Opinião

Por que agora é estratégico para o Banco Mundial acelerar a igualdade de gênero?
A importância e os benefícios de ter mulheres em posição de liderança
Por Angela Donaggio - 07/09/2024




O Grupo Banco Mundial decidiu em sua estratégia 2024-2030 que a aceleração da igualdade de gênero é essencial para acabar com a pobreza em um planeta habitável.

As lideranças do Banco Mundial realizaram consultas com representantes de organizações da sociedade civil, governos, parlamentos, universidades, setor privado, organizações feministas, grupos indígenas, bancos de desenvolvimento etc.

Nesse sentido, a Diretoria do Banco Mundial sentiu a necessidade de escutar especialistas sobre liderança feminina e no último 26 de julho fui convidada a falar no Seminário "Women Business Leadership" promovido pelo próprio Banco para acelerar a equidade de gênero.

Foi uma grande responsabilidade estar em um painel com outras mulheres de história incrível: lideranças empresariais e políticas da Índia, Nigéria e Moçambique.

Mencionei que meu enfoque de trabalho nos últimos 15 anos tem sido Governança, Diversidade e Ética. Não percebo um sem o outro no cotidiano empresarial.

Contei que interajo com mulheres de todas as hierarquias corporativas e vejo as lacunas no pipeline corporativo que fazem com que muitas mulheres competentes deixem o mundo corporativo.

As pesquisas mostram que as profissionais mais comprometidas com o trabalho normalmente não o abandonam por vontade própria, mas porque não conseguem suportar tantos anos sem o devido reconhecimento, além de sofrerem discriminação institucional e organizacional de todos os tipos.

Nesse sentido, é importante ressaltar que mais de 90% da violência contra as mulheres no ambiente de trabalho são microagressões. Por exemplo: desprezos, humilhações, falta de reconhecimento, insultos e comentários que diariamente minam a confiança e a saúde das mulheres a ponto de causar alterações cromossômicas.

Esse ambiente tóxico expulsa muitas mulheres do ambiente corporativo que acabam se tornando empreendedoras não por opção, mas por necessidade financeira.

As raras mulheres que têm uma rede de apoio e recursos para suportar o fardo do trabalho de cuidado (família, crianças, idosos) e de tantas décadas de microagressões corporativas alcançam cargos de

liderança, como diretorias e conselhos de administração.

E há uma tendência de pensar que o preconceito vai diminuir, à medida que eles provaram que chegaram ao topo. Mas os preconceitos continuam... em geral, as pesquisas mostram que as conselheiras geralmente se preparam muito mais para as reuniões do conselho do que os seus pares homens. Uma das razões é porque sabem que enfrentarão um maior escrutínio das suas ideias.

Apesar de se prepararem mais, elas são mais julgadas por qualquer questão, desde o tom de voz ao estilo de comunicação. De tantos julgamentos, muitas vezes podem adotar comportamentos diferentes do seu verdadeiro eu.

Um exemplo vem de uma conselheira de quem fui mentora de Diversidade. Ela era chamada de “pombinha” por seus colegas nas reuniões do conselho. Outra mentorada se cansou de ser interrompida e menosprezada por seus colegas, sem conseguir terminar um raciocínio, a ponto de decidir sair de um conselho após décadas de esforço. Uma terceira disse que, há alguns anos, usava perfume masculino para tentar não ser percebida como mulher pelos colegas. Para finalizar, quando perguntei a uma ex-CEO de multinacional da Europa e da América Latina, quando ela deixou de ser chamada de “menina” nos conselhos (ela é 60+) – para calcular quando EU deixaria de ser chamada de menina no ambiente corporativo – ela respondeu: “Ângela, eu ainda sou chamada de menina nas reuniões de conselho”.

Apesar desta evidência decepcionante, houve algumas melhorias ao longo dos anos. Como disse uma diretora da Fortune 1000: “A situação com uma mulher é a fase da invisibilidade [ou hipervisibilidade]. A fase com duas mulheres é a da conspiração: se as mulheres se sentam uma ao lado da outra, se vão juntas ao banheiro feminino, os homens se perguntam o que as mulheres irão “aprontar”. Três mulheres tornam-se mainstream – é normal ter mulheres na sala e essas questões desaparecem.”

Como aumentar a diversidade nos conselhos e C-level?

Estamos falando de um problema sistêmico e complexo, portanto não existe solução mágica capaz de resolvê-lo como uma bala de prata.

Vejo diversas iniciativas que geraram resultados claramente positivos. Para além do tokenismo – que é colocar uma mulher preta ou branca em um conselho e pensar que este conselho já é diverso – a nomeação de mais de 30% de mulheres para conselhos e C-level é obviamente muito importante, porque as vozes das mulheres nestes ambientes deixam de apenas serem ouvidas de forma estereotipada e passar a ser escutadas em igualdade de condições.

A pesquisa da qual sou co-autora publicada em 2018 pela International Finance Corporation (IFC) intitulada “Mulheres na liderança empresarial impulsionam o desempenho ESG”, mostrou de forma evidente que, quando as mulheres são escutadas em igualdade de condições como conselheiras ou C- level, isso acaba melhorando significativamente as práticas ESG dessas empresas (esta pesquisa foi amplamente referenciada por diversas instituições, inclusive pela NASDAQ em seu pedido de autorregulação de diversidade à SEC em 2020).

