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Genanãtica ajuda a demonstrar colapso populacional de povos inda­genas no Brasil após chegada de europeus
Desde a invasão dos europeus atéo momento atual, houve redua§a£o de cerca de 99% da populaa§a£o inda­gena brasileira
Por Ivanir Ferreira - 12/12/2021


A maior redução aconteceu entre os Tupis (98.99%), seguida dos Andinos (95.6%) e os Jaªs (83,1%) –  (Foto: Carl de Souza/AFP)
 
A história das ameaa§as de exterma­nio dos povos inda­genas, que na Amanãrica Latina permeia o passado e segue de outras formas no presente, também pode ser contada com ajuda das ciências gena´micas. As estimativas de um estudo genanãtico inanãdito sugerem que houve um colapso populacional de inda­genas desde o período da invasão europeia a  Amanãrica do Sul. A maior redução aconteceu entre os Tupis (98.99%), seguida dos Andinos (95.6%) e os Jaªs (83,1%). Os povos da costa do Oceano Paca­fico (Chile, Peru, Equador e Cola´mbia) sofreram redução em torno de 60%.

O estudo se baseou em dados gena´micos coletados de 383 nativos de 58 grupos diferentes que habitavam o Brasil (regia£o amaza´nica, o sul do Brasil e costa brasileira) e outras regiaµes da Amanãrica Latina (Manãxico, Bola­via, Cola´mbia, Equador e Peru oscosta do Paca­fico), contidos em um banco de dados produzidos pelos pesquisadores da USP e  bancos paºblicos. Um artigo descrevendo a pesquisa, intitulado Population Histories and Genomic Diversity of South American Natives,  foi publicado no peria³dico Oxford Academic Molecular Biology and Evolution no último dia 7. O primeiro autor éo bia³logo e pesquisador Marcos Araaºjo Castro e Silva, orientando da professora Ta¡bita Hunemeier, do Departamento de Genanãtica e Biologia Evolutiva, do Instituto de Biociências (IB) da USP.

Dizimação dos a­ndios brasileiros

Analisando a herana§a genanãtica que esses povos deixaram na população atual, épossí­vel reconstruir a história demogra¡fica dos nativos, diz  Ta¡bita. Segundo a pesquisadora, no decorrer do estudo da diversidade genanãtica dos antepassados inda­genas, os pesquisadores se surpreendiam com os números que iam sendo compilados com relação ao decla­nio populacional inda­gena no Brasil. A violência dos colonizadores, sobretudo na anãpoca das expedições bandeirantes, dizimou cerca de 99% dos inda­genas da costa brasileira e 83% da regia£o central do Paa­s, relata.

A sociedade inda­gena foi desestabilizada com a chegada dos europeus. Eles tinham um modo de vida que foi totalmente corrompido pelas expedições explorata³rias. “Os bandeirantes eram homens extremamente rudes, violentos e ambiciosos. Ha¡ relatos de que, nas primeiras décadas do século 17, eles mataram ou escravizaram milhares de inda­genas, assassinados em confrontos ou tornados vitimas das panãssimas condições de vida, pela fome e pelas doenças inseridas na comunidade pelos colonizadores europeus”, diz ela.

Com relação a  população amaza´nica, a pesquisadora relata que era bem numerosa. Ha¡ cerca de mil anos, somente os a­ndios pertencentes ao tronco Tupi (tamoios, guaranis, tupiniquins, tabajaras, entre outros) eram estimados entre um e cinco milhões de pessoas. No Brasil, por volta do ano de 1500, as estimativas  baseadas em dados hista³ricos eram de aproximadamente 3 milhões, sendo que um tera§o desses habitava a costa brasileira. Atualmente, o último censo demogra¡fico brasileiro (2010) notificou um número de 800 mil inda­genas em todo o territa³rio brasileiro, sobretudo na Amaza´nia. “Como o censo éde 2010, provavelmente esse número estãobem abaixo, talvez pra³ximo da metade”, lamenta a professora.

Nos períodos anteriores a  colonização, por não haver relatos escritos, a história do Brasil são pode ser acessada por meio da arqueologia, de relatos etnogra¡ficos, da bota¢nica e agora pela genanãtica. “Todos esses conhecimentos integrados trazem uma visão mais completa do que aconteceu naquela anãpoca”, diz Ta¡bita.

Demografia: ancestralidade genanãtica

Castro explicou como foi possí­vel resgatar as informações demogra¡ficas do passado  e trazaª-las para o presente, ou seja, como usar a genanãtica para estimar essa dra¡stica redução populacional entre os inda­genas na Amanãrica do Sul. Segundo o pesquisador, “por meio do estudo dos dados gena´micos de populações nativas contempora¢neas épossí­vel inferir a diversidade genanãtica de seus ancestrais a cada geração no passado”, diz.

A metodologia da pesquisa consistiu na identificação de sequaªncias idaªnticas do genoma entre indivíduos de uma mesma população, que são os chamados segmentos idaªnticos por descendaªncia, ou seja, são idaªnticos por terem sido herdados de um ancestral comum. Tais segmentos idaªnticos aumentam em frequência na população em períodos nos quais o tamanho da população épequeno (muitos indivíduos descendentes dos mesmos ancestrais), resultando em diminuição da diversidade genanãtica da população, explica Castro.

Segundo Ta¡bita, atualmente a variabilidade genanãtica dos inda­genas (que éuma fração da variabilidade genanãtica do passado) tem sido muito pequena. Por meio do estudo dessa variabilidade genanãtica atual épossí­vel quantificar a diversidade genanãtica de uma população em um determinado período, com base no número de sequaªncias idaªnticas que foram formadas no passado.

Outro conceito importante para entender essa inferaªncia, diz o pesquisador, éa recombinação genanãtica, que éaleata³ria e reduz o comprimento dessas sequaªncias idaªnticas entre indivíduos na população em um ritmo previsível ao longo das gerações. Desse modo, a partir do comprimento de um segmento idaªntico por descendaªncia épossí­vel deduzir quando ele foi formado no passado. Assim, de acordo com o número de segmentos idaªnticos por descendaªncia em cada faixa de comprimento, épossí­vel inferir qual seria o tamanho (número de indiva­duos) da população no período em que aqueles segmentos foram formados, isto porque em populações menores espera-se que o número de segmentos idaªnticos formados seja maior e vice-versa.

Como exemplo, Castro explica que segmentos com comprimento de aproximadamente 8.4 cM (centimorgan éuma medida de distância genanãtica) foram formados aproximadamente há18 gerações (500 anos atrás considerando um tempo de geração de 28 anos), e portanto épossí­vel inferir o tamanho da população nessa anãpoca de acordo com o número de segmentos idaªnticos por descendaªncia com esse comprimento identificados na população, conclui.

 

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