Mundo

Aprendendo da maneira mais difa­cil
Allan Brandt, estudioso de história da ciência e autor de 'Sanãculo do cigarro', diz que os negociadores de opia¡ceos devem dar ouvidos a s lia§aµes do acordo do tabaco
Por Colleen Walsh - 08/08/2021


O acordo de 1998 de US $ 206 bilhaµes com a indústria do tabaco pode oferecer lições a  medida que os funciona¡rios do governo negociam com as empresas farmacaªuticas que fabricam opioides. iStock

Enquanto as autoridades estaduais e locais avaliam propostas de acordos multibiliona¡rios para resolver casos contra a Purdue Pharma, Johnson & Johnson e outras empresas farmacaªuticas na epidemia de opioides nos Estados Unidos, especialistas em saúde pública notaram um conto de advertaªncia contido no passado e no presente de um caso ainda maior acordo.

Em 1998, os governos estaduais chegaram a um acordo de 25 anos, US $ 246 bilhaµes, com as maiores empresas de tabaco dopaís. A quantia impressionante tinha o objetivo de responsabilizar a indústria pelos efeitos letais do tabagismo e fornecer suporte para programas antitabagismo. Mas a realidade tem sido uma "decepção gigante", diz Allan M. Brandt de Harvard , autor de "O século do cigarro: a ascensão, queda e persistaªncia mortal do produto que definiu a Amanãrica", finalista do Praªmio Pulitzer em 2008. Apesar do pagamento enorme, muito do dinheiro foi desviado para iniciativas que não tem nada a ver com o tabagismo.

Em uma entrevista a jornalistas, Brandt, a professora de história da medicina Amalie Moses Kass e professora de história da ciaªncia, relembrou o nega³cio do Big Tobacco e compartilhou suas opiniaµes sobre a melhor estratanãgia para distribuir fundos de acordos de opioides pendentes .

Pergunta & Resposta
Allan M. Brandt


O que aprendemos com a forma como o acordo Big Tobacco se desenrolou?

BRANDT: Na anãpoca, acho que muitos de nós, talvez um tanto ingenuamente, pensamos: “Isso vai ser a³timo para o controle do tabagismo”, que sempre teve recursos significativamente insuficientes. Quando as pessoas usavam cigarros, ficavam viciadas e adoeciam, havia uma forte tendaªncia na sociedade e na cultura americanas de culpar esses indivíduos por simplesmente terem desconsiderado os avisos. Portanto, dado o preconceito contra os fumantes individuais, muitas pessoas pensaram que esse grande lita­gio de classe, orientado pelo estado, era uma maneira real de corrigir o problema do uso do tabaco, especialmente para a prevenção do tabagismo entre adolescentes e criana§as. O que aconteceu com esse dinheiro foi fonte de muito debate, desa¢nimo e decepção. Os US $ 246 bilhaµes foram usados ​​para preencher lacunas ora§amenta¡rias, construir estradas e para outros fins; muito raramente era usado para qualquer forma de saúde pública, muito menos reduzindo o uso do tabaco, tratando os viciados e protegendo as criana§as contra o tabagismo. Tornou-se um exemplo nota³rio de arrecadação de muitos fundos por meio de lita­gios, mas não repassando esses fundos para aqueles que mais precisam ou merecem. Acho que muitas pessoas assistiram ao surgimento do lita­gio de opila¡ceos com a nuvem do acordo sobre o tabaco pairando sobre os procedimentos.

Como os estados conseguiram desviar esses fundos?

BRANDT: Percebi que muitos de nós, da saúde pública, dos estudos jura­dicos e de outras áreas, não entenda­amos completamente a meca¢nica dos processos. O dinheiro do lita­gio em massa entrou nas contas dos estados, e apenas a ação das legislaturas estaduais poderia determinar a melhor forma de gastar esses fundos. Tambanãm não havia nenhum apetite significativo por muitos governadores e legislaturas estaduais para necessariamente direcionar esses fundos na direção em que eram destinados, e havia uma falta de supervisão. Outro grande problema era que os acordos de liquidação do tabaco eram tais que o financiamento das empresas pelos estados era vinculado aos lucros das empresas. Assim, os estados passaram de adversa¡rios a parceiros de nega³cios das empresas. Num sentido, os estados desincentivaram as empresas de tabaco de agir melhor porque perceberam que a quantidade de dinheiro que receberiam dependeria dos lucros das empresas de tabaco. Além disso, para ter acesso imediato a parte do dinheiro que vinha da Big Tobacco, os estados venderam ta­tulos pelos fundos que viriam mais tarde em um processo conhecido como securitização. Segundo algumas estimativas, apenas 2,5% do dinheiro que foi coletado e estãosendo coletado agora foi ou estãoindo para o controle do tabagismo. a‰ uma grande decepção. Outra coisa a lembrar éque, no final, a Big Tobacco apenas aumentou o prea§o dos cigarros. Como a nicotina vicia muito, esse aumento de prea§o teve pouco impacto em suas vendas, então eles basicamente recuperaram a maior parte do dinheiro que teriam para dar aos estados. Todas essas coisas pareciam meio diaba³licas.