Apesar de esforços, é importante lembrar que um grupo homogêneo dificilmente se percebe como homogêneo. Uso outro exemplo real de quando eu avaliava a qualidade das práticas de governança de um conselho de administração de uma grande organização médica.

Na autoavaliação, pedi que se avaliassem de 0 a 5 em termos de diversidade. Eu esperava uma nota muito baixa. O resultado foi que todos os conselheiros se deram a pontuação mais alta: 5. Agora o interessante é que o conselho era composto por 13 pessoas: todos brasileiros, todos homens cisgênero, sem deficiência, heterossexuais, 1 negro e, pasmem, todos com a mesma formação (médicos).

Um grupo homogêneo não se percebe como homogêneo porque se concentra em diferenças sutis dentro de si. A recorrência de grupos homogêneos em posições de poder é uma das principais razões que nos trouxeram até aqui: nos limites das fronteiras planetárias que ameaçam a nossa sobrevivência como espécie.

Precisamos de grupos heterogêneos, diversos e inclusivos para criar soluções inclusivas e eficazes.

Precisamos de inteligência coletiva, diversidade de pensamento e representação em posições de poder e, para sustentar isto, precisamos de segurança psicológica.

Como fazer isso?

Após quase duas décadas de pesquisa e experiência no tema, entendo que três soluções podem fazer a diferença estrutural que precisamos, além de outras estratégias.

A primeira é a lei de cotas. Hoje, cerca de 30 países têm leis de quotas para mulheres em conselhos e essa se mostra uma política efetiva de aceleração da diversidade. Em todos os países onde houve debate sobre leis de quotas, os que estavam contra o projeto diziam que não havia mulheres qualificadas. Depois da aprovação da lei, porém, estas mulheres simplesmente surgiram: o que chamo de “geração espontânea de mulheres qualificadas”. Claro que isso não existe. Elas eram invisíveis até então para os grupos decisórios.

Quando meus coautores e eu fomos ao Senado Federal para debater um projeto de Lei de Cotas para Mulheres em Estatais Federais em 2010, fomos os únicos a defender a iniciativa. Foi uma enorme perda de oportunidade.

Como dizia Donella Meadows, pioneira no pensamento sistêmico, “agir apenas quando um problema se torna óbvio é perder uma oportunidade importante de resolvê-lo”. 15 anos depois, o Brasil continua estagnado quanto às conselheiras titulares (empresas buscam inflar a participação com suplentes).

Aumentar o número de mulheres nos conselhos gera um comprovado ciclo virtuoso em toda a estrutura corporativa, pois tem o efeito de aumentar o número de mulheres na gestão intermediária e, por sua vez, reduzir estereótipos organizacionais.

A segunda solução deve passar pela responsabilidade masculina. Dado que a maioria dos CEOs e conselheiros em todo o mundo são homens, nenhum progresso real de equidade acontecerá sem a liderança visível e o envolvimento dos líderes masculinos. Os homens também são mais propensos a escutar outros homens. O tom no topo é fundamental para encorajar a cultura da diversidade, equidade e inclusão. A Austrália tem um grupo de CEOs de todos os setores chamado “Campeões Masculinos da Mudança”, que se uniram para promover a igualdade de gênero nas suas organizações e, mais importante, para atuarem como defensores da causa. Combinada com a exigência de listagem da Bolsa, essa solução ajudou a participação de conselheiras da ASX 200 subir de 5% em 2009 para 34% em 2024.

A terceira solução, passa pela relevância dos bancos multilaterais de investimento, bancos governamentais de desenvolvimento e fundos de pensão. Estas instituições podem facilmente vincular suas participações acionárias a cláusulas contratuais que garantam uma equidade mínima de gênero nos conselhos de administração das investidas.

Além disso, devemos lembrar que a economia do cuidado deve ser valorizada como essencial, tal como é para a sociedade – a sociedade global. Temos de compreender que as poucas mulheres que ascendem a cargos de liderança são geralmente aquelas que têm o apoio e os recursos para contratar outras mulheres (muitas vezes mal remuneradas) para este trabalho.

Desta forma, só conseguiremos quebrar este ciclo vicioso se o trabalho de cuidado (com crianças e idosos) for bem remunerado, incluído no PIB e percebido como essencial para a construção de uma sociedade melhor em todos os sentidos.

Não precisamos de mais histórias românticas de superação. Precisamos que várias injustiças deixem de estar presentes e passem a fazer parte do passado, para todas as mulheres.

Precisamos mudar o paradigma para realmente impactar positivamente o mundo. Citando a filósofa Angela Davis: “Temos que falar sobre libertar mentes e também sobre libertar a sociedade”.

Então, vamos libertar nossas mentes. Imaginemos que existe uma ferramenta mágica, que pode ser uma solução para melhores práticas ambientais, sociais e de governança para as empresas, sociedades mais harmonizadas e países mais estáveis, com menor violência e ainda por cima menos fraudes.

Essa ferramenta existe e há uma infinidade de pesquisas que mostram a correlação entre a diversidade de gênero e resultados positivos. Seria sensato começar a usá-la.


Angela Donaggio
Fundadora da Virtuous Company consultoria e atua como palestrante e consultora em ESG, Ética e Diversidade desde 2004. É Doutora pela USP, Visiting Scholar & Researcher em Harvard e Cornell (EUA) e Mestra pela FGV.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

 

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