm fui encorajado pelos povos não inda­genas que se juntaram a nosna celebração, reflexa£o e avaliação das difa­ceis histórias de colonialismo e genoca­dio. Se queremos curar, encontrar uma maneira de viver aqui juntos, esses processos são indispensa¡veis. Embora renomear o Dia de Colombo para homenagear os povos inda­genas não va¡ fazer isso sozinho, acredito que tenha criado um novo espaço para permitir que essas conexões e trabalhos comecem.

 

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