“As indaºstrias devem compensar os danos para os quais contribua­ram e a justia§a deve se concentrar naqueles que mais sofreram”.


Que lições do nega³cio do tabaco se aplicam a s negociações nos assentamentos de opioides?

BRANDT: O lita­gio sobre opioides ébastante complexo - éum grupo de casos muito diversificado. E uma das razões pelas quais étão diverso éem resposta ao acordo mestre de liquidação da Big Tobacco, onde quase todo o dinheiro foi apenas para os estados. E tantas localidades, vilas, cidades e tribos perceberam que, se não processassem a si mesmas, talvez não tivessem acesso a parte dos fundos. Então, vocêtem procuradores-gerais dos estados, mas também tem prefeitos e gerentes e vereadores que entraram com processos. Eu realmente sinto que os advogados que estãoenvolvidos, os representantes estaduais que estãoenvolvidos, os legisladores que estãoenvolvidos - eles realmente devem se comprometer agora com a legislação que determina a utilização adequada desses fundos. Tambanãm énecessa¡rio haver supervisão desses fundos por lei estadual e responsabilidade genua­na.

Eles também devem garantir que as pessoas realmente entendam a natureza do va­cio. Ha¡ uma comunidade crescente de defensores dos transtornos relacionados ao uso de opioides, mas muito estigma permanece.

Com o acordo do tabaco, as empresas foram forçadas a criar a Iniciativa Verdade, que éuma organização de saúde pública dedicada a eliminar o va­cio da nicotina e um grupo de vigila¢ncia que administrou e tornou amplamente acessa­veis todos os documentos hista³ricos que incriminaram as empresas de tabaco. Sabemos o que as empresas de tabaco fizeram e foi ultrajante. E, francamente, sabemos o que Purdue Pharma fez, e foi ultrajante. E émuito importante, eu acho, poder atribuir responsabilidades a essas empresas. Caso contra¡rio, as pessoas continuara£o a dizer sobre aqueles que sofrem de dependaªncia: "Eles não deveriam ter feito isso", ou "Eles foram irresponsa¡veis" ou "Eles são caloteiros, são viciados, são drogados" - todos desses termos terrivelmente estigmatizantes. Mas essas pessoas eram vulnera¡veis ​​a s ações dessas indaºstrias poderosas, e as indaºstrias deveriam compensar os danos para os quais contribua­ram,

Vocaª acha que esses acordos - tanto com a Big Tobacco quanto com as empresas farmacaªuticas - são um impedimento suficiente? Isso érealmente justia§a para as vidas perdidas?

BRANDT: Nãoacho que isso esteja perto o suficiente. Muitas pessoas que consideraram o lita­gio como uma estratanãgia de saúde pública levantaram essa questão. Nãoéuma abordagem ideal para a saúde pública. Mas onde outras agaªncias reguladoras e estratanãgias e políticas de saúde pública não tiveram sucesso, esta tem sido uma estratanãgia muito útil de utilizar os tribunais para buscar reparação por esses danos brutais. Acho que éum componente valioso da pola­tica de saúde pública.

Vocaª gostaria de ver os fundos dos assentamentos de opioides usados?

BRANDT:  Uma das grandes vantagens éque realmente sabemos muito sobre o que fazer. Existem excelentes medicamentos baseados em evidaªncias para transtornos por uso de opioides, bem como outras estratanãgias para ajudar as pessoas que sofrem. Podera­amos usar esses fundos para tratamento e redução de danos, para melhorar a educação dos profissionais de saúde. Podera­amos usa¡-los para campanhas antiestigma e realmente mudar o significado dos transtornos por uso de opioides de uma forma consequente. Além disso, acho que háoportunidades importantes para corrigir políticas que possibilitaram que os opioides estivessem amplamente disponí­veis e fundamentalmente mal utilizados. Todos esses são elementos para obter algumnívelde regulamentação e prestação de servia§os adequados a s pessoas que mais precisam.

A entrevista foi editada para maior clareza e extensão.

 

.
.

Leia mais a seguir