Opinião

Apostas online: regular, mas não proibir
Agenda deve incluir certificação de empresas, monitoramento de lavagem de dinheiro, proibição a apostadores comprovadamente viciados, regulação da propaganda e informações objetivas das bets sobre chances de ganhos e perdas.
Por Sergio Ribeiro da Costa Werlang - 16/10/2024




Tem havido muita controvérsia sobre as apostas online.  A CNC chegou a entrar com uma ação no STF para declarar a lei inconstitucional, no dia 24 de setembro. O motivo seria que as apostas já estariam afetando o comércio, as pessoas teriam ficado sem dinheiro para consumir. Uma afirmação que, veremos, não aparece nos dados até agora.  A relação dos brasileiros com apostas tem sido fortemente reprimida por diversas leis e imposições do governo.  Dentre estas o decreto lei de 30/4/1946 do presidente Dutra, que proibiu os cassinos no Brasil. Esta proibição foi totalmente de surpresa e causou um dano enorme na atividade turística, que até hoje tem sequelas visíveis, como o prédio do Cassino da Urca no Rio de Janeiro, que abriga hoje um colégio, o Quitandinha em Petrópolis, e muitos outros hotéis em estações de águas, como Poços de Caldas. Até 2018, quando as apostas esportivas online foram legalizadas (Lei 13.756 de 12/12/2018, complementada pela Lei 14.790/2023). Hoje este mercado está pujante, com valores de apostas online que o Bacen estima (Estudo Especial 119/2024, setembro, realizado a pedido do senador Omar Aziz) em uma média mensal de 21,1 bilhões de reais por mês!  As loterias tradicionais têm uma média mensal de apostas de 1,9 bilhão de reais.  O mais impressionante nesse número, é a quantidade de pessoas que apostam, cerca de 24 milhões de brasileiros.  Ou seja, um mercado bastante relevante.  E há vozes que dizem que devemos acabar com uma atividade econômica que obviamente é a vontade de muitas pessoas (pelo menos 24 milhões delas). Antes de analisar mais detalhadamente esta inclinação intervencionista de alguns, vamos olhar com mais atenção os números que o Banco Central divulgou. Primeiro, o Bacen percebeu que a maior parte deste valor de apostas mensal está em empresas cujo CNAE (Classificação Nacional das Atividades Econômicas) não está corretamente classificado.  O controle e a regulação destas empresas e seu correto registro são fundamentais.  Esta situação necessita correção.  Segundo, em mais uma descoberta, o Banco Central estima que o retorno médio para os jogadores destas apostas é de 85%.  Este valor é bastante elevado quando comparado com uma loteria tradicional.  Por exemplo, de acordo com o portal da Mega-Sena da Caixa, somente 43,35% da arrecadação bruta desta loteria volta para os apostadores!  Em outras palavras, as apostas online são muito mais eficientes que as loterias tradicionais.  De acordo com o estudo do Bacen, somente 15% destes 21,1 bilhões, ou seja 3,2 bilhões por mês, são o real dispêndio médio dos consumidores, ou seja, 0,35% do PIB.  Terceiro, foi identificado que os beneficiários do Bolsa Família enviaram cerca de 3 bilhões no mês de agosto para estas apostas.  Isto representa cerca de 15% do benefício.  Claramente, um número alto.  Mas, lembremos que 85% destes valores em média retornam para os apostadores.  Desta forma, o gasto com as loterias dos beneficiários do Bolsa Família, levando-se em conta os prêmios recebidos, são em média cerca de 2,25% dos benefícios.  Obviamente, o dispêndio bruto de 15% do benefício é elevado, e devemos regular este mercado de forma mais eficaz. 

Quanto à pergunta se o setor de apostas teve impacto relevante no consumo geral, o Banco Itaú, num estudo de 13/8/2024, Macro Visão, chega à conclusão de que não há impacto significativo das apostas nas vendas no varejo.  Obviamente, mais estudos são necessários, mas este primeiro indicativo mostra que o varejo não é afetado de forma relevante.

O que fazer para regular as apostas online?  Certamente, proibir algo que a população brasileira demonstrou que deseja consumir tão veementemente seria uma violência e causaria uma perda de bem-estar imensa para a população. A regulação dos jogos de azar online existe há muito em vários países. O primeiro problema a ser enfrentado é certificar-se que as empresas estejam regulares (e o Bacen já mostrou que muitas nem estão corretamente registradas no CNAE) e monitorar para possíveis problemas de lavagem de dinheiro. Para isso as contas de jogo deveriam passar pelo processo idêntico de escrutínio que uma instituição financeira utiliza. Inclusive da compatibilidade da renda do jogador com seu perfil de apostas. Em suma, os mesmos critérios que são usados para abertura de conta em um banco. E monitoramento dos ganhos dos apostadores individuais, especialmente centrado nos “sortudos”, aqueles que ganham reiteradas vezes seguidas (um “sortudo” sistemático é indício forte de lavagem de dinheiro, como nos fez ver o caso dos “anões do orçamento” de 1993, em que um deputado ganhou 200 vezes na loteria). Em segundo, devem-se regular fortemente as propagandas para não darem a impressão de que as apostas são um caminho fácil para o enriquecimento. Além disso, em todos os jogos, informações objetivas sobre as probabilidades de ganho e os valores esperados de ganho/perda (sabemos pelas estimativas do Bacen que em média há uma perda de R$0,15 para cada R$1,00 apostado). Terceiro, para apostadores contumazes um tratamento especial deve ser provido, para verificar se sofrem do vício de apostar (ludopatia). E, se sofrerem, então serem proibidos de jogar.  Legislações ao redor do mundo lidam com este problema, de forma que é fácil encontrar exemplos de boas práticas, que deveriam ser copiadas. E quarto, o consumo dos bens de tentação (como são formalmente chamados os bens que podem viciar, como cigarros, bebidas, drogas e apostas) aparenta ter correlação com a baixa renda (artigo “Apostas: liberdade e tentação” de Tiago Cavalcanti da FGV EESP, no Valor dia 2 de outubro, citando Banerjee e Mullainathan “The Shape of Temptation: Implications for the Economic Lives of the Poor”). Assim, para pessoas de baixa renda, como no caso de recebedores do Bolsa Família, pode fazer sentido haver alguma limitação (mas não proibição) do montante apostado por mês por uma família.

Este artigo foi publicado originalmente no Blog do IBRE.


Sergio Ribeiro da Costa Werlang
Professor titular da EPGE Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE). Possui mestrado em Economia Matemática pelo Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (1982) e doutorado em Economia pela Princeton University (1986). Atualmente é diretor geral do Banco Itaú S A. 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com.

 

